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L’être et le neutre: à partir de Maurice Blanchot
Zarader – Blanchot: a paixão da noite (Faux pas)
sexta-feira 4 de julho de 2025
Partir-se-á de uma «experiência», tal como ela se apresenta a uma «consciência». É possível que essas palavras — consciência, experiência — se revelem finalmente impróprias, mas ainda não sabemos disso. Damonos a nós mesmos uma consciência em confronto com um mundo, segundo todo o leque de sua experiência, ou seja, exposta a tudo o que pode encontrar. E isolamos uma experiência que nos propomos a descrever em seu modo de aparição, ou seja, na forma como é vivida pela consciência — sem prejulgar o que ela é (ou seria) «em si mesma» ou «em última instância».
Essa experiência singular — que pode ser feita por toda consciência e que deve, a esse título, ser submetida a exame — é o foco vivo da obra de Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) . Esta, de fato, é inteiramente ordenada, desde sua origem até os escritos mais recentes, a uma dupla intuição. Em primeiro lugar, o fato de que o que nos é dado viver se distribui segundo dois registros: um onde se reúne toda a experiência possível (ou seja, em certo sentido, toda a experiência, tudo o que pode ser encontrado pelo homem no mundo e vivido por ele), o outro onde se reserva uma experiência impossível, que não advém mais sobre o fundo do mundo e que excede meu poder de experimentá-la. Em segundo lugar, uma atenção apaixonada, quase exclusiva, dedicada a este último registro, onde algo se mostra sem poder ser sustentado, ou seja, é, mesmo sendo vivido como não podendo ser. Dir-se-á que ele é assim vivido apenas no instante de sua doação. Certamente; mas é precisamente a esse instante — portanto, também a essa pura doação — que Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) quer permanecer fiel. Recusando-se a apagar ou a deixar fechar-se o que então se revelou a ele, ele pretende ordenar seu dizer — e, talvez, remeter todo dizer — a essa parte obscura da experiência, aquela que se desdobra à margem de todo possível e que desafia, em consequência, toda nomeação.
Isso não significa que uma palavra não possa ser dedicada a ela; mas ela deverá se desdobrar, assim como seu objeto, em um espaço impossível. Ela se empenhará em dizer o que não pode ser dito, na convicção de que só isso exige precisamente ser dito. O que exige «o recurso ao estratagema e à estratégia [1] ». Este tomará vários caminhos. Um dos primeiros — que permanecerá constante ao longo da obra, embora sendo retransmitido por outros — é o uso da metáfora. Uma vez que a experiência que ele quer transmitir não pode ser nomeada em si, Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) confia em metáforas comuns, pelas quais ele, aliás, retoma os primeiros esforços do pensamento. Para designar a partilha dos dois reinos evocados acima, e sua preocupação com um deles, ele recorrerá à oposição do dia e da noite. E ele dirá, de pronto, sua fascinação pela noite.
O que é o dia? O dia é sem enigma. Porque está ligado à luz, ele autoriza a presença das coisas, sua apreensão por uma consciência, assim como a ação de uma sobre as outras. Sendo o reino do possível, é também o do poder. No dia vivem homens que dispõem do tempo, que desenham a história, que edificam um mundo.
A noite é mais misteriosa — porque é mais simples. Nela só se abre o vazio. Todo o léxico do abismo, do obscuro e das trevas, até mesmo do naufrágio e do horror, é convocado para descrevê-la; mas falha em delimitá-la. Domínio do sem-forma, ela às vezes é ligada ao mal, mas é antes de tudo ligada ao nada. Ora, o nada é inesgotável. Para compreender em que sentido ele pode ser dito tal, é preciso retornar aos textos. O tema da noite aparece já nos primeiros escritos críticos de Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) (Faux pas, 1943) e já apresenta algumas das características que permanecerão suas até a obra mais tardia. Quatro delas serão retidas. 1. A noite é objeto de uma experiência essencialmente incomunicável: é vivida sem poder ser dita. Assim como a escuridão não pode se manifestar, a experiência da noite não pode ser compartilhada: sua própria essência se opõe à ordem da linguagem. 2. Não só ela não pode ser revelada, como não deve. Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) recorre aqui ao vocabulário do interdito e da transgressão: o «crime» (o de Fedra em Faux pas será mais tarde o de Orfeu) é ter «querido revelar o que pertencia à noite». O fato de ela ser assim apresentada como um «mistério» que exige ser ocultado fornece uma indicação capital: embora seja sentida, vivida «na alma», ela não se reduz de modo algum a um afeto que seria suscetível de uma análise psicológica. Ela é dotada de uma consistência que é preciso dizer ontológica, ela remete a um reino distinto do dia. Esse reino tem uma «verdade» e um poder próprios, ele suscita «paixão» (Fedra) e «obediência» (Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) ). E é precisamente por causa da verdade que ela oculta que a noite é atingida pelo interdito: tal verdade deve permanecer oculta. 3. Por que deve? Porque ela está ligada ao dia, da forma mais perigosa. Certamente, a noite é o que o dia fecha, o que o mundo dissipa ao se edificar. Mas ela não é um simples prelúdio que seria anulado pelo que surge dela. Ela insiste, e permanece a todo instante suscetível de «devastar» o dia, de «escurecer» o mundo, ela «devolve à crueldade da sombra tudo o que quis se edificar fora da noite». Em suma, a noite não desaparece no dia: ela se reserva nele, para miná-lo. 4. A escrita literária ou poética é a «manifestação da noite». A própria existência do poeta repousa assim sobre uma contradição (mas é essa contradição que faz a poesia): ele obedece à noite, ao mesmo tempo em que permanece, já que fala, fiel ao dia.
O que se pode reter dessa primeira caracterização da noite? Que o reino do dia (do qual se tenderia a pensar que não tem um fora, já que é o espaço de desdobramento de todo o possível, portanto o lugar do mundo e, finalmente, do sentido) conhece percalços. Que ele parece às vezes se rasgar para deixar aparecer, sob essa trama de sentido, um abismo. E que quem encontra o abismo, mesmo que por um instante, é transpassado por essa evidência: seu poder é superior ao do dia, ele reduz a nada tudo o que, no dia, parecia mais bem assegurado. A noite, na experiência que dela é feita, apresenta-se, portanto, ao mesmo tempo como irredutível ao dia e como contendo uma formidável objeção contra este: uma objeção contra a vida, contra o mundo, contra o sentido — e contra o pensamento, que está a seu serviço. Assim, a noite, embora muda, sempre tem a última palavra.
Não pode, contudo, escapar a Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) que essas «observações», das quais ele admite que provêm de uma «mitologia geral» (o dia, a noite), «nada explicam» e «pressupõem o que manifestam». Elas descrevem certamente uma certa experiência; mas nada prova que o que é então vivido como irredutível seja efetivamente tal. Antes de pretender ver nesse vivido alguma objeção, impõe-se, portanto, uma questão prévia, a de saber se não é possível justificá-lo ressituando-o em um quadro de sentido e de racionalidade. Essa questão deve ser precisada. Não se trata, para Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) , de entrar em debate com as tentativas que quiseram negar a realidade da noite, fazendo dela uma aparência ou o correlato de nossa ignorância. Ele está muito convencido da insistência do que escapa ao dia para levar a sério os gestos de pensamento que a quisessem apagar, fazer dela uma irrealidade. Mas a noite não pode ser reconhecida como noite, em sua violência, seu poder mortal, sem, no entanto, arruinar o dia? Ou, para colocar a questão de outra forma: o dia, e o pensamento que está a seu serviço, não podem ser amplos o suficiente para incluir a noite em si?
Tal questão não se colocava em Faux pas, que se restringia à simples oposição do dia e da noite. Mas ela se abre já no livro seguinte, prossegue ao longo de toda a obra, e se elabora ao longo de uma confrontação sempre recomeçada com a dialética hegeliana. Trata-se de examinar as peças desse debate. Pode-se distinguir dois momentos principais. Em um primeiro momento, Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) acessa o texto de Hegel através da interpretação — dominante na França na época — de Kojève. O grande desafio é então o estatuto do negativo em Hegel: a «noite» que ocupa Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) é assimilável ao que Hegel chama o negativo, em que sentido o é, e como, apesar de tudo, dissociá-la? É essa questão que é debatida, em termos quase inalterados, de La Part du feu a L’Espace littéraire. Ela levará, para além da distinção inicial do dia e da noite, a uma partilha da própria noite. Assim nasce o vocábulo de «a outra noite»: outra, porque nomeia o que, da noite, é irredutível à negatividade.
Mas, se a questão levantada por Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) permanece notavelmente constante, as mediações através das quais ele se apropria do texto de Hegel se modificam, induzindo sutis deslocamentos no que ele entende como a «resposta» hegeliana e, em consequência, no afastamento que ele se esforça para criar em relação a esta. Com L’Entretien infini, abre-se o que pode ser considerado como um segundo momento do debate crítico com Hegel. A influência de Kojève, sem desaparecer, é ali retransmitida, por vezes suplantada, pela de outra geração de leitores, armados de motivações diferentes: E. Lévinas, J. Derrida, e sobretudo — já que ele inaugurou, em grande parte, essa nova abordagem — Heidegger. O objetivo, para Blanchot Blanchot Maurice Blanchot (1907-2003) , não é mais apenas a questão do negativo, mas a questão mais ampla da unidade ou da totalidade à qual a «superação» do negativo conduz logicamente. E é em relação à própria ideia de totalidade que ele pensa agora a outra noite: esta não é mais o outro da noite (uma segunda noite, oposta à primeira), mas a noite como outro, totalmente outro. Excluindo-se de tudo o que é, do todo que é, ela se recusa ainda mais decisivamente a ser «superada», pois ela diz — não diz nada além de — a falta de toda superação.

Ver online : Marlène Zarader
ZARADER, Marlène. L’être et le neutre: à partir de Maurice Blanchot. Lagrasse: Éd. Verdier, 2001.
[1] J. Derrida, L’Écriture et la différence, Paris, éd. du Seuil, 1967, p. 59.