Página inicial > Obras e crítica literárias > Gengoux: A Grande Obra de Rimbaud (3)
Les Cahiers d’Hermès I
Gengoux: A Grande Obra de Rimbaud (3)
Jacques Gengoux
quinta-feira 10 de julho de 2025
B. - Aplicações: 1) A carta do vidente: Depois da morte da vida grega, vida harmoniosa, teria havido, segundo Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) , cinco grandes períodos literários, que não são de fato senão o reflexo poético de cinco "momentos" do devir, as cinco fases de uma dialética histórica (é evidentemente nós que atribuímos a cada categoria a vogal que lhe corresponde de fato).
[A] de Ênio a Teoduldo.
[E] De Teoduldo a Casimir Delavigne, onde tudo é prosa rimada, um jogo, afrouxamento e glória de inumeráveis gerações idiotas. Para os velhos imbecis desta categoria, que não têm do eu senão a significação falsa, Racine, o divino Tolo, é o puro, o forte, o grande. Estes homens não se trabalham. Curiosos, funcionários, fracos, que, se começassem a pensar sobre a primeira letra do alfabeto, poderiam logo ruir na loucura.
[I] Os primeiros românticos. Foram videntes sem o perceber muito bem. Neles, é a predominância da paixão sem regra (cf. supra, as locomotivas): velhas enormidades estouradas. Musset é o tipo mais representativo: preguiçoso, anjo, primaveril, o belo morto, consegue pôr os jovens em cio. Recita-se com emoção. Mas para nós, gerações dolorosas e tomadas de visões, é quatorze vezes execrável. Ainda francês, isto é, passivo, Mulher.
[U] Os segundos românticos: Gautier, Leconte de Lisle, Banville são muito videntes. Inspecionam o invisível e ouvem o inaudito, mas limitam-se a retomar o espírito das coisas mortas.
[O] É Baudelaire Baudelaire Charles Baudelaire (1821-1867) quem é "o primeiro vidente, rei dos poetas, um verdadeiro Deus". Ainda viveu num meio demasiado artista. As invenções do desconhecido reclamam formas novas. Quanto aos mais recentes, excetuados Mérat e Verlaine, inútil falar deles: escolares, Musset, Gaulês, etc..
O que será esta poesia do presente e do futuro, Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) o repete depois de Levi:
Estes poetas serão. Quando for quebrada a infinita servidão da mulher, quando ela viver para si e por si, o homem até aqui abominável tendo-lhe dado sua dispensa, ela será poeta também. Encontrará coisas estranhas, deliciosas; nós as tomaremos, nós as compreenderemos.
Os Poetas de Sete Anos:
[A] (v. 1-16). Aqui como nos primeiros versos dos Presentes dos Órfãos, como no começo da carta do vidente, a Mãe (a vida grega) vai-se embora, deixando a criança sozinha. Nesta categoria, tudo é negro, fechado, vício (solitário), fedor.
[E] (v. 17-30). Já não é o dia, nem a sombra dos corredores ou das latrinas, mas o inverno, a lua. O olho não está mais fechado, mas aberto. Seus familiares, fronte nua, frágeis, escondendo magros dedos amarelos e negros de lama, sob trajes de feira, todos caducos, conversavam com a doçura dos idiotas. A mãe tem o olho azul, mentiroso, e a criança a engana com hipocrisia.
[I] (v. 31-43). Aos sete anos, enfim, a idade da razão, os primeiros românticos. Depois do negro [A], o amarelo e o azul [E], eis o vermelho e o marrom [I]. Depois das piedades dos jovens idiotos sob a vigilância de uma mãe mentirosa, é uma devassidão total. Depois do inverno, o calor, depois da lua, o sol, o riso, o excitante das ilustrações e da vizinha, mais forte, excessiva (oito anos) devassa (sem calças) que o fere e finalmente o enoja. É portanto ainda a Mulher e sua dominação. As imagens que o emancipam, o fazem rir, são também imagens de mulheres italianas, espanholas, um pouco como os Contos da Espanha e da Itália do preguiçoso Musset e toda a falsa cor local do primeiro romantismo.
[U] O pequeno romântico se reencontra enfim só. Com sete anos, não pode realmente atravessar as etapas do Parnaso e do Baudelairismo. Seguindo ainda um procedimento de Levi, vai portanto "inverter" as categorias [U] e [O].
Em termos mais vulgares, vai fazer seu pequeno Parnasiano e seu pequeno Baudelaire Baudelaire Charles Baudelaire (1821-1867) . Retoma sua Bíblia na lombada verde-couve. Ama os Homens (mas homens negros, ainda revolucionários). Depois, após a luta interior, alcança (em sonho) a pradaria amorosa, ao remanso calmo, ao arranco do progresso, da luz.
[O] Apega-se sobretudo às visões dolorosas. E como saboreava sobretudo as coisas sombrias, quando no quarto nu de persianas fechadas, alto e azul, lia seu romance sem cessar meditado e (pressentia) violentamente a vela.
O que se diz ao Poeta a propósito de Flores: As flores ocupam nesta diatribe o mesmo lugar que a Mulher nos Poetas de Sete Anos ou a Vida Francesa na carta do vidente. O poeta interpelado, Banville, é censurado por fazer delas um uso prosaico e mitológico em [A]; ridículo, banal, francês e religioso em [E] ; risível e extravagante em [I] ; enquanto depois "se" lhe pede para celebrar as colheitas, os frutos de outono, isto é, realidades, termos de ciência e trabalho em [U] ; sombrios, infernais, alquímicos, mas portadores de visões em [O].
Sem entrar aqui no detalhe da análise, notemos simplesmente as fórmulas de transição.
[A] Cusparadas doces das Ninfas negras: (último verso de [A], isto é, produtos passivos das larvas de mosca, expectorando seu suco, jogo de palavras sobre Ninfas).
[E] Sim vossas baba de pífaros fazem preciosas glicoses (fim de [E]. A produção é mais distinta. É a Fé, a França mordendo seriamente o ser. Mas isso não vale mais que [A] : Lírios, Acolas, Lilases e Bosas.
[I] Em vez de "conhecer" sua botânica, isto é, de fazer uma poesia objetiva, o poeta vai fazer suceder à categoria [E] a categoria [I]; aos Grilos ruivos, afrodisíaco doce [E], as Cantáridas, afrodisíaco violento [I], em suma às Noruegas [E] as Flóridas [I], mais exuberantes, mas não menos inúteis. "Tu, mesmo sentado lá (na Guiana), escreverias florações dignas de Oises extravagantes." Falsa cor local, falso exotismo, ainda francês, mas no modo do excesso.
[U] Que mande portanto ao diabo o Mar de Sorrento, que substitua ao constritor de um hexâmetro (metro romântico) o quarteto, um quarteto digno do Parnaso e que não faça pasivamente babar, que opte enfim pela objetividade e retome o espírito das coisas mortas.
"Pedro Velásquez, Havana, eis o verdadeiro realismo..." Que busque, que encontre... que retome as imagens, as flores de [E], para delas extrair o conteúdo inteligível: mesmo os Lírios, mas xaroposos mordendo nossas colheres Alfênidas, isto é, assimiláveis para a geração depois de 1848 (Alfen, produto inventado por volta de 1850),
[O] "Nem Benan (a falsa ciência), nem o gato Murr (a única lenda), viram os Azuis Tirsos imensos. É preciso a união da Ciência e da Intuição, o retorno da Mulher [E], mas esta apoiada no homem, na Razão. "Comerciante, colono, médium, tua Rima brotará rosa ou branca..." As borboletas serão elétricas, os postes telegráficos, o mundo reduzido à unidade sob a direção de uma França renovada. A "versão sobre o mal das batatas, as estranhas flores", evocam evidentemente a poesia infernal de Baudelaire Baudelaire Charles Baudelaire (1821-1867) e suas sombrias Flores do Mal.
Deste poema, muito instrutivo para a colocação em ponto do sistema das cores e sonoridades do Pensador, contentemo-nos em assinalar o papel particular do "plágio" com o auxílio de uma das fontes principais.
Banville, o "Senhor e caro Mestre", o tipo do poeta "francês", zomba em suas Odes Funambulescas dos realistas de quem caricatura a doutrina. Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) , exasperado, pega a luva: vai responder ao "imbecil" com um poema digno dele. Obriga-se a retomar todo seu vocabulário, suas metáforas, suas rimas, seus procedimentos: o lírio, os clisteres, a aptidão a "tomar um banho" de azul, isto é, a compor versos, os nojos, os Lótus, o helianto, a rima, o alexandrino, o rosa, o tabaco, a vela, o mar de Sorrento, os palhaços, os dólares, a goma, o açúcar dos folhetins realistas, as cadeiras, os guisados, as batatas ou ainda as duas rimas: rolhas de garrafa e fotógrafo, etc.
Assim Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) assegura ao mesmo tempo a verdade e seu segredo. Ele, o verdadeiro realista, dar-se-á as cores do estúpido realista imaginado por Banville, mas sob o manto exprimirá o fundo de seu pensamento, e com que ironia triunfante!... Daí, através de todo o poema, um duplo sentido: imediato para o "imbecil" como Banville que não verá evidentemente nada; oculto para o poeta ocultista e filósofo, para aquele que, como Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) , sabe "pensar".
O Barco Bêbado: será concebido segundo o mesmo esquema. Ao sair dos Rios impassíveis (cf. Iluminações, Fairy, Para Helena, etc.), no irracional da partida, o chamado dos fanfarrões, dos vômitos, do leme e do gancho.
Na categoria [E] propriamente dita, o banho no mar (ilusão), as lentidões, os longos endurecimentos violetas, o despertar amarelo e azul dos fósforos cantores, etc. .
Na categoria [I] ; as vacarias histéricas, a paixão desbridada, a dissolução no "inefável". O desejo louco de mostrar às crianças (aos fracos, sentido de Levi) todos os tesouros.
Em [U], a consciência de que todos estes transbordamentos eram falsos, [I] não menos que [E], no arrependimento da terra firme.
Em [O], a aspiração para o verdadeiro mar, não mais aquele que acabou de atravessar, mar dos pontões, no orgulho das bandeiras e das chamas, mas a paz do real reencontrado, a coabitação de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) e da "criança" agachada, estagnando em seu paraíso de tristeza, brincando com seu barco frágil, suas ilusões, sua borboleta de maio (cf. por exemplo fim dos Corvos):
Deixai as toutinegras de maioPara aqueles que no fundo do bosque acorrentaNa relva donde não se pode fugirA derrota Sem futuro.
Não se vinga dos Danados, mas os abandona a seu destino (cf. Betsaida, Adeus, etc.).
Com o auxílio destes poucos princípios, o leitor pode reportar-se a peças como Comédia da Sede, Memória, ou mesmo às primeiras obras latinas livres, aos Presentes, de um lado, a Uma Temporada no Inferno, de outro. As peças mais curtas se fixam numa das categorias (A Malvada, etc.), ou se limitam às três primeiras fases (Romance, Baile dos Enforcados, etc.). Embora o recurso às fontes ocultistas, literárias, filosóficas, seja muito útil, indispensável mesmo para a elucidação de algumas passagens ou metáforas: sol Herdeiro, má estrela, ouro astral, ação definida como ponto do mundo, a galeria de Betsaida como ponto de tédio, etc.), chegar-se-á a verificar, sem seu auxílio e para o essencial, as aplicações variadas e flexíveis deste esquema de aparência tão rígida.
Perceber-se-á também que o problema literário se duplica de um problema de psicologia. O mais curioso não é que Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) tenha escrito estes poemas de simbolismo sutil: outros o tinham feito antes dele, e o Ulisses de James Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) , que se julgara sem ordenação, se desdobra como provou Valéry Valéry Valéry, Paul (1871-1945) -Larbaud, em quadros talvez ainda mais artificiais. O mais estranho é que Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) tenha vivido, grimado de um extremo a outro de sua carreira, em conformidade com seus princípios. Levi, primeiro em data, não ficou o único mestre do jovem prodígio. Hegel e Spinoza, de quem Levi aliás se inspirava, vieram enxertar sua doutrina no tronco primitivo, e a influência do primeiro dos dois tornar-se-á logo preponderante. Mas destes elementos diversos, o "pensador" realizou para sua obra como para sua vida, um conjunto sempre mais coerente de que sua agonia prova, além de outros indícios, que nele acreditou, que o rolou "em sua bola" até nos desertos da África. [1]
Em última análise, o mistério de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) não difere essencialmente do mistério de todo homem. O segredo de seu prestígio sobre uma geração desorientada, é que, por mais hermética ou repugnante que tenha parecido a princípio, sua obra traía o engajamento absoluto de uma personalidade mórbida, "pustulenta" a certos respeitos, mas inflexivelmente lógica.
Por este aspecto o mais íntimo, Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) escapa às pegas da simples crítica literária ou da psicologia normal. Se os feixes conjugados de todas as técnicas dissipam as trevas exteriores, não penetram1 até o coração da personalidade, onde o homem, só diante de seu destino, o aprecia ou o rejeita. Para reconstituir em si mesmo o movimento espiritual que conduziu o poeta a sua visão das coisas, o pesquisador deve de antemão interpretar pacientemente as manifestações. É dizer o quanto estas poucas páginas estão ainda longe da conta...

Ver online : LE GRAND ŒUVRE DE RIMBAUD (original na íntegra)
Les cahiers d’Hermès I, dir. Rolland de Renéville. La Colombe, 1947.
[1] Cf. relato por Pierquin da partida definitiva de Rimbaud. "... Como Millot me felicitava por ter adquirido certo número de livros editados em Lemerre, ele (Rimbaud) saiu bruscamente de seu mutismo. « ... Comprar livros e sobretudo "tais", é completamente idiota. Levas uma bola sobre teus ombros que deve "substituir todos os livros... » Às 11 horas, deixou-nos para sempre.»