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Ésotérisme de Shakespeare

Paul Arnold – Esoterismo de Shakespeare

Avant-propos

sexta-feira 4 de julho de 2025

É um fato pouco conhecido, mas facilmente verificável, que o homem, o pensador dos séculos XVI e XVII, preocupava-se principalmente com doutrinas ocultas relacionadas à salvação espiritual. Paralelamente às doutrinas das Igrejas, romana ou reformada, frequentemente até em conjunção com elas, filósofos e teólogos, matemáticos e alquimistas descreviam em uma linguagem muitas vezes alusiva e impenetrável a jornada suposta da alma humana, originária do empíreo e destinada a retornar a ele, geralmente após várias estadias na terra. De Platão a Plotino, do Pseudo-Dionísio a Victorino, ambos cristãos, esses ensinamentos ocultos, fixados pelos escritos herméticos de Alexandria, passaram aos grandes místicos da Idade Média. Mestre Eckhart, Ruysbroeck, o Admirável, Tauler de Estrasburgo recolheram esse legado em seus escritos inspirados. Ele será reencontrado no início do século XVI no Abade Tritêmio de Spanheim e seus discípulos, Paracelso e Cornélio Agrippa. Menos de um século depois, resumindo e esclarecendo a enorme literatura paracelsiana, um grupo de teólogos alemães lançou, sob o nome agora ilustre de Fraternidade Rosa-Cruz, uma doutrina supostamente imaginada em pleno século XV por um mítico epônimo: Christian Rosencreutz [1] (literalmente Rosa-Cruz). Estamos em 1614, cerca de três anos após A Tempestade, uma das últimas peças de William Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) .

O autêntico movimento Rosa-Cruz, que na realidade durou apenas quatro ou cinco anos, será o último florescimento dos ensinamentos esotéricos que não serão completamente esquecidos por Descartes, Leibniz, Spinoza e depois Swedenborg*. Separado doravante da magia e da alquimia, que caíram em descrédito, pouco a pouco até mesmo afastado da filosofia ensinada publicamente, o ocultismo não será mais a preocupação do homem culto, mas sim, clandestina ou altiva, de pensadores isolados, charlatões ou algumas lojas maçônicas. E não surpreende que, hoje em dia, os intelectuais, com raras exceções, não apenas ignorem completamente essas doutrinas consideradas obscuras, perigosas ou absurdas, mas se recusem a imaginar uma época em que os círculos literários e, em geral, a sociedade culta encontravam nesses ensinamentos ocultos o principal objeto de sua curiosidade e o tema da maioria das grandes obras literárias.

A Inglaterra elisabetana não ficou à margem dessas correntes filosóficas, muito pelo contrário. As páginas que se seguem lembrarão as polêmicas que opuseram, por volta de 1590, cabalistas e céticos: a maioria dos homens de letras mais universalmente célebres — de Sir Philip Sidney a Edmund Spenser, de Greene e Nashe a Chapman e Marlowe, de Thomas Heywood a Lyly e Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) — participou apaixonadamente desses debates, às vezes com risco de vida. Em obras literárias que hoje passam por inexplicáveis — ou, o que é pior, aceitam interpretações —, esses homens, adotando em linhas gerais ou em detalhes o ensino dos mestres da doutrina secreta, ilustraram com parábolas poéticas os mistérios espirituais nos quais acreditavam ou fingiam acreditar. Essas tomadas de posição na Londres de Elizabeth I não foram menos dramáticas que a querela das confissões: Kyd e Marlowe pagaram com a vida.

Até hoje, nas pesquisas dos historiadores e literatos, essas correntes místicas foram quase completamente ignoradas, sendo um erro considerá-las subterrâneas, tão publicamente se manifestavam então. Uma comparação minuciosa das principais obras elisabetanas — de A Rainha das Fadas a Astrophel e Stella, de Fênix e a Rolinha à Hierarquia dos Anjos, dos Hinos a Cynthia e à Noite até Fausto, Cimbelino e A Tempestade — e da enorme literatura ocultista, desde Tritêmio e Paracelso até Andreae e Michael Maier e, na própria Inglaterra, de John Dee e Reginald Scot a Robert Fludd, convencerá a cada instante do que deve ser doravante o fato marcante da literatura elisabetana e jacobina: ela não está apenas impregnada de alusões e empréstimos diretos, patentes, muitas vezes literais ao que se poderia chamar em resumo a ou as tradições esotéricas, seu jargão, seus mitos e parábolas, suas doutrinas: frequentemente tem como objetivo primordial — senão único — exaltar esses ensinamentos, difundi-los sob uma forma poética às vezes muito transparente, às vezes envolta. Creio que não há período na história das letras que, por mais de sessenta anos, tenha repetido com tanta insistência os mesmos temas, com uma notável identidade de pensamento e até de fórmulas.

Ora, em certas obras de William Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) — e justamente naquelas que se julgava conhecer melhor — encontram-se muitos empréstimos bastante evidentes. Os textos passíveis de imaginação ou os retoques feitos propositalmente pelo poeta em suas fontes literárias são frequentemente, à luz de paralelos precisos, um esforço deliberado, evidente, para transformar uma anedota charmosa mas anódina ou trágico-cômica na expressão figurada de doutrinas que outros exprimiam mais claramente. Não se trata aqui de hipóteses mais ou menos engenhosas, acrescentando mais uma interpretação a todas as já propostas. Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616)  [2] — qualquer que fosse sua personalidade — não viveu fora do tempo; não pôde ignorar o que se dizia abertamente nos círculos literários e nos meios aristocráticos de Londres. Assim, as coincidências precisas de textos dificilmente podem passar por acaso, quando ocorrem com tanta frequência.

Não hesito em afirmar que essa nova luz sobre a literatura elisabetana e especialmente sobre certas obras de Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) dará a esse segmento do pensamento humano e da obra poética inglesa um sentido singularmente mais próximo da Idade Média e de sua atmosfera mística do que da literatura contemporânea, para a qual os comentaristas atuais tentam atrair Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) e seus amigos. Creio que suas obras sairão engrandecidas [3].

Preciso que todas as citações de textos ingleses e alemães são traduções palavra por palavra, sem a menor preocupação de elegância, para que o leitor tenha diante dos olhos o equivalente exato do original.


Ver online : ARNOLD, Paul. Ésotérisme de Shakespeare. Paris : Mercure de France, 1955


[1Tais são as conclusões de um estudo aprofundado da história dos Rosa-Cruz que publico simultaneamente. Esse estudo demonstra, por outro lado, que o cabalismo não era, na época, privilégio de fraternidades clandestinas, as quais só se constituirão, no mais cedo, no final do século XVII.

[2Este livro não levanta a questão da identidade de Shakespeare. Nada em seus desenvolvimentos se baseia em um fato da vida privada do poeta: a obra basta para testemunhar suas convicções filosóficas e religiosas. Estas páginas subsistiriam mesmo se fosse demonstrado (e duvido que se consiga) que o ator William Shakespeare de Stratford não se identifica com o autor dramático. Dito isto, convém salientar que frequentemente se terá ocasião, nas páginas que se seguem, de discutir tal ou qual afirmação de detalhe avançada em várias teses sobre possíveis identificações. Ver-se-á quão frágeis são esses argumentos nos quais os publicistas considerados pretendem fundar sua hipótese.

[3Prolegômenos, de certa forma, ao presente livro, minha História dos Rosa-Cruz e da Origem da Franco-Maçonaria propõe o primeiro estudo imparcial e completo do movimento filosófico e espiritualista dessa época curiosa, o de suas fontes medievais e antigas puramente místicas e de suas repercussões no mundo das letras.