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Les Cahiers d’Hermès I
Gengoux: A Grande Obra de Rimbaud (2)
Jacques Gengoux
quinta-feira 10 de julho de 2025
A. - 1) A estrutura: não se contam mais as fantasias brilhantes ou divertidas executadas sobre o tema do soneto chamado das Vogais. Etiemble, no número de abril-junho de 1939 da Revista de Literatura Comparada, enumerou as mais características.
Segundo nós, o soneto constitui o "breviário" da arte rimbaudiana e de sua mística, o resumo de um vasto sistema simbólico organizando sobre o esquema de uma vida humana - ou cósmica - concebida em cinco categorias, uma repartição lógica e psicológica das cores, das vogais, das consoantes, das estações, dos perfumes, das atitudes, da história sobretudo, da qual o autor nunca se afasta, e que explora, que aperfeiçoa sem cessar, desde os poemas latinos de colégio até Uma Temporada no Inferno e... depois.
[A], é a infância ainda indiferenciada, a bestialidade, o imundo. Tudo é negro, fechado, evocador das moscas azuis, peludas, que, no verão, zumbem em torno das podridões cruéis, as carniças.
[E], é a juventude, ingênua, frágil, o inverno, a lua, as flores encantadoras, mas inúteis. Época da fé pura, caracterizada pelo branco e todas as meias-tintas amarelo, azul, violeta.
[I] pretende estabelecer uma revolta, extasiar-se num amor igualitário. Momento do vermelho, do púrpura, do ouro, da cólera e das embriaguezes. Mas esta cólera, termo de uma aspiração para a Beleza, não de um esforço consciente para a Verdade e a Justiça, não chega a nada. Segue-se o nojo, que força a escapar da preguiça, da inação e da desordem, pois o desregramento dos sentidos, necessário talvez, só o é à maneira de um "momento".
[U], categoria da velhice estudiosa. Percebe-se nela a vibração divina (no sentido muito especial de Deus em Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) ) dos mares vírides. O curso das estrelas não é mais objeto de "poesia subjetiva", mas de estudo: ciclos. Os prados não são mais pastos pânicos (cf. [I] de O que se diz ao Poeta...), mas semeados de animais: pastagens. É a alquimia, o trabalho, o esforço, o Homem, a busca penosa, mas coroada pela paz.
[O], enfim, marca o retorno das meias-tintas muito suaves, o extremo do espectro solar: azul, violeta. A Mulher [E, I] expulsa em [U] volta agora, não mais como em [I] a igual do homem ou sua dominadora, mas apoiada nele, completando-o. É o análogo da Morte-Ressurreição: fim do mundo para o Universo (Suprema trombeta).
2) O ocultismo: a mola desta dialética, cujo movimento e caracteres fundamentais um estudo comparado dos principais poemas já permite destacar, Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) não a encontrou por si mesmo. O mais célebre dos ocultistas pelos anos de 1860-1870, o pai dos cabalistas contemporâneos, Eliphas Levi forneceu ao jovem Vidente sua concepção da Arte-metafísica, os procedimentos, as metáforas, as analogias em que Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) se deleitará.
O segredo das ciências ocultas, afirma Levi (História da Magia, Paris, Baillière, 1860), é o da própria natureza, é o segredo da geração dos mundos e dos anjos (cf. [O] do soneto), é o da onipotência de Deus.
Mais precisamente,
a magia reúne numa mesma ciência o que a filosofia pode ter de mais certo e o que a religião tem de infalível e eterno. Ela concilia perfeitamente e incontestavelmente estes dois termos que parecem a princípio tão opostos: fé e razão, ciência e crença, autoridade e liberdade.
Em suma, todas as formas do que Levi chama a Mulher e o Homem, o princípio passivo e o princípio ativo. Assim:
lê-se na Escritura que Salomão fez colocar diante da porta do templo duas colunas de bronze das quais uma se chamava Jakin e a outra Boaz, o que significa o forte e o fraco. Estas duas colunas representavam o homem e a mulher, a razão e a fé, o poder e a liberdade, Caim e Abel, o direito e o dever; eram as colunas do mundo intelectual e moral, era o hieróglifo monumental da antinomia necessária à grande lei da criação... A afirmação se põe pela negação, o forte só triunfa em comparação com o fraco...
Mas não se chega de primeira ao ideal da Sabedoria. Antes de se hierarquizarem harmonicamente, os dois princípios se entrecruzam e se combinam mal. O indivíduo como a humanidade evoluem em cinco fases muito distintas. Segundo Levi:
Ou bem (categoria [A] de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) ), não têm nem princípio ativo nem princípio passivo. São bestas, brutos.
Ou bem (categoria [E]), entregam-se a uma fé pura, sem razão, ao dogma que não é senão a sombra da verdade, sua imagem "invertida", que só encontrará sua verdade no endireitamento, a interpretação alquímica de [U].
Ou bem (categoria [I]), misturam imprudentemente os dois princípios, estabelecem-nos num pé de igualdade e afundam na anarquia. Esta categoria, seja que se possa ultrapassá-la (cóleras), seja que se prefira aí estagnar, decompor-se (embriaguezes penitentes), permanece apesar de sua superioridade sobre a precedente, puramente transitória, "ainda Mulher como [E], mas num mundo mais exaltado.
Ou bem, pela única Ciência, a Mulher sendo expulsa, correm o perigo de cair no ceticismo, de perder a fé (categoria [U]).
Ou bem, enfim (categoria [O]), pela união equilibrada dos dois princípios, realizam a Sabedoria: a Mulher volta, mas; real hoje. Sansão não era livre diante da cólera e da embriaguez. Mas "quando o homem tiver devolvido a liberdade à mulher respeitando-a como sua mãe, a mulher lhe devolverá o amor,, e o pecado do nascimento se apagará".
Para cada uma das categorias, as aproximações, os símbolos julgados equivalentes serão comuns a Levi e a Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) . Para ambos, por exemplo, a etapa [E] identifica termos tão; díspares, à primeira vista, como: candura, noite, inverno, lua, inferno,, estupidez, velhice, Mulher, França, flor, etc., que todos se explicam e se completam quando se destacou o elemento comum que lhes confere um lugar no devir dialético. Eis em que; termos Levi explica a etapa [E] de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) e seu relação ai a Alquimia ([U] de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) ).
Se o dogma religioso é um conto de ama, contanto que seja engenhoso e de uma moral satisfatória, é perfeitamente verdadeiro para a criança, e o pai de família seria muito tolo em contradizê-lo. Às mães; portanto o monopólio dos relatos maravilhosos, dos pequenos cuidados e das canções.
Mas, uma vez ultrapassada, a categoria [E], comovente a seu tempo, torna-se caduca, idiota: é o alquimista que determina seu conteúdo inteligível:
Que diferença entre a flor infantil da primeira idade e a maturidade da velhice! Os velhos são todavia os mesmos quanto à pessoa que eram na adolescência; só o exterior e as aparências mudaram... O mesmo se dá com a religião de Jesus-Cristo... Os anos a tornam mais forte engrandecendo-a, mas não acrescentam nada ao que compõe seu ser.
Que se fale ao sábio de Maria, ele se inclinará diante de tudo o que há de divino nos sonhos da inocência. Não é daqueles que recusarão lágrimas mesmo a estas ingênuas lendas... Repete, no entanto, no fundo de seu coração...: não há Deus senão um Deus, e é Deus, o que significa para um iniciado nas verdadeiras ciências: não há senão um Ser, e é o Ser.
Por importante que seja, o empréstimo de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) não se limita à sequência das ideias. Deve também ao cabalista a concepção simbólica do alfabeto, dos números, das cores. De fato, Levi, não contente em legislar, tinha juntado à teoria a prática da poesia. O mais das vezes, parafraseava as fábulas de La Fontaine, modificava-as desajeitadamente, carregava-as de um novo símbolo que desenvolvia depois num comentário tão bárbaro quanto inesperado. Um exemplo entre muitos outros fará compreender o procedimento. Lembra-se a comparação empregada por Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) para caracterizar os começos da poesia moderna ou romântica, as obras de Hugo, Lamartine, Musset, etc., "locomotivas abandonadas, mas ardentes, que tomam algum tempo os trilhos (subentendido do progresso)". Ora a fábula XVII de Levi opunha as duas formas, antiga e moderna, da poesia sob as espécies de um cavalo (Pégaso) e de uma locomotiva ofegante. À égua antiga, cheia de suficiência e de falsa nobreza, a locomotiva responde:
Sim, tudo isso me agrada sobretudo em poesia... e tenho bem menos que tu,Confesso, uma forma elegante e escolhida.Mas marcho, corre atrás de mim.Amáveis cortesãos da Musa florida,Vos cansais em vão da fria indústria,Do progresso os caminhos estão aí:Poetas, meus amigos, correi, precedei-a.
Depois, o comentário:
Os algarismos são repelentes para a poesia. Os algarismos são a forma exata dos números que medem e cadenciam o ritmo da poesia. Assim a filosofia oculta, a mais poética de todas, é por excelência a filosofia das ciências exatas. Ligando aos números as ideias absolutas, ela cria as matemáticas do pensamento. Faz das letras as auxiliares dos números e faz assim da própria palavra uma ciência profunda como a revelação e rigorosa como a geometria, as palavras se explicando pelas letras e as letras se justificando pelos números... Esta ciência será um dia a locomotiva da inteligência humana, e tudo o que o cavalo Pégaso poderá fazer com suas quatro patas e suas asas, será correr e voar atrás dela sem esperança de jamais a preceder.
A originalidade de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) consistirá na síntese operada entre o sistema puramente intelectualista de Levi e as correspondências demasiado unicamente sensíveis ou "artistas" de Baudelaire Baudelaire Charles Baudelaire (1821-1867) . Dota o primeiro de um valor afetivo, evocador para os próprios sentidos, e carrega as segundas de uma significação explícita. Sonoridades, cores, estações, perfumes, etc., repartidos entre as diferentes categorias terão por missão "puxar a alma" inteira, por todos os sentidos como pelo espírito, numa atmosfera de que se impregna toda sua personalidade.
3) Os Empréstimos literários: Não menos característicos que a marcha das ideias, os empréstimos literários estar-lhe-ão subordinados e servirão para traduzi-la. Segundo a época em que se encontra (Charleville, Paris, etc.), segundo o fim particular que persegue, Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) se exprimirá como pensa: "à maneira de". Cada poema será munido de uma máscara, impenetrável para o comum, para o "imbecil", clara para o único iniciado, para o "pensador" ao qual "reserva a tradução".
Eis expostas em suas grandes linhas algumas aplicações desta dialética: carta do vidente, os Poetas de Sete Anos, O que se diz ao Poeta a propósito de Flores. Para ser breve, este artigo deve seguir o procedimento inverso da invenção, a qual parte evidentemente dos textos para deles destacar as estruturas e confrontá-las com as fontes. Referir-se-á portanto à Simbólica (op. cit.) que não é ela mesma senão um primeiro esboço, mas onde o estudo é mais detalhado e segue a própria ordem da pesquisa.


Ver online : LE GRAND ŒUVRE DE RIMBAUD (original na íntegra)
Les cahiers d’Hermès I, dir. Rolland de Renéville. La Colombe, 1947.