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Jan Patocka. L’écrivain et son "objet"

Patocka – venda da alma imortal? (Fausto)

Le sens du mythe du pacte avec le diable

quinta-feira 3 de julho de 2025

Os mitos não morrem, como acreditavam os racionalistas e seus seguidores. Seria mais correto dizer que simplesmente se transformam, pois há algo mais além do conteúdo contingente do mundo e do conhecimento que possuímos sobre ele. Há o coração do mundo, elevado acima da contingência e da não-contingência no sentido comum desses termos. O coração do mundo não é apenas algo que pode ser objeto de um saber filosófico, mas algo com o qual nos relacionamos com todo o nosso ser, algo que narramos a nós mesmos, que passamos para a linguagem como para outro mundo, mais amplo, embora também ele parte integrante do mundo único. O mito em seu sentido próprio não é outra coisa. A filosofia e a ciência não suplantam, portanto, os mitos. Ao contrário, os filósofos e os cientistas são frequentemente os artífices de seus avatares sucessivos. Os principais formadores dos mitos são, todavia, os poetas.

Dizemos formadores, e não criadores. A questão de saber quem cria um mito em seu sentido originário permanece um problema tão obscuro quanto tudo o que diz respeito às origens. A lenda de Fausto oferece um bom exemplo. Seus temas vagam durante séculos por caminhos e veredas antes de finalmente cristalizar em torno de uma personagem histórica, notável sem dúvida, mas mal conhecida, absorvendo ao longo dessas peregrinações a seiva dos grandes corações e dos grandes destinos do final da Idade Média, até que um impressor chega para colher o fruto maduro e transmiti-lo à posteridade. Depois, quase imediatamente, poetas, inspirando-se nessa mesma lenda, extraem dela uma intensidade de vida que até então ali dormia em germe. O mito é de fato uma questão através da qual os homens se dirigem aos homens, mas cujas raízes mergulham numa profundidade anterior ao λόγος. Essa questão radical, que não formulamos, mas que nos põe a nós mesmos em questão, reclama o poeta capaz de formulá-la e elaborá-la expressamente.

Qual é a questão que nos agarra na lenda de Fausto, que não cessa de inquietar poetas, pensadores e o público, que nos faz voltar sempre de novo ao tema fáustico? O que é que nos fascina a tal ponto? Nada mais temerário do que propor uma resposta que, necessariamente unilateral, arrisca empobrecer o mito de parte de sua significação viva, disposta em múltiplas camadas. Correremos, todavia, esse risco ao afirmar que a questão central é a da venda da alma imortal.

O que significa a venda em relação a uma não-objetividade como a alma? Para bem compreender do que se trata, será preciso antes esclarecer um pouco o conceito de alma imortal e suas tensões internas. A alma imortal é, desde Platão, o bem supremo do homem europeu. No entanto, só o é se concebermos a imortalidade, não como um estado de fato, aceito na passividade e na inação, mas como o momento diferenciador que leva a existência à sua intensidade mais aguda. Considerada como o que assegura a continuação da existência além de seus limites empíricos, a imortalidade pode de fato servir de apoio a toda espécie de fraqueza e aviltamento; pode significar o enlaçamento servil do espírito à vida. A imortalidade da alma em seu sentido próprio é, ao contrário, a conquista daqueles que preferem o não-ser à perda de sua alma. A imortalidade implica nesse caso a significação e a seriedade supremas da vida presente, pois é no hic et nunc que se decide a questão da eternidade: eternidade seja do μὴ ὄν, seja do εἶναι plenamente autêntico do si. É uma decisão entre essas duas possibilidades fundamentais do homem, que é portanto ela mesma uma possibilidade real e, consequentemente, uma realização inteiramente livre de si que, ao dar prioridade ao não-ser sobre a perda da autenticidade própria, comporta a renúncia ao si empírico. A imortalidade inautêntica é ao contrário ansiedade e preocupação, uma incapacidade de renunciar a si mesmo, a fraqueza daquele que, enredado no plano da vida nua, sucumbe ao princípio material da existência humana. Fraqueza talvez desculpável, mas indigna do espírito que, órgão do olhar no que é, da compreensão do ser e do não-ser, constitui a alma da alma. A imortalidade autêntica se oferece, portanto, àqueles a quem o medo de uma existência absolutamente negativa permitiu superar o medo da morte corporal para alcançar o que pode ser alcançado no cume da vida aqui embaixo: a absolutidade finita dessa vida.

Claro, para o homem do final da Idade Média que é Fausto, a escolha não se coloca da mesma maneira que para Sócrates, posto diante da alternativa ou de conservar sua autenticidade enfrentando a possibilidade do não-ser, ou de se trair em troca de um acréscimo de vida. Para Fausto, faça o que fizer, a vida prossegue além do limiar da morte. Sua alternativa é a seguinte: ou se integrar à tradição que lhe dá a esperança da felicidade eterna, ou incorrer na danação eterna para gozar de uma intensificação efêmera de seu ser. Dito isso, como explicar a escolha que ele faz? Como um espírito elevado pode agir de maneira tão insensata, vender a expectativa da felicidade eterna em troca de um breve interlúdio de onipotência terrestre? Interpretou-se a lenda de Fausto como uma advertência contra os perigos da vita contemplativa. Ao arrancar Fausto do contexto da sociedade dentro da qual a liberdade pode ser realizada tanto no plano humano quanto no espiritual, esse modo de vida o teria induzido ao pecado do orgulho e levado a transpor o limite. Mas essa explicação não torna sua escolha em nada mais compreensível, pois um homem contemplativo sabe forçosamente medir, contar e pesar. A lenda só conserva um sentido mais profundo se supusermos que Fausto não é um pobre ingênuo, mas que ele vê realmente uma vantagem na possibilidade pela qual opta. O que lhe importa não é a dominação sobre a terra. A vantagem que ele crê discernir é antes a intensificação de seu próprio ser, uma superioridade escolhida e realizada por ele mesmo, em oposição a uma eternidade de aceitação passiva. Aqui embaixo, ele pode realizar seu próprio ser, eis uma possibilidade que pertence exclusivamente à vida terrestre; depois, será o joguete de um poder superior. Fausto não se engana em sua escolha como tal, mas nas consequências dessa escolha. É demasiado fraco para a escolha que faz; não consegue elevar seu ser ao grau superior ao qual aspira; não se torna inteligência pura, mas vulgar mago. A lenda de Fausto não é um simples ensinamento moral, mas uma apreensão profunda do labirinto, da tragédia e da angústia da liberdade humana.

A significação moral da ideia da vida após a morte reside no acréscimo de importância que ela confere à ação presente e à consciência da responsabilidade que a ela se refere, pois é no presente que o futuro se decide, no tempo que uma decisão é tomada sobre a eternidade (em Platão, até a próxima escolha de um destino; no cristianismo, uma vez por todas).

Ora, no cristianismo, essa decisão só é o ato plenamente livre do homem se a escolha for negativa, pois a escolha do bem, requerendo o concurso da graça divina, depende de uma condição exterior, independente daquele que escolhe. A liberdade que é própria do homem, que o distingue até mesmo dos anjos, é portanto liberdade para a danação. Poder-se-ia concluir que essa liberdade, não comportando o elemento da escolha, não é mais uma no sentido próprio do termo. Mas o homem escolhe na medida em que se opõe à possibilidade da graça e dela renuncia. Nesse sentido, Fausto realiza a liberdade humana em toda a sua extensão.

O homem está, portanto, até certo ponto, justificado em se revoltar contra o mau infinito da posse durável. A revolta pode corresponder a uma motivação autêntica, por exemplo se ela opuser, a esse mau infinito, o infinito interior da sede de conhecer. O problema é que as possibilidades materiais abertas por esse infinito interior aparecem elas também como não menos atraentes, pois a vontade de uma autêntica transformação interior não significa por isso que se despoje o homem velho. O homem se engana sobre sua própria autenticidade e, aspirando ao ser, só amontoa um ter finito. O infinito interior do saber é, de fato, equívoco, reunindo os dois aspectos do entendimento (Verstand) e da razão (Vernunft).

A venda da alma imortal significa sem dúvida antes de tudo que Fausto percebeu a nulidade da busca ansiosa de segurança nos sulcos do mau infinito e deseja dela se libertar. Encontra um comprador solícito que lhe faz miragem a possibilidade de alcançar o infinito interior da compreensão universal... Simples engodo para melhor enganá-lo, pois em vez de lhe dar uma intuição do mistério do mundo, a outra parte da transação o deixa primeiro se apoderar do saber eficaz, atuante. Deixa-o depois colher seus frutos, satisfazer as necessidades imediatas da vida num movimento descendente que o afasta cada vez mais do sobre-humano e da transformação de sua existência que visava para o aproximar de uma média banal. Triunfa-se do mistério, não lançando sobre ele o olhar, abrindo os olhos ao infinito, mas suprimindo-o. O mistério não existe mais. O homem enriqueceu seus conhecimentos, ampliou ao infinito a esfera de seu poder, mas deixando escapar o olhar no que é, o saber como realização ativa da existência. Certamente, o que recebeu em troca do mau infinito não é nada. No entanto, trata-se apenas de bens relativos, maculados pela mesma problematicidade que caracteriza a existência imediata em seu conjunto, privada do olhar no que é, da compreensão do bem como tal. Fausto aproveita ao máximo tudo o que essa esfera pode lhe oferecer: a conquista do espaço, o triunfo sobre a miséria, o prazer dos olhos e dos sentidos, o poder, a consideração, a glória. Mas os meios extraordinários que emprega mal disfarçam a banalidade dos objetivos alcançados, que todos podem também ser realizados, ainda que mais dificilmente, pela via normal da experiência comum. Começando com o ímpeto heróico (eroico furore) de uma existência nobre e generosa, Fausto se deixa apanhar na ambiguidade do contrato que firmou e perde o que lhe importava na realidade: a alma verdadeiramente imortal, o aprofundamento que transforma a existência humana em espírito. Nada de espantoso, portanto, em vê-lo chegar ao que em Platão simboliza a perda de si: o manto que torna invisível é um novo avatar do anel de Giges, emblema da vida que se extravia numa sensualidade desenfreada. Fausto enganado se torna uma personagem grotesca, feita para o teatro de marionetes. Trágico-cômico, seu destino não deixa de conservar uma profundidade inegável da qual nos damos conta ainda melhor ao ler, na Krisis de Husserl, uma história em tudo semelhante. É a história da ciência moderna. Trata-se, nos dois casos, de um equívoco na questão do ser. Ao confundir o resultado e a intuição ou, para empregar termos mais tradicionais, o entendimento (Verstand) e a razão (Vernunft), o homem perde o sentido de sua ação e de seu próprio ser.


Ver online : PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992