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Jan Patocka. L’écrivain et son "objet"
Patocka – compenetração do dramático e do épico
quinta-feira 3 de julho de 2025
É portanto a essa época [Antiguidade grega] que remonta o apoio recíproco, a compenetração teórica e prática do dramático e do épico, do drama e do épos. Apoio e compenetração para os quais a objetividade épica é o próprio solo da formação poética do destino humano, sem o qual a criação dramática tampouco poderia, de maneira verdadeiramente artística, captar, conhecer e explorar a fonte autônoma de sentido que lhe é própria. O vínculo estreito dos dois vai tão longe que, no fim mesmo dessa tradição, Hegel poderá opor um ao outro o épos e o drama, sobretudo a tragédia, apresentando aquele como uma representação do mundo ético da era heroica em estado de equilíbrio, este como uma representação desse mesmo mundo engajado num movimento internamente antagônico. O épos descreve o mundo ético heroico no funcionamento harmonioso no interior do qual suas forças fundamentais, a lei do dia e a da noite, a lei do Estado e a da família, a lei do homem e a da mulher, a lei da vida e a da morte, as leis do universal e do individual, se apoiam e se complementam umas às outras. Na tragédia, vê-se eclodir sua contradição interna, seu conflito; a exigência de eternidade e a exigência de utilidade para a vida e o Estado se opõem uma à outra, efetuando um movimento recíproco necessário que culmina no abalo da existência do mundo ético antigo.
A objetividade épica, numa nova versão, permanece o fundamento da representação literária até uma época recente. Claro, a base dessa objetividade não é mais o mito antigo, mas o mundo cristão, um mundo ético igualmente comum, pretendendo à objetividade não apenas sensível mas também moral, à objetividade dos valores, dos bens, das normas, dos fins. É somente onde existe tal objetividade que a ação também pode ter um sentido estável e coerente, lá somente que tanto o épos quanto o drama de enredo épico são possíveis. A poesia e a literatura objetivantes só podem se apresentar onde esse mundo ético reina efetivamente ou, pelo menos, onde ainda se percebem seus ecos. O drama moderno da individualidade demasiado boa ou demasiado má para esse mundo ao mesmo tempo decaído e divino, o drama da individualidade que aspira a transpor todos os limites só é possível sobre esse fundamento. Todo "realismo" (em primeiro lugar e com mais razão, o realismo idealizante) pressupõe um mundo ético objetivo. Auerbach, conduzido por certos temas hegelianos, sustenta com verossimilhança que é o mundo ético cristão que tornou possível o realismo da cotidianidade, do sofrimento e da negação nos baixos-fundos da vida e da sociedade: a objetividade não heroica, banal [1].
No entanto, viu-se nascer também, desde o início da modernidade, a partir dos séculos XVI e XVII, na atmosfera do pensamento moderno, uma objetividade inteiramente diferente — uma objetividade garantida pela ciência, mais particularmente pela ciência matemática da natureza. É uma objetividade que não recebemos da história, mas que construímos metodicamente em nossas ideias, uma objetividade que deve reconhecer todo homem pensante, dotado de razão, enquanto tal. Chega-se a ela pela eliminação de tudo o que não tem esse caráter, de tudo o que não é aceito necessariamente por cada um. A progressão que conduz a essa objetividade científica exclui portanto necessariamente tudo o que representa a pretensa objetividade do mundo ético, dos mundos éticos do mito e da religião. Por consequência, a poesia moderna, tanto dramática quanto épica, sente cada vez mais vivamente a falta de um mundo ético uno e idêntico. Quanto mais nossas ciências objetivas da natureza são eficazes e aprofundadas, mais toda objetividade anterior nos parece subjetiva. Temos um mundo natural uno e um mundo unitário (artificial, construído) das ciências da natureza, mas não um mundo ético. Nosso mundo ético não é um mundo natural, e nosso mundo natural não é um mundo ético. É isso que explica por que a grande literatura épica que ainda produz o século XIX é ou bem a expressão de uma visão cristã residual, ou bem uma literatura da desilusão e de uma (pseudo)objetividade exterior à esfera moral, ou ainda (como em Dostoievski) uma literatura metafísica que transpõe a objetividade do mundo ético, para fora do domínio empírico, nas profundezas puramente espirituais da decisão última diante da catástrofe, do fim e da morte. A literatura deixa assim seu terreno inicialmente épico, deixa o terreno do mundo para se colocar no solo de um sentido inteiramente diferente, que não é dado de antemão, mas que devemos criar nós mesmos ou concorrer para criar por nossa livre decisão.
O período contemporâneo representa a continuação desse processo: uma continuação no sentido de uma tomada de consciência de si. Sobre seu fundamento e em sua sombra, pode-se compreender a dissolução do épos e do drama tradicionais, com suas categorias exigentes da ação objetiva, da forma dramática ou épica, da composição de um todo objetivo, "vivo", dotado de um sentido lógico. Não há mais objetividade fora da subjetividade que se torna a única coisa que pode ser tida sempre por vinculante e acessível a qualquer participante ou leitor. O imperativo que se ligava ao "mundo verdadeiro" se desagrega numa pretensa objetividade, numa perspectiva pessoal. A objetividade ética una e única se dispersa numa pluralidade de perspectivas. Característico dessa situação é o fato de a literatura como tal se propor cada vez menos como tarefa construir uma ação coerente, centrada no conflito interno essencial de personagens unívocos. A própria possibilidade disso se tornou problemática, e é essa problematicidade, essa ambivalência do olhar tradicionalmente épico em seu todo, reduzido ao papel de um simples à parte, que se torna o tema da criação poética. Por outro lado, só esse pano de fundo permite compreender a aspiração atual a uma objetividade nova, que desdenha o "dramático" acessório, possível apenas no terreno da objetividade, para evocar, descrever, representar de modo quase didático a natureza ética e o sentido do mundo no qual vivemos, a aspiração a uma objetividade que não recua diante do doutrinalismo, mas apela abertamente a todas as suas possibilidades e a todos os seus meios, pois a objetividade supostamente capaz de nos falar como verdadeiramente comum e convincente deve se dirigir à faculdade do universal em nós, isto é, à razão. Assim a tarefa da obra poética não é mais representar o mundo numa figura concreta, escolhendo entre as ações, os conflitos, os caracteres que ele torna possíveis, mas bem participar diretamente e de modo combativo do processo da apreensão racional da trama e da legalidade desse mundo.
No entanto, entrevemos também outra possibilidade que é talvez o que há de mais essencial na situação da poesia contemporânea, nessa situação (que não é apenas a da poesia) acentuada pela crise aguda do gênero épico, isto é, do mundo ético objetivo. É uma possibilidade à qual a literatura contemporânea só se aproxima em casos excepcionais, que nunca chegou a realizar plenamente, uma possibilidade que se sente presente por toda parte, mas da qual permanecemos incapazes de traçar os contornos com a fineza desejada. Representá-la pelo pensamento, seria talvez a realização que toda nossa época espera, em busca da qual ela tateia, sem conseguir tematizá-la diretamente. Pode ser, aliás, que uma tematização direta esteja fora de questão, podendo acarretar a supressão da própria coisa de que se trata. Penso na liberação do momento dramático, em sua emancipação da dependência em relação ao épico codificada por Aristóteles e que subsiste desde a tragédia ática do período clássico. A crise da objetividade ética, a crise do mundo ético deixa em última instância intacto aquilo que, na catástrofe do mundo, não sucumbe. No fundo da reflexão de Aristóteles sobre o trágico, há o ἐλεος, a participação na experiência do outro que compartilha conosco o destino da finitude e enfrenta essa prova. Mas esse fato de enfrentar a prova pode também ser compreendido de outro modo que não o de Aristóteles — não apenas como uma atestação de valor no quadro das tradições e normas recebidas da forma de vida heroica, nem como uma confirmação da bondade que existiu desde sempre e existirá sempre como lei do mundo dado, mas como o próprio devir dessa excelência e seu fundamento.
A ação fundamental, que nunca pode ser constatada mas apenas realizada, e que é portanto o drama no sentido mais próprio do termo, é a crise do sentido: ou bem se pode se explicar a si mesmo a partir do que está aí de antemão, a partir do dado e do que pode ser constatado, a partir do mundo, ou melhor, dos conteúdos mundanos, ou bem ao contrário é o mundo que só pode receber algo como um sentido por intermédio do ser humano que se compreende e se assume a si mesmo, por sua conquista, sua aceitação e sua superação de si. O homem, cuja existência é essencialmente ser-no-mundo, não deixa por isso de se dobrar para fora do mundo. Assim como o homem pode e deve desaparecer do mundo, sem que haja meio de apreender e compreender esse desaparecimento com o auxílio de conceitos objetivos, quaisquer que sejam, da mesma forma existe um plano onde tudo o que diz respeito ao conteúdo mundano não lhe diz nada e não é capaz de preenchê-lo, distraí-lo, impedi-lo de dar um passo além. Um passo que não pode ser uma passagem a outro mundo que seria apenas o mau infinito da repetição do mesmo. Um passo que não se coloca num terreno novo onde o movimento teria fim, mas que é um processo essencial a partir do qual jamais mais, por nenhum meio, nenhum caminho leva de volta à objetividade ingênua do pré-dado. Ora, a subjetividade, sobretudo a subjetividade psicológica, constatada, não é outra coisa senão uma espécie particular de objetividade.

Ver online : PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992
[1] Cf. E. Auerbach, Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental, São Paulo, Perspectiva, 2004. (N.d.T.)