Página inicial > Artes Cênicas > Patocka – Digressão sobre a tragédia ática
Jan Patocka. L’écrivain et son "objet"
Patocka – Digressão sobre a tragédia ática
quarta-feira 2 de julho de 2025
A tragédia ática expressa de maneira nova uma intuição homérica muito antiga: por mais forte, por mais semelhante aos deuses que seja, não é permitido ao homem transgredir a lei suprema, sob pena de cair fora de seu papel em uma queda tanto mais cruel quanto mais alto seu destino o tiver elevado. A consciência desse interdito é agora abordada sob um ângulo diferente, em uma nova luz dada pela relação com a sociedade, com a comunidade, com a coletividade humana em geral. É aí, nessa nova relação do divino e do humano no meio da comunidade e da cultura, que se deve buscar a contribuição mais característica da tragédia ática para a problemática da vida. Enquanto o herói homérico vive dentro do alcance, por assim dizer imediato, de uma força divina que o dirige, sem que precise levar em conta nenhuma outra potência superior, o drama ático comporta três elementos, quase sempre presentes simultaneamente: o herói como indivíduo, a cidade, a coletividade ou mesmo a humanidade inteira, e finalmente o mundo divino. Não se trata mais, para o indivíduo, de encontrar por si mesmo uma relação autêntica com o divino, mas de se relacionar com o divino dentro e através de uma relação com a comunidade. A relação justa com a comunidade, com a coletividade, com a cidade, implicará igualmente uma relação autêntica com a divindade.
Essa perspectiva acarreta uma concretização das questões éticas, dotadas de um caráter imperioso que os conflitos puramente individuais não possuem: a experiência da fatalidade histórica, da tentação histórica (e, portanto, coletiva), da falha, da culpa e do castigo constitui o horizonte novo, sem precedentes até então, no qual se delineiam também, a partir de agora, os antagonismos concebidos tradicionalmente como eventos ou emaranhados de eventos míticos. Essa realidade histórica viva contribui em particular para a generalização de um saber que, na Grécia arcaica, permanecia privilégio dos maiores, ou talvez até o privilégio exclusivo do maior de todos, Aquiles: a consciência do dever que o homem tem de se decidir e de assumir tudo o que lhe cabe em virtude dessa decisão, a consciência da impossibilidade de escapar à necessidade da escolha. Esse é um saber que não pode ser adquirido por pesquisas ou deliberações racionais, que não é dado pela história enquanto historiografia, mas que reside na aceitação do peso e da dor da própria vida, mesmo no que ela tem de mais penoso, na inelutabilidade que em nenhum lugar se manifesta de forma tão marcante quanto nos eventos fatais da história, nas reviravoltas, ao mesmo tempo enigmáticas e dotadas de sentido, da situação histórica.
Por mais paradoxal que possa parecer, apesar da ênfase na necessidade fatal, na predeterminação dos atos e gestos humanos, ditados pelas forças divinas, a tragédia é, no entanto, implicitamente, tragédia da liberdade; é nas profundezas e nos meandros da liberdade que ela extrai todo o seu pathos. A tragédia só é possível porque a liberdade se mostra onde termina a existência empírica, terrestre, demasiado humana, do homem. O homem trágico não tem mais a certeza tranquilizadora que o homem homérico obtém ao se colocar diretamente nas mãos das míticas potências divinas. Ele não se lança mais na vida com um espírito claro e ingênuo, imprevidente, pronto a enfrentar e assumir tudo sem hesitar. A ação da tragédia, a vida trágica se desenrola inteiramente em uma atmosfera de sofrimento: mesmo quando o herói ainda está longe de senti-lo concretamente, já se encontra na esfera e à sombra do sofrimento. Mas ainda mais fundamental é o fato de que o herói trágico não pode encontrar a lei de seu ser, de uma vez por todas, simplesmente graças a uma regra de vida racional; ele nunca pode apreender o limite essencial de sua vida em um conhecimento transparente e unívoco; só pode alcançá-lo pelo caminho do sofrimento. Por isso, a tragédia necessariamente comporta uma dose de irracionalidade, aspecto que, do nosso ponto de vista moderno, às vezes tenderíamos a qualificar de supersticioso, mas que significa que se impõem, ao princípio humano, limites absolutamente essenciais.
A que se deve a sombra que obscurece a vida do homem trágico, em oposição à claridade do céu homérico, se não apenas os problemas com os quais ele se confronta, mas também as soluções permanecem, no fundo, idênticos? A causa está na necessidade mais premente de unidade no conjunto da vida, na demanda por um sentido global, capaz de cimentar todas as diversas exigências às quais ele deve responder e no meio das quais se encontra, perplexo. O homem trágico é membro da comunidade sagrada da cidade, membro também da comunidade sagrada da família, elo da cadeia misteriosa da raça; tem o dever de agir segundo a justiça e o dever de perdoar, o dever ao mesmo tempo de se afirmar e de se superar, e os deuses governam tanto a recusa quanto a realização de cada uma dessas possibilidades. Além disso, seu menor ato já se insere em um contexto: sem ter pessoalmente cometido falta, o homem já é culpado, sofre as consequências de pertencer a uma família e a uma comunidade, é sempre mais do que um "eu" isolado, mas justamente no que assim o ultrapassa, ele esbarra em um limite que não pode ser determinado de antemão. O herói é uma questão viva, que procede do mais profundo da perplexidade humana diante das potências das quais a vida depende e que só podem dar-lhe sentido. Porque vive assim dentro de uma questão, a vida tem nele uma dimensão nova, um fechamento novo. É preciso manter esse fato presente no espírito: a questão da vida, a questão do sentido da vida, já está posta na tragédia. O homem trágico oferece um primeiro modelo, ainda não explícito, do questionamento socrático sobre o sentido da vida.
Abordemos, nessa perspectiva, a problemática da tragédia de Ésquilo e de Sófocles. É Ésquilo quem, com uma profundidade inigualada, coloca a questão do reinado da lei divina no mundo, reinado que não pode deixar de conter, no fim das contas, um contrapeso capaz de compensar todas as dores e sofrimentos que invariavelmente acompanham a vida. O deus é assim justificado pela versatilidade e pela culpa do homem. O homem é culpado na medida em que sucumbe à tentação, se deixa seduzir pelo atrativo da felicidade, do poder, da desmedida que não conhece seu próprio limite. A tentação como tal é uma potência infinita, da qual o homem é sempre enganado e contra a qual o poeta nos adverte representando-a sob suas formas mais diversas: em Os Persas, como cegueira daquele que se crê erroneamente todo-poderoso; em Polinices de Sete contra Tebas, como consequência de uma impiedade ancestral, depravação da vontade de poder que julga todos os meios válidos; em Agamêmnon, como loucura da ambição que o leva a imolar a própria filha; em Prometeu (obra provavelmente apócrifa, mas cuja problemática é ainda assim esquiliana), como demonismo do gênio irresponsável e imperfeito. Uma potência incomensurável, da qual o homem não escapa, que transmite continuamente, de geração em geração, à qual dá sempre novas formas, enquanto não se eleva acima dela aprendendo a discernir sua ação legal na vida, seu eterno movimento cíclico.
Sob esse ponto de vista, a obra mais profunda de Ésquilo é a Oresteia, onde um ciclo completo da culpa que gera sempre nova culpa, sofrimento e vingança, incapaz de terminar senão com a vida, é levado a seu término e depois superado. Em Agamêmnon, a maldição da casa de Atreu se cumpre sobre seu representante mais poderoso e ilustre; no exato momento de seu retorno triunfal, quando sobe aos seus aposentos reais sobre tapetes de púrpura, a morte mais miserável o espera pelas mãos de um traidor auxiliado por sua própria esposa. Em Coéforas, seu filho retorna, impulsionado por um comando divino, para vingar a morte do pai no sangue da mãe; vingar o pai é uma obrigação imposta pela potência divina; honrar a mãe é também um mandamento divino, mandamento das temíveis divindades ctônicas que reinam sobre a fertilidade e a posteridade; cumprir um desses mandamentos é violar o outro. Orestes é assim entregue às divindades infernais assim que realiza o que Apolo exige dele. A questão do sentido se encontra então, perplexa, diante de um conflito entre os próprios deuses, que o mito até então resolvia de duas maneiras diferentes: ou Apolo triunfava sobre as Erínias e salvava Orestes por meio de ritos de purificação, ou Orestes se apresentava diante do Areópago de Atenas, que o liberava de sua falta. Ésquilo, como se sabe, reúne as duas versões em uma síntese grandiosa. As duas partes divinas buscam um tribunal diante do qual apresentar sua causa; concordam em aceitar o julgamento de Atena, mas esta recusa e impõe em seu lugar um tribunal humano, o Areópago, ao qual se junta como juíza em igualdade com os outros. Os votos se dividem — o homem como tal não pode decidir entre os deuses —, mas Atena, que é a última a se pronunciar, vota por Orestes, pela liberação, e assim resolve o conflito antes de apaziguar as Erínias, vingadoras de Clitemnestra, introduzindo seu culto na Ática e conduzindo ela mesma a primeira procissão em sua honra.
Esse desfecho, que confia diretamente a uma instituição humana, estatal, a função de decidir entre os deuses — ainda que com a assistência de Atena —, foi interpretado, com razão, como uma apoteose da justiça, do poder arbitral que pertence ao Estado. Não que o Estado seja divinizado. Ele permanece um tribunal humano que só resolve os conflitos últimos, que opõem os deuses uns aos outros, pela vontade dos próprios deuses, com seu consentimento e auxílio... Mas é elevado acima de todos os problemas de ordem individual, familiar ou íntima, relativos às raízes vitais da existência. O Estado é aqui glorificado como o que há de mais elevado no plano humano, o que em última instância decide o sentido da vida, o que é chamado, pela vontade dos deuses, a essa função por assim dizer "metafísica".
Repitamos mais uma vez que a πόλις como tal (o Estado-cidade) não é de forma alguma divinizada. Apenas se confia a ela um sentido metafísico que não lhe é permitido trair. Trata-se de uma sensibilidade diametralmente oposta aos diversos avatares do realismo político que ratificam os aspectos "humanos, demasiado humanos" da vida estatal. Uma ótica que se limita a admitir a possibilidade de que as questões do sentido último sejam resolvidas, com o consentimento e pela vontade dos próprios deuses, na vida de um Estado bem constituído.
A Antígona de Sófocles submete de certa forma essa solução a prova, levando-a ao absurdo. Sófocles também acredita firmemente que, abandonado à sua sorte e a seus próprios meios, mesmo o homem mais grandioso e mais divino só pode correr para a perdição. Ele encontra uma expressão disso no personagem homérico de Ajax, filho de Telamon, que quer triunfar por si mesmo, sem a ajuda dos deuses, e que esse orgulho frenético aniquila primeiro moralmente, depois fisicamente. Mas em Antígona, é o próprio Estado, a comunidade com seus interesses concebidos de maneira puramente realista, que se revela incapaz de resistir à prova e, entrando em conflito com as potências superiores, conhece o mesmo fim. Antígona é a prova de que, mesmo como representante da comunidade, o homem não pode se elevar acima de seu destino trágico.
Já se assinalou, em Sete contra Tebas de Ésquilo (versos 568, 569, 580-586, 591, 598-602, 615 e sobretudo 610), a presença explícita tanto da σοφία quanto das quatro virtudes socráticas que são a σωφροσύνη, a δικαιοσύνη, a εὐσέβεια e a ἀνδρεία. O mesmo intérprete mostrou também que o personagem do adivinho Anfiarao é um dos modelos míticos aos quais pensam Platão e seu leitor quando o Sócrates da Apologia é apresentado como representante da φρόνησις apolínias. Segundo Wolff, o mesmo se pode dizer do personagem de Tirésias na Antígona de Sófocles.
Essa longa digressão sobre a tragédia não nos afastou de nosso tema. Vimos que o homem, na tragédia, é um ser problemático. A tragédia coloca a questão do sentido último, da destinação derradeira do homem. Ela se coloca sob o signo da inscrição délfica — γνῶθι σεαυτόν — que posteriormente preocupará também Sócrates. Essas palavras exprimem o sentido da existência humana: conhece-te a ti mesmo, conhece-te enquanto homem, conhece-te pelo sofrimento, reconhece teu limite, assume e carrega tua culpa e conduze-a até a purificação. O sofrimento purificador é um sinal da presença divina: ele espiritualiza. A tragédia é o drama da alma, independentemente dos eventos exteriores. Não da alma no sentido objetivo da psicologia, mas da alma como aquilo que responde por nós, que coloca a questão última e angustiante do sentido, que tende para o sentido através do sofrimento. Esse sentido último é dado na tragédia por uma relação com a divindade. A ordem divina é o que limita, o que constitui a fronteira do homem. Não são essas as mesmas questões com as quais Sócrates e Platão se defrontarão? A alma como lugar da questão do sentido, lugar onde se coloca a questão do bem no sentido próprio do termo; o cuidado da alma enquanto essa própria questão; o não-saber enquanto a perplexidade originária do homem, sua limitação, sua sujeição; o conhecimento de si como o que o reconduz sempre novamente ao plano de sua miséria, de sua finitude e de sua incerteza. É evidente que o conhecimento é para Sócrates algo diferente do que para Ésquilo. Sócrates é mais intelectual, mas nem por isso é apático, nem a-patético. É certo, em todo caso, que a tragédia clássica permite pôr a mão em pelo menos uma parte da problemática socrática — sobretudo se não se perder de vista o fato típico de que ela coloca sua questão em uma relação com a comunidade, com a πόλις e com sua salvação. Para a tragédia, a chave da questão está em uma recordação da divindade e de sua ordem que ilumina a sombra humana. Talvez se possa, portanto, exprimir o sentido da vida trágica tomando emprestadas as palavras de Píndaro:
"Seres efêmeros! O que é cada um de nós, o que não é? O homem é o sonho de uma sombra. Mas quando os deuses dirigem sobre ele um raio, um brilho resplandecente o envolve, e sua existência é doce."

Ver online : PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992
PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992