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Ésotérisme de Shakespeare
Paul Arnold – Sonho de uma noite de verão
Fées, Elfes et Puissances : le «Songe d’une Nuit d’Eté»
sexta-feira 4 de julho de 2025
Não se conhece a data exata em que foi escrito e criado o Sonho de uma Noite de Verão. Não é impossível sustentar que a obra, recém-composta, foi representada pela primeira vez em 26 de janeiro de 1595 perante a corte então em Greenwich, por ocasião do casamento de William Stanley, VI conde de Derby, com Elisabeth de Vere, filha do conde de Oxford. Lembrou-se, para sustentar isso, que a trupe da qual Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) fazia parte atuou perante a rainha, no palácio real de Greenwich, nos dias 26 e 28 de dezembro de 1594, e que, por outro lado, as condições atmosféricas excepcionais descritas por Titânia parecem corresponder às que Stow (A Survey of London, ed. 1633) registra em sua descrição de Londres para o inverno de 1594-1595 (nota 1). Mas essa questão de data tem aqui pouca importância.
O Sonho de uma Noite de Verão é — com, como veremos, A Tempestade, com a qual tem precisamente muitos pontos em comum — uma das muito raras peças de Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) cujas fontes nos são desconhecidas, porque provavelmente elas não tinham muito mais do que a imaginação do poeta bordando sobre um tema mitológico — o casamento de Teseu e Hipólita — e sobre crenças populares e ocultistas — elfos, fadas, Robin Goodfellow, também conhecido como Puck.
Mas este último tema nos fornece estranhas precisões sobre a vontade secreta — e até então ignorada — de William Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) . Em seu prefácio à Discovery of Witchcraft, para justificar seu livro e mostrar quão absurda e tendenciosa é a imaginação popular relativa a bruxos e espíritos, Reginald Scot só faz alusão a dois tipos de superstições: a crença em Fadas (fairies) e a crença não menos difundida em Robin Goodfellow, de quem Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) (II, Cena 1, 34 e 40) nos diz que também tem o nome de Puck. Scot nos informa que não apenas "Robin Goodfellow já não é mais muito temido", mas que esse "grande e velho bicho-papão" (bull-begger) é uma invenção dos papistas e da canalha clerical (popery), agora "suficientemente desmascarada". Somente "os papistas mantêm a necessidade de ter um Robin Goodfellow e Fadas".
Não se poderia tomar uma posição mais violenta. Era, aliás, um ponto de vista compartilhado por todos os puritanos. Com efeito, registrou-se esta fala de Edward Kirke falando sobre elfos e fadas: "Não passam de ficções propagadas por certos frades calvos e patifes raspados. Esses enganadores buscam manter a ignorância do povo comum, temendo que, se este uma vez tomasse conhecimento da verdade, percebesse a mentira de suas pantominas e de sua religião de missas a dois vinténs".
Vê-se que o tom não era brando, e que o simples fato de evocar tais crenças, ainda que para sustentar um jogo, podia, naqueles tempos de perseguições sangrentas, criar uma suspeita de "papismo". Por isso, a Sra. Longworth-Chambrun tem algumas razões para dizer que a principal qualidade da peça é a audácia.
Mas, lendo atentamente o Sonho, adquire-se a certeza de que, no espírito do poeta, a ação e a própria existência dos elfos e das fadas não são um mero jogo da imaginação, mas o reflexo de uma realidade superior e misteriosa. Eis o diálogo curioso que abre o último ato:
HIPÓLITAÉ estranho, meu Teseu, o que dizem esses amantes.TESEUMais estranho que verdadeiro: nunca acreditarei nessas fábulas antigas nem nessas histórias de fadas. Amantes e loucos têm um cérebro tão fervilhante, uma fantasia tão fértil, que captam mais do que a razão fria jamais compreenderá... E assim como a imaginação empresta um corpo a coisas desconhecidas, a pena do poeta as molda em formas e dá ao nada aéreo um lugar no espaço e um nome.À noite, quando se é tomado pelo medo, quão facilmente um arbusto é tomado por um urso!
A esse raciocínio de cético — e simplório —, bem ao gosto de Scot, Hipólita, que terá a última palavra sobre isso, e por uma boa razão, responde com uma reflexão:
Mas todo o relato da noite que nos contaram e todos os seus espíritos transformados ao mesmo tempo, isso testemunha mais do que imagens da fantasia e cresce em algo de grande constância (and grows to something of great constancy), ainda que estranho e maravilhoso.
Essa é, incontestavelmente, a conclusão do próprio poeta. Pois, como veremos em O Mercador de Veneza, em Cimbelino, em O Conto de Inverno, em A Tempestade, é no último ato que Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) costuma levantar um pouco o véu de sua filosofia esotérica.
O poeta crê, em grande parte, na existência de espíritos, crê na existência de seres aéreos (airy spirits), dos quais Scot precisamente nos fornecerá a descrição; crê na realidade transcendente de Puck-Robin e das fadas. Crê em seu poder: "algum poder" (some power), dirá Demétrio a respeito deles [1]. Ele toma publicamente posição pelas crenças folclóricas e "papistas", contra o ceticismo de Scot e dos puritanos (nota 2).
Uma vez que se fez justiça às supostas alusões da peça a fatos concretos e políticos, permanece-se diante essencialmente de uma fábula que toma posição clara e corajosa nas vivas querelas de ideias que dividiam os intelectuais daquela época. E, a esse respeito, as alusões são claras, precisas, insistentes.
Bottom, a quem alguns comentaristas querem atribuir um mau papel (político), serve de intérprete ao poeta para atacar as exagerações dos adoradores da Noite e dos filósofos da abstinência integral à moda de Northumberland. Recordando a querela entre o amor e a razão, que alguns julgam inconciliáveis, Bottom, que busca fazer graça para divertir Titânia, exclama: "Razão e amor pouco se frequentam hoje em dia; é mais lamentável que vizinhos tão honestos não queiram fazer as pazes" (III, Cena 1, 143-146). E é muito provavelmente aos mesmos sofistas, especialmente ao autor do Hino à Noite e do Hino a Cintia, que o poeta pensa quando atribui ao ridículo Píramo-Bottom esta paródica invocação à Noite:
Ó Noite de figura sombria! Ó Noite de tez tão negra!Ó Noite que sempre vem quando não há dia!Ó Noite, ó Noite, ai de mim, ai de mim, ai de mim!
e à Lua:
Querida Lua, agradeço-te por teus raios solares, agradeço-te, Lua, por brilhares tanto agora, pois, graças a teus fogos graciosos, dourados e brilhantes, verei a muito fiel Tisbe.
Mas se Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) , assim como em Trabalhos de Amor Perdidos, toma posição contra os extremistas, os esnobes da cerebralidade, contra os universitários e os intelectualistas da época, os Lyly, os Chapman, os Northumberland, reencontraremos, humanizado e praticável, outro aspecto da preocupação maior do esoterismo elisabetano: a vaidade do amor, a necessidade de uma provação e a salvação por meio de provas prévias. É mesmo o tema central do Sonho.
Com efeito, o que acontece em linhas gerais? Aprendemos que o amor é a cegueira de um instante. Em uma mesma noite, por uma incompreensível feitiçaria, Lisandro ama e depois odeia Hérnia, com quem fugira para a floresta para escapar à obstinação de um pai e às rigores da lei ateniense; Demétrio ama e depois abandona a mesma Hérnia, odeia e depois adora Helena. "Que loucos são esses mortais!", exclama Puck, divertido e indignado (III, Cena 2, 115). E a que se deve atribuir essa "feitiçaria", essa loucura dos corações e dos corpos? À "flor de Cupido" (IV, Cena 1, 74), uma flor da qual direi logo como nasceu e cujos efeitos mágicos são anulados, destruídos pelo "botão de Diana" (ibid.), deusa da castidade: novo reflexo da luta, cantada por Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) em Vênus e Adônis, entre o discípulo de Diana caçadora e a deusa do Amor.
É um mito muito curioso o dessa "flor de Cupido". Ela "torna loucamente apaixonado o homem ou a mulher" sobre cujos olhos se verte sua seiva. As moças a chamam de "amor-na-indolência" (love in idleness, II, Cena 2, 168), com uma nuance de lascívia. E ela é uma vítima de Cupido. Isso aconteceu, conta Oberon, no momento em que uma sereia sentada sobre um golfinho enfeitiçou até as estrelas com seu canto capitoso, seu canto "doce e harmonioso". Fracasso para a harmonia das esferas! Pois "algumas estrelas caíram, loucas, do alto de sua esfera, para ouvir a música da sereia" (II, Cena 1, 150-154). Assim é evocada a luta no macrocosmo entre as forças sedutoras Cupido-Sereia (a Sereia é um velho símbolo da sedução maligna) e as forças harmoniosas, a disposição normal, eterna das estrelas e das "esferas" no universo. Pois é nesse instante em que o mundo está suspenso no canto pérfido da sedução, é nesse instante de fraqueza que "Cupido todo armado" escolhe para enviar ao mundo sua flecha mais ardente, aquela que deve transpassar a "Vestal" (uma homenagem à rainha, de passagem), o coração mais resistente à paixão, o símbolo mesmo da castidade. Errando o alvo, o dardo toca e fere e faz sangrar uma "pequena flor do oeste, antes branca como leite, agora púrpura pela ferida do amor" (ibid. 166-167) [2].
Não se trata apenas de uma metáfora; é a transcrição quase literal de uma imagem esotérica que reencontraremos em O Conto de Inverno e da qual a Cantilena de Michael Maier nos conservou (Cantilenae, 113) o tema integral. É, nos ensina o filósofo alemão, o sangue de Cristo "que, escorrendo do pé de Vênus em seus jardins plantados de roseiras, avermelha as rosas que antes eram brancas", mito da poluição do universo por Vênus-Cupido, pela paixão carnal.
Força cega da qual Helena, no fim da primeira cena, faz uma pintura impressionante: "Coisas feias e vis, inconsistentes, o amor pode lhes emprestar forma e dignidade."
O Amor não vê com os olhos, mas com a mente;e é por isso que Cupido foi pintado cego:e a mente do Amor também não tem o menor juízo;asas e nenhum olho, isso representa uma pressa insensata:e é por isso que se diz que o Amor é uma criança,pois frequentemente erra em sua escolha.Assim como crianças travessas perjuram em seus jogos,assim a criança Amor perjura a toda ocasião. (I, Cena 1, 232-241).
Esses são os traços dessa força perigosa, maligna, que enfeitiça a humanidade.
E é brincando com essa força cega que os Elementais, elfos e fadas, nos arrastam pelos caminhos das ilusões e das dores. Mas se, até aqui, Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) se limita a aplicar a doutrina antierótica de seus contemporâneos, ele lhe acrescenta um corretivo que dará um aspecto totalmente diferente à aventura dos amantes perdidos no bosque mítico.
Desde o início, Demétrio é retratado como o mal-amante, um "homem vicioso e inconstante" que fora noivo da casta Helena, mas cuja "saraivada de juramentos" iria "derreter-se" no "calor" de Hérnia (I, Cena 1, 244-245); ele foi fascinado por ela "como por uma doença" (IV, Cena 1, 174). É o amor injusto, a paixão louca, impura, a paixão de Vênus: a mesma paixão que cega Lisandro após um erro de Puck, que o tornará apaixonado por Helena pelo efeito da flor de Cupido e da qual só se curará pelo efeito do botão de Diana (II, Cena 2, 79-82 e III, Cena 2, 448-452). É a mesma paixão desprezível que Cupido gostaria de acender no coração da Rainha-Vestal, mas que os "raios castos da lua úmida" (II, Cena 1, 162) extinguirão imediatamente; pois, mais uma vez, reencontramos a lua em seu papel de inimiga da paixão desordenada, de símbolo da sabedoria.
E é nesse papel de moderadora — não no papel excessivo de Cintia, destruidora de toda vida — que a Lua domina toda a peça. Isso ressoa desde os primeiros versos, pois Teseu e Hipólita esperam a lua propícia, a nova lunação, para celebrar seu casamento, aprovado pela razão. Em quatro dias, exclama Hipólita, "como um arco de prata recém-tendido no céu, a lua contemplará a noite de nosso casamento" (I, Cena 1, 9-11). E, de fato, como eco exato, como veremos, do início do quinto ato de O Mercador de Veneza, que se abre com as palavras: "A lua brilha" (the moon shines bright), no quinto ato do Sonho, Hipólita observará: "Verdadeiramente, a lua brilha com graça" (the moon shines with a good grace).
Da mesma forma, Lisandro e Hérnia — amor justo — deixarão Atenas "na hora em que Febe" (isto é, ao mesmo tempo Diana e a Lua, designação evidentemente escolhida de propósito pelo poeta) "contempla seu rosto de prata no espelho d’água (watery glass), cobrindo de pérolas líquidas a verdura", eco exato dos "raios castos da lua úmida" (watery moon) que apagam o dardo destinado à "Vestal".
Finalmente, é sob os raios da lua que se operarão os milagres que restituirão Demétrio a Helena e Lisandro a Hérnia.
Assim, a intenção do poeta está bem marcada: o amor justo, o amor casto que, para além das paixões ardentes, prepara para o casamento, coloca-se sob o signo da fria lua. Pois, como nos ensinará Próspero em A Tempestade, o amor só é justo, duradouro, conforme às harmonias universais se renunciou às ardências da carne, se é abstemious (temperante).
Essa será a filosofia moderada, conforme à verdadeira tradição esotérica, que Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) ensinará em toda sua obra e que iniciou, como vimos, em Trabalhos de Amor Perdidos: o amor purificado de toda paixão, o amor-contrição salva e se coloca necessariamente na perspectiva da harmonia universal, partindo não do desordem das paixões, mas dos impulsos generosos, desinteressados, harmoniosos no sentido platônico; esse amor restitui o homem na harmonia cósmica. A ruptura do equilíbrio das esferas tentada pela aliança da Sereia e de Cupido é anulada. O homem purificado na obra da carne encontra no amor o caminho da salvação. Esse é o corretivo que Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) acrescenta à doutrina esotérica de seus contemporâneos. E era compreender melhor Platão e Pitágoras do que o fizeram os helenistas mais eminentes da Mermaid Tavern.

Ver online : ARNOLD, Paul. Ésotérisme de Shakespeare. Paris : Mercure de France, 1955
[1] "Não sei por qual poder — mas certamente por algum poder — meu amor por Hérnia derreteu como neve" (IV, Cena 1)
[2] Reencontraremos esse simbolismo das cores em muitas outras obras shakespearianas.