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Jan Patocka. L’écrivain et son "objet"

Patocka – o épico e o dramático

quinta-feira 3 de julho de 2025

Talvez não seja sem interesse para os especialistas do teatro, cuja atenção se volta, muito compreensivelmente, para os imperativos do presente, para a atualidade com seu turbilhão multifacetado e sua imensa multidão de aspirações que não se pode abarcar com o olhar, se um não-especialista, aproveitando o distanciamento que sua posição lhe oferece, tenta uma reflexão mais fundamental, considerando o tempo presente como uma simples fase sem autonomia do emaranhado das eras. Antigamente, um pensador espiritual, mas em quem nem sempre se pode confiar sem perigo, opôs a epopeia ao drama, dizendo que aquela é para este o que o mundo é para a alma. Essa oposição situa-se no terreno da estética moderna: Hegel é o primeiro a elaborar, da maneira profunda que lhe é própria, a ideia do épos como representação do mundo ético de um povo da era heroica. É uma oposição profunda se se compreende o "mundo" no sentido que Hegel precisamente deu a esse conceito, como objetividade espiritual, ética. (É desnecessário dizer que o que nos interessa aqui não é uma reflexão filológico-histórica sobre Hegel. Muito pelo contrário, propomo-nos a filosofar, com o auxílio de Hegel, na situação e com os problemas de nosso tempo.)

Já em sua linhagem mesopotâmica, no desenvolvimento dos temas relativos a Gilgamesh, o épos visa cada vez mais uma glorificação dos valores do lado ensolarado do mundo, do dia e da vida, uma glorificação de sua ordem ricamente articulada, em oposição às forças da noite, do caos e da morte. Nos cantos homéricos, ele atinge um estado de "objetividade" tal que esses valores aparecem como potências reais; a realidade humana e a realidade divina se compenetram a ponto de se mostrarem inseparáveis uma da outra. A objetividade, o caráter universalmente vinculante, é portanto próprio não apenas das coisas, mas também dos valores e dos fins. Os valores e os fins são eles também "coisas", algo estável, dado de antemão, que o homem deve reconhecer, diante do qual lhe é preciso inclinar-se para se integrar no complexo de relações que elas compõem. É o contexto do grande dia, um contexto dado e, nesse sentido, "natural", e no entanto ninguém se ilude com essa objetividade, ninguém a confunde com a "coisa mesma": ela é um mito, a obra do mito. O mundo é governado por potências míticas, por uma pluralidade de divindades eternas e imortais que asseguram o andamento de seu jogo contínuo, de sua harmonia antagônica [1]. O humano também só é dotado de significado e valor na medida em que repousa sobre ele um reflexo do divino.

Nesse mundo, a angústia do ser mortal é dissipada pela graça que dá ao homem banhar-se nos raios solares da vida divinamente clara, imortal. O mundo divino dos habitantes do Olimpo lhe dá a possibilidade de viver ao mesmo tempo fora de si e, precisamente nessa excentricidade, junto de si mesmo, como convém ao mortal. Enquanto o épos mesopotâmico, ainda penetrado pela angústia indomada da mortalidade, se esgota numa vã busca da vida eterna, o herói homérico assume firmemente a condição humana que é a finitude, iluminada pela presença do dia divino.

Claro, o fundo mítico também recolhe os valores das classes dirigentes, das diversas tribos e localidades. Não deixa de ser verdade que o mito é mais, não apenas em virtude da pretensão, única em seu tempo, que ele eleva à validade universal, mas porque consegue impor efetivamente uma concepção do mundo e marcar sua aceitação com o selo do poder de convicção de uma evidência absoluta.

É no solo assim fornecido pelo épos que ocorre o grande retorno das forças infernais da noite e da morte que representa a criação culminante da poesia grega: o drama, sobretudo a tragédia. Apesar de tudo o que se pode criticar na figura de Bäumler [2] e em sua teoria do nascimento do drama ático, há motivo para subscrever sua ideia fundamental sobre a origem da tragédia. Dioniso, a divindade que conduz esse retorno das forças obscuras, tem dois aspectos: de um lado a embriaguez, o entusiasmo extático, de outro, os infernos e a morte. E de fato seria um erro querer descobrir a origem do drama, sobretudo da tragédia, como faz a maioria dos pesquisadores, no êxtase bacântico. Ela estaria antes no rito que faz parte do culto dos heróis mortos. O coro não é outra coisa senão uma assembleia, um corpo eleito de cidadãos que invocam um herói poderoso, oculto às vistas nas trevas da noite terrestre, um herói que tem na mão a sorte e o infortúnio de todos os membros vivos da comunidade. A invocação se intensifica por graus para se tornar evocação, sortilégio que faz aparecer o herói numa forma corpórea. Ora, o coro que está sob a impressão avassaladora dessa presença invisível, misteriosa e por assim dizer maléfica, faz subitamente de seu exarca o herói, deixa o herói se encarnar nesse representante e assim se liberta dos sentimentos de temor e compaixão apiedada com os quais se aproximou da tumba e pelos quais se manifestou a pressão do invisível, da noite e da morte. É portanto aí que se encontra a origem da ação trágica, a origem do drama e também seu resultado principal: a catarse, a purgação, a libertação. Essa ação sagrada não pode ser simplesmente narrada e descrita, comunicada indiretamente como algo que já teria ocorrido. Ela deve ser diretamente realizada. Não é um mundo que já possui, desde sempre, um sentido que basta apreender, encerrar em imagens e palavras, mas um sentido que pede para ser realizado, cumprido, criado, que nos pede para tomar uma decisão que resolva o irresoluto. É nisso que reside o princípio dramático, o que constitui o fundamento e o eixo do drama enquanto tal, sobretudo da tragédia.

Se olhamos o drama como um espetáculo, como a apresentação de algo que já ocorreu e que simplesmente encenamos numa forma viva para assistir como espectadores, já o vemos sempre do ponto de vista do épico, na perspectiva da representação, óptica que concede uma significação determinante à ação — ao conteúdo, à articulação, à unidade, ou mais simplesmente à objetividade da sequência de fatos e atos que constituem o assunto. O enredo, a ação como estrutura significativa determinada que repousa sobre a ação humana e marca diferentes desejos e realizações humanos com o selo de um sentido coerente, só é possível, enquanto algo unívoco, objetivo, num mundo objetivo, num mundo de valores, fins, leis e normas comuns. O drama antigo se mantém, mesmo em seu núcleo ritual, principial e primordialmente dramático, no terreno da objetividade mítica; ele se relaciona portanto com o épos. E é do ponto de vista dessa conexão fundamental da epopeia e do drama, mas também do ponto de vista do que constitui o fundamento dos dois, a saber, a dupla fonte de significação, a dupla relação doadora de sentido do épico e do dramático, que o grande sistemático e teórico da epopeia e da tragédia que é Aristóteles reflete sobre os dois gêneros. A significação inicialmente cultual do drama lhe é agora estranha e pouco clara. Ele compreende a poesia em seu conjunto na óptica fundamental da apresentação, da figuração, da descrição, da reprodução de uma configuração significativa previamente dada: na óptica da μίμησις.

É evidente que a μίμησις não é, em Aristóteles, a simples representação no sentido da reprodução de algo contingente, dado presentemente aos sentidos ou presente outrora de modo sensível. A μίμησις não representa apenas o dado empírico, mas também o que deve ser, pode ser [3]. Seu sentido não é apenas e em primeiro lugar a "representação" compreendida como habilidade de reproduzir, com o prazer funcional que ela proporciona. Ao contrário, é um sentido prático e, em primeiro lugar, ético. No entanto, trata-se sempre de um sentido constituído de antemão, que agora apenas nos apropriamos, nos apresentamos, retraçamos em nosso espírito. Ora, isso é um procedimento essencialmente épico, e tudo cuja natureza se presta a uma elaboração que faça uso desse procedimento tem o caráter do épico.

Parece que a desproporção que se constata, na exposição da poética aristotélica, entre o lugar concedido ao drama, sobretudo à tragédia, e o reservado ao gênero épico pode ser melhor explicada pelo fato de o pensador ver o drama como o principal enigma da poesia, enquanto a epopeia e o épico são para ele o terreno no qual ela se move de modo evidente. Homero é aos seus olhos o poeta por excelência; ele se destaca não apenas pelo valor literário, mas também pelo caráter "dramático" de suas μιμήσεις, de suas "representações"; a Ilíada e a Odisseia servem de ponto de partida para a tragédia, como o Margites para a comédia [4]. A tragédia e a epopeia têm em comum o fato de ambas apresentarem, em versos de estilo elevado, a ação de homens sérios e nobres. A tragédia pode até servir de modelo para a ação épica, que deve possuir a mesma unidade. Claro, o gênero épico oferece à descrição mais liberdade e mais amplitude, com a possibilidade de se desviar, quando necessário, da ordem de consecução real, de emaranhar os novelos temporais, mas a unidade orgânica da ação é igualmente essencial tanto para a epopeia quanto para a tragédia. Nesse aspecto, Homero é por sua vez proposto como exemplo ao poeta trágico. Constatamos portanto, entre o drama e o épos, muitos pontos de contato, até mesmo uma concorrência tão estreita que pareceria quase que um não é possível sem o outro... tanto mais que Aristóteles, que já não compreende o drama enquanto rito, enquanto algo necessariamente encenado e representado, pensa que mesmo o drama simplesmente lido, como o épos, produzirá seu efeito essencial [5].

Dito isso, o dramático enquanto tal se dissolve por assim dizer na ação, na dimensão "dramática" que o épos também pode e deve possuir. O que é então o fundo próprio do drama, o que não pode estar presente na epopeia? Aristóteles sabe — por uma tradição que não podia ignorar — que é a catarse, e que a catarse está ligada ao mundo da morte e da noite, do espanto, da piedade e da compaixão [6]. No entanto, Aristóteles não encontra em si mesmo nenhum órgão sensível à significação religiosa desse domínio. Não que já não tenha de modo algum o sentido do divino, daquilo que, na vida grega, dá sentido tanto ao mundo quanto ao homem. Mas à semelhança de seu mestre, Platão, ele explica o divino no mundo de modo filosófico, não apenas como imortal, mas como eterno, supratemporal, inteligível. E a participação humana no divino se torna para ele a participação do olhar, da intelecção: a teoria que apreende o essencial. Aristóteles é assim levado a apresentar uma interpretação filosófica da função divina, sagrada, do dramático e do drama. A incompreensão da tradição, somada à aspiração de descobrir o que constitui seu núcleo, gera aqui uma formação de pensamento nova, uma criação notabilíssima: uma reflexão sobre o fundo universal do trágico como essência do dramático, princípio e ápice de toda poesia.


Ver online : PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992


[1Cf. Heráclito, fragmento 51. (N.d.T.)

[2Alfred Bäumler (1887-1968), filósofo alemão próximo do nacional-socialismo, professor em Dresden, depois diretor do Instituto de pedagogia política na Universidade de Berlim (1933-1945). Ver seu posfácio a F. Nietzsche, Die Geburt der Tragödie, Stuttgart, Kröner, 1955, p. 377 e seg. (N.d.T.)

[3Poética, 51a 36-38. (N.d.T.)

[4Ibid., 48b 34 - 49a 2. (N.d.T.)

[5Ibid., 53b 1-7. (N.d.T.)

[6Ibid, 49b 28. (N.d.T.)