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Les Cahiers d’Hermès I
Albert-Marie Schmidt : Alta ciência e poesia francesa no século XVI (2)
A gnose de Maurice Scève
A crítica francesa moderna entusiasmou-se recentemente com Maurice Scève. Ela não teme atribuir-lhe intenções estéticas ou sentimentais que ele teria, sem nenhuma dúvida, desprezado. Ela trai, escandalosamente, o espírito de sua obra e renuncia, por preguiça, por falta de simpatia, a descobrir-lhe o verdadeiro sentido . Seu racionalismo indolente a induz, de fato, a recusar-se a servir-se das chaves, contudo simples, que lhe permitiriam desvelá-lo.
A escola lionesa, de que Scève é o chefe incontestado e cujo espírito Pontus de Tyard procura insuflar nas doutrinas da Pléiade, mostra-se afeita à aritmosofia. Ela estima que somente um conhecimento pitagórico das propriedades dos números concede ao poeta a faculdade de deixar perceber, como acompanhamento secreto de suas invenções rítmicas, o bater da “Alma do Mundo ”. Jacques Peletier du Mans, a quem Scève reserva suas confidências e Ronsard seu respeito, compõe “contra aqueles que censuram as matemáticas” uma invectiva lírica em que declara notadamente:
Aquele cuja alma é arrebatadaPelos céus vai e passa,E subitamente vê durante a vidaDo alto a terra baixa.Enquanto imaginaA feitura e a grande maravilhaDa máquina redonda.É aquela pela qual melhor se aprendeA imensa Deidade ,E que aos ateus repreende
E, logo, oferecendo um exemplo do que entende por mística numérica, entoa o louvor da “grande perfeição deste ‘Um’, primeira e única fonte dos Números... No meio dos quais ele permanece como soberano Governador, denominador dos Números inteiros e, para que esteja em toda parte, Numerador dos números fracionários, verdadeira imagem da Divindade, da qual posso cantar aqui depois de Virgílio ...”, o que nomearemos “uma curta antífona à Alma do Mundo”, que termina por estes três versos:
Alma, que é pelos membros difusa,E faz mover este grande Corpo universal,Inspirando vida aos Animantes diversos.
Scève, que encanta seus amigos por sua destreza em guiá-los através dos labirintos matemáticos mais complicados, como atesta o célebre diálogo de Tyard “Scève, ou Discurso do Tempo do Ano e de suas Partes”, não pode senão concordar com os princípios muito estritos de seu amigo Peletier. De fato, a arquitetura numérica de “Délie, objeto de mais alta virtude” é concebida para advertir o leitor clarividente dos desígnios íntimos de seu autor . Os dizains que esse “canzoniere” encerra são, com efeito , ilustrados por cinquenta figuras, que os repartem segundo a fórmula seguinte:
5 + (9 X 49) + 3
Se, agora, se interpretam segundo sua significação espiritual estes cinco números, pode-se arriscar as conclusões seguintes, cuja verossimilhança não deixará de impressionar todos aqueles familiarizados com os motivos do pensamento gnóstico: “Délie” retraça as aventuras iniciáticas de uma alma encarnada, mas já florescida na “Rosa trémière” dos mistérios , ou “Quintefeuille” (Cinco), que se dirige para a reintegração final (Nove), ascendendo todos os degraus da “Alta Ciência” (Quarenta e Nove), na esperança de atravessar a porta da iluminação suprema (Cinquenta) para participar substancialmente da obra de uma “Deidade” eternamente ativa e criadora (Três). Observa-se que Scève, não mais que Peletier, ou Ronsard, ou Belleau, não pensa em elevar-se até o “Deus -Sem-Modo”; ele não aspira a evadir-se da criação , mas limita sua ambição a atingir seu “Arquétipo -Imanente” para nele se abismar.
O agente dessa ascensão , que o homem não saberia realizar sem o auxílio de uma graça especial, é o “Eterno-Feminino”, a Deusa amiga e mãe , que apareceu a Apuleio sob a máscara e o nome de Ísis, a Dante sob a espécie de Beatriz, e que assume, para manifestar-se a Scève, a aparência transitória de Pernette du Guillet, a poetisa. Ele a nomeia “Délie”. Indica, desse modo, sua natureza lunar tradicional e a associa ao princípio solar da poesia . Ártemis, irmã gêmea de Apolo, nasce em “Délos”.
Embora assistido por um patrocínio celeste, o myste só acede ao soberano bem através das angústias de um doloroso despojamento. Délie inflige a Scève uma série de trépas. Ele lhe declara, aliás, na primeira parte de um oitavo dedicatório:
Não de Vênus as ardentes centelhas,E menos os dardos dos quais Cupido tira,Mas sim as mortes que em mim renovas,Eu quis neste Obra descrever-te.
Nada iguala a confusão voluntária do itinerário iniciático cujos desvios ele segue sob a condução de Délie. A crítica moderna, apaixonada por ideias distintas, desespera de retraçar-lhe as peripécias. Ela não compreende, pouco acostumada a pensar por correspondências simultâneas, que Scève, desde sua primeira “morte ”, caminha e progride ao mesmo tempo nas três partes do cosmos , onde reina Délie, soberana absoluta do mundo, e que, arrebatado por um tríplice movimento, que não é senão a força atuante de Délie, de que se sente divinamente possuído, desce aos infernos e percorre o espaço empíreo, no mesmo momento em que os profanos o veem caminhar sobre a terra:
Como Hécate tu me farás errarE vivo, e morto, cem anos entre as Sombras;Como Diana no Céu me reterDe onde desceste a estes mortais embaraços;Como reinante nas infernais sombras,Diminuirás ou aumentarás minhas penas.Mas como Lua, infusa em minhas veias,Aquela tu foste, és e serás, Délie,Que Amor juntou a meus pensamentos vãosTão fortemente que Morte jamais o dela desliga.
Segue-se que na “Délie” alternam as epigramas infernais, terrestres e celestes. Melhor ainda: por um escrúpulo natural de “Alta Ciência”, Scève, oferecendo-as em holocausto verbal a “Délie-Tríplice-Hécate”, dá a alguns deles um valor triplo, celeste, infernal e terrestre, o que tem por efeito enganar os incrédulos.
Ele cuida, além disso, de não fazer aparecer diretamente a tríplice significação reservada dos poemas da “Délie”. Ele se contenta em revelá-la aos hábeis, recorrendo aos artifícios de uma simbólica milenar, que, aumentando dificuldades de decifração já consideráveis, reduz a uma unidade de imagens e de fábulas os aspectos dos três reinos que Délie anima.
Precisemos ainda que o símbolo scéviano jamais pode ser representado por um signo ou por um hieróglifo único. É, em um quadro sobriamente narrativo, um complexo de emblemas relativamente claros, que só adquirem, por sua associação sabiamente premeditada, a dignidade obscura do símbolo. Emblemas vegetais, tais como a absinto, o paloes, o âmbar, o cedro, o dictamo, a manjerona, a mirra, o cravo, a maçã. Emblemas animais, tais como o basilisco, a cabra, o corvo, a hidra, a lebre, o lobo, o lince, o papagaio, a fênix, a salamandra, a serpente . Emblemas alquímicos, tais como a calamidade, o diamante, o jaspe, o ouro, o chumbo, o sal agrigentino, a terra de Lemnos. Emblemas geográficos, tais como a Arábia, o Béthys, o Egito, o Etna, o Ganges, a ilha de Pafos, a Líbia. Emblemas olímpicos, tais como o néctar e a ambrosia. Cores emblemáticas, tais como o Branco da fé , o Amarelo do gozo, o Vermelho da caridade , o Verde da esperança...
Todos esses emblemas, Scève os incorpora, para elevá-los à excelência simbólica, a pequenos mitos, onde se discerne a dupla influência dos petrarquistas, membros sofredores da Igreja de Amor, e dos neoplatônicos, que observam os preceitos da Academia Florentina. Considerando que Délie não o liberta dos influxos contraditórios do Sol e de Saturno, mas que, ao contrário, lhes aviva os efeitos, Scève, por exemplo, rima os dois dizains simbólicos das “Flechas de Amor”, cujo sentido oculto não se poderia apreender se não se recorda que, para os alquimistas, o ouro é um emblema solar, e o chumbo, um metal saturnino:
O Ferreiro vilmente errou,Embora soubesse ser tal seu costume,Quando ao Arqueiro o outro dardo de ouro forjou,Pelo qual os corações dos Amantes acende.Pois poupando, talvez, sua bigorna,Ele nos submeteu a preço estimávelPara melhor atrair, e, os atrativos colhidos,Constituir em serva obediência.Mas, por esse dardo atraente, Amor presoFoi escravizado sob a avara potência.Bem pintar soube quem fez Amor cego,Criança , Arqueiro, pálido, magro, volúvel,Pois, ao atirar, cega seus Amantes,Amolecendo, como crianças, sua coragem ,Pálidos por cuidado e magros por grande fúria,Mais inconstantes que o Outono ou a Primavera.Também, ó Deus, em nossos corações estendesO Amor pelo Ouro agradável, quente, atrativo,E pelo Chumbo nos tornas descontentes,Como mole, frio, pesado e restritivo.
Ademais, estes vinte versos são como impregnados pela lembrança de Dafne, divindade elementar do loureiro, espécie de santa melancólica e tímida, que Scève escolhe como emblema de sua poesia nostálgica e de seus amores sempre evasivos. Sabe-se que ela se lançou em uma corrida mortal, ferida por Amor com um dardo de chumbo, enquanto no coração de Apolo, que a perseguia, estremecia uma flecha de ouro:
Tu foges, Dafne, dos ardores apolíneos,suspira Scève, que se julga a si mesmo com um ardor entristecido.
Outras vezes, recusando-se a tomar emprestadas das religiões clássicas suas figuras divinas, ele se transforma a si mesmo em personagem fabuloso, capaz de reunir seus emblemas ordinários em um símbolo confidencial, de essência infernal e noturna, cujo efeito sua “presença pessoal” aumenta; testemunha esta estância, que conta entre suas obras-primas:
O dia passado em tua doce presençaFoi um sereno em inverno tenebroso,Que faz provar à noite de tua ausênciaAo olho da alma ser um tempo mais sombrioQue não é ao Corpo este meu viver penosoQue agora me faz recusar-se a si mesmo.Pois, desde o ponto em que partiste,Como a Lebre acocorada em seu abrigoEstendo a orelha, ouvindo um ruído confuso,
A julgar a “Délie” por estes poucos fragmentos, estimar-se-á talvez que nada iguala sua “abstração ” deliberada. Ora, não é assim. Scève treme sempre do desejo de juntar-se ao “Arquétipo”, ou, se se prefere este termo, às “Ideias”. Mas ele não esquece jamais que sua “Mui santa e sábia Diotima”, se apresenta e representa a caridosa alma feminina do cosmos, não leva menos, sob o nome de Pernette du Guillet, uma existência individualizada e carnal . Ele visita sua mística amiga. Ele debate com ela sutis problemas de casuística amorosa. Ele a repreende, para desculpar-se imediatamente de suas impaciências. E, não dissimulando nada das escapadas de sua carne e de seu coração, nem do cenário lionês onde se desenrolam, na duração terrestre, os acontecimentos de sua paixão, ele se compraz, por profunda honestidade, em inserir na “Délie”, sem contudo renunciar a seu constante propósito simbólico , o diário temporal e cotidiano de seu amor; o que nos vale delicadas idílios como este:
Sobre a Primavera que as Alesas sobem,Minha Dama e eu saltamos no barcoOnde os Pescadores entre si contam sua presa;E um apanha uma, que, sentindo o ar novo,Do que minha Senhora chora e se atormenta.Cessa, lhe digo; é preciso que eu lamenteA sorte do Peixe que não soubeste pegar,Pois ele está fora de prisão veementeDe onde de tuas mãos não pôde jamais escapar!
Melhor ainda: o poeta pretende não se confinar nem nos serviços familiares de seu amor, nem em sua busca mística, mas permanece atento às vicissitudes históricas de sua época.
A direção dos Reinos pertence, ela também, ao “Arquétipo”, que instrui e delega os Anjos das nações, essas Potências políticas. Scève pinta suas contestações e suas lutas, ainda que, para guardar a unidade de tom de seus poemas, as figure por suas correspondências heráldicas. Ele se aplica, assim, a traduzir a história em uma espécie de apocalipse onde se agitam e vivem emblemas de brasão. A morte do “Cervo Voador” (o condestável de Bourbon), que, general a serviço da “Avestruz” (Áustria), perece no cerco de Roma pela mão de Cellini, inspira-lhe os versos seguintes:
O Cervo voador aos latidos da AvestruzFora de seu abrigo, perdido, alçou voo.Sobre o mais alto da Europa se empoleira,Crendo achar segurança e repouso ali,— Lugar sagrado e santo, — o qual violouPor mão a todos profanamente notória.Assim, pela morte precedendo a vitória,Seu nome lhe foi indignamente ferido,Como ao preciso por seu louvor meritórioDe fé semelhante à sua pago.
Como se conclui esta “Délie”, poema gnóstico, poema de amor humano, poema de esoterismo heráldico, que se representa sem se desenlaçar no palco de três mundos, obscurecidos por uma floresta de símbolos? É um patético pressentimento da dissolução do corpo que a encerra. O laço carnal de Scève com a terra foi lentamente gasto por tantas mortes místicas constantemente “renovadas”. Com serenidade, o poeta espera a hora em que, atravessando o portal tenebroso do trépas, banhar-se-á subitamente na tríplice luz do “Arquétipo”. O dizain que se vai ler exprime a paz interior de um myste da “Alta Ciência”, cujos olhares estão enfim descerrados:
Nada, ou bem pouco, bastaria para me dissolverDo vivo com este caduco mortal;Ao que o Espírito quer muito bem resolver-se,Já prevendo seu corpo, pela morte, talQue com ele se fará imortalE que não pode senão por um tempo perecer.Portanto, para paz a minha guerra adquirir,Temerei renascer a vida mais cômoda?Quando, sobre a noite, o dia vem a morrer,A tarde daqui é Aurora no Antípoda.
Sobre esta terra, Scève, por seu talento poético, tirou... sua EurídiceDos Infernos do eterno esquecimento;nessa aurora, ele a reencontrará para a perpétua festa de uma ativa eternidade, e unir-se-á a ela, que se terá confundido com o “Arquétipo”,Além do céu amplamente longo e largo.
Mas Scève não morre. É Pernette du Guillet que, tendo consumido todas as sombrias chamas de sua virtude, se extingue em 17 de julho de 1545, um ano após a publicação da “Délie”.
Scève aspira a reuni-la. Mas sua devoção ao “Arquétipo”, que mantém, prolonga, aperfeiçoa o Universo , impede-o de entregar-se à morosa delectação do suicídio espiritual. Ele concebe mesmo o projeto de escrever as gestas que a infatigável Trindade realiza, delegando seus poderes a seu substituto terrestre: o homem.
Assim é que ele se põe a escrever escrupulosamente o Microcosme, que publica em 1562. Fiel às suas preocupações aritmosóficas, ele quer que essa ampla composição compreenda três cantos de mil versos cada um e se encerre por um terceto monorrimo: isto é, em suma, três mil três versos. O que significa que, após ter celebrado a multidão de formas que assume, no cosmos, o trabalho do “Arquétipo” (Três-Mil), Scève, não esquecendo sua iniciação por Délie, permanece fiel a seu ideal e não sonha senão com a conclusão póstuma de sua vida na glória trinitária (Três), cuja ardor criadora persistirá mesmo quando a idade atual do mundo, pela reintegração de todos os homens, estiver concluída.
Apesar da precisão de seu plano gnóstico, o Microcosme dificilmente poderia satisfazer a curiosidade dos filhos da “Alta Ciência”. Scève nele louva o gênio industrioso do homem. Ele narra suas proezas. Ele segue a opinião de doutores então reverenciados, hoje pouco conhecidos, tais como Pierre le Mangeur, Vincent de Beauvais, Polydore Vergile. Ele não se demora em perscrutar os grandes e os pequenos arcanos do mundo; mas, tendo resumido a história da civilização mecânica, completa-a de modo infeliz por uma exposição demasiado minuciosa das disciplinas do “Quadrivium” e do “Trivium”, que toma quase textualmente da Margarita Philosophica, tratado do escolástico humanista alemão Gregor Reisch.
Entretanto, sem que Scève se digne prevê-lo, o Microcosme orienta para novos domínios certos gnósticos que o leem. Eles tentam, por sua vez, esclarecer e ilustrar as tradições das origens. A fervor com que os grandes iniciados ocidentais meditavam o mistério de Adão começava a atenuar-se. O exemplo de Scève a reaviva neles. Que é, com efeito, o Microcosme, senão uma epopeia adamita? No quadro de uma visão profética do pai e do educador dos homens, Scève coloca o quadro dos esforços de seus descendentes, que restituem o mundo à sua integridade primitiva, reabrem, por assim dizer, o Paraíso fechado, e são finalmente admitidos, como preço de sua pena , na intimidade do comércio divino.
Além disso, pela necessidade do tema que trata, Scève vê-se constrangido a dar seu parecer sobre certas questões que dividem os sábios: assim contribui ele, indiretamente, para as obras da “Alta Ciência”.
Muitos eruditos de seu tempo supõem, por exemplo, que a língua justa, na qual Adão se exprimia enquanto cultivava o Éden, é o hebraico. Ele afirma, ao contrário, que a queda apagou do espírito de Adão toda noção desse idioma divino, do qual o hebraico, como todas as demais linguagens humanas, não conserva mais nenhum traço. Eis em que termos ele pinta a cena de consagração sacerdotal, onde Adão nomeia as criaturas e lhes dá participação na excelência mediadora de seu espírito:
Este Microcosmo vivo, em sua pura inocência,Pura simplicidade, sem arte e sem ciência,Sem palavra formada em língua para bem falar,E sem ouvir voz ressonante pelo ar,Não sabendo senão seu Deus que, em Deus, o formou,Em linguagem de Deus todos esses brutos nomeou,Segundo o próprio nome de sua própria natureza.
Vê-se que aí se trata de uma comunicação silenciosa, imediata, indizível, com Deus e com as criaturas, e não mesmo do tradicional “Linguagem dos Pássaros”, sobre o qual gostava de dissertar Savinien de Cyrano.
Após a expulsão do Paraíso, essa língua intuitiva e metafísica é substituída por uma língua razoável, cuja articulação encontra no sopro um apoio imponderável, mas material. É o que Scève marca muito bem quando pinta Adão, que, levando frutos diversos à sua mulher recém-parida,
... de seu agrado os nomeia
Não mais de nome divino, mas em linguagem de homem.
Scève coloca igualmente o problema do povoamento do mundo e da repartição das nações, que a “Alta Ciência” se empenhou, em todo tempo, em resolver. Mas aí só encontra o prazer de geógrafo historiador e não procura determinar os lugares onde se estabeleceram os primeiros centros iniciáticos. Ele assinala, contudo, a Bactriana como domínio de Geter-Zoroastre, filho de Aram, filho de Sem, e primeiro dos Magos; e a Gália a Gomer, filho de Jafé e pai dos Druidas. Ele atribui mesmo à “Alta Ciência” daqueles um caráter tão sagrado que se compraz em representar o Microcosmo, emblema da humanidade em migração, pronunciando uma oração ao “Anjo” da Gália e observando uma atitude ritual, cujo caráter mágico se apreciará:
Ele, descendo do passo e entrando sua montariaEm tão nobremente rica e feliz região,Os braços alto estendidos, em alta e plena voz,De região tão santa invoca, por três vezes,Seu Anjo tutelar, e de rios fluentesA saúda regada e sábia em seus Druidas.
Nada mais se reporta, no resto do Microcosme, às habituais preocupações da “Alta Ciência”, senão uma invectiva, aliás clássica, contra as abominações da “Goécia”.
Tendo completado o relato de uma iniciação dolorosamente perfeita por um ato de fé na futura vitória operária do homem, Scève se apaga. Ignoram-se o lugar e a duração de sua retirada final. No momento em que ele desaparece, a constelação das Plêiades, cingindo Ronsard com uma coroa de fogos, brilha com esplendor dominador no horizonte poético.
Ver online : Les Cahiers d’Hermès I
Les Cahiers d’Hermès. Dir. Rolland de Renéville. La Colombe, 1947