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Jean-Louis Chrétien – "monólogo interior" na trilogia de Beckett

segunda-feira 7 de julho de 2025

O modelo seguinte é para nós da mais alta importância, pois enuncia a possibilidade do monólogo interior como emanando de um eu consistente. Apresenta-se como um programa metódico, fundado em "resoluções" e "decisões". Perdoe-se a longa citação, necessária:

"Supor doravante, nomeadamente, que o que é dito e o que é ouvido tenham a mesma proveniência, evitando duvidar da possibilidade de supor o que quer que seja. Situar essa proveniência em mim, sem especificar onde, sem retoques, tudo sendo preferível à consciência de terceiros e, de forma um pouco mais geral, de um mundo exterior (...). Tomar-me, sem escrúpulos nem rodeios, como aquele que existe, de qualquer forma, não importa qual, sem retoques, aquele de quem esta história, por um instante, gostaria de ser a história. Melhor, emprestar-me um corpo. Melhor ainda, arrogar-me uma mente (mind). Falar de um mundo meu, também chamado interior (sometimes referred to as the inner), sem me estrangular. Não duvidar mais de nada. Não procurar mais nada. Aproveitar a alma, a espessura (substantiality), tudo novinho em folha, para abandonar, do único abandono possível, para dentro. Enfim, em suma, essas decisões tomadas, e outras ainda, continuar tranquilamente como no passado" (I, 172-173).

A parede torna-se espessura e substancialidade, eu sou a voz que fala e que se ouve silenciosamente (cf. I, 203), estou em mim em casa, em um mundo interior e privado que é bem meu, e acedemos ao mesmo tempo ao eu substancial e ao monólogo interior. E um guia de leitura nos é, ao mesmo tempo, proposto (um entre outros, em O Inominável), que transforma o conjunto do relato em monólogo interior. A interioridade, ou mesmo a subjetividade, constitui-se de boca em ouvido. Se eu me escuto, eu sou. Basta uma boca e um ouvido interiores, o que os Padres da Igreja chamavam de boca e ouvido do coração, mas que tinham por função escutar Deus e responder-lhe, e não primeiramente entreter-se consigo mesmo. O "eu" finalmente se tornou um personagem, cujo monólogo interior nos é entregue. "Agora sou eu que tagarelo (now it’s I the orator), os sitiantes se foram, sou o mestre a bordo" (I, 176). Esse mesmo voluntarismo, pelo qual o eu se faz um interior, isto é, um lugar e uma subjetividade definida, retorna mais adiante: "Se eu pudesse me fechar, vou me fechar rapidamente, não serei eu, vou rapidamente fazer um lugar, não será o meu (...), eu o farei meu, eu me porei nele, porei alguém nele, encontrarei alguém nele, porei-me nele, direi que sou eu, talvez ele me guarde" (I, 190), e então: "não terei mais que falar, será fácil, terei coisas a dizer, falarei de mim, da minha vida, vou torná-la boa, saberei quem fala, sobre o quê, saberei onde estou".

É precisamente porque O Inominável estabelece as condições de possibilidade do monólogo interior e as constrói como tais (como no programa, ou no modo de uso, citado acima) que seu status é indecidível. Aquele que se faz a si mesmo personagem, por um decreto de sua vontade, é um personagem? Pois a violação do segredo dos corações, no centro do romance moderno, assim como o leão dos bestiários medievais (imagem do Deus oculto) que apaga com a cauda os vestígios de sua passagem, só pode se realizar e se perpetuar com a condição de ocultar suas próprias condições de possibilidade, sendo a hipótese que fundamenta esse tipo de ficção ela mesma uma ficção – que possuímos a divina cardiognosia. A voz narrativa do romance cardiognósico, como o ventríloquo do Sofista de Platão, carrega em si sua própria refutação; Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) coloca no centro de sua escrita essa autocontradição, ou essa autorrefutação. Esse é um dos sentidos da palavra inglesa bull, e especialmente Irish bull: uma proposição que se contradiz, ou que apresenta uma incoerência que o falante não percebe. Mais uma vez, não se trata de construir um mundo fantástico, nem de fabricar tipos de fala completamente estranhos àqueles que usamos, mas de expor uma possibilidade comum, no caso, do romance.

Mas, assim como o crítico da decadência é por definição ele próprio envolvido nessa decadência (Nietzsche o sublinhava), o crítico da ventriloquia é ele mesmo ventríloquo, e o questionamento do mundo privado do monólogo interior se faz sob a forma do próprio monólogo interior, reduzido à pureza de sua essência. Para serrar o galho em que se está sentado, é preciso estar firmemente sentado. A crítica do romance e de seus personagens por Paul Valéry tem muito menos força que a de Samuel Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) (que de fato o acompanha em muitos pontos), porque não se faz no próprio romance. O monólogo interior atinge em O Inominável sua forma pura, para poder miná-la. A propósito do último monólogo do Ulisses de Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) , o de Molly, D. Cohn notava com razão que ele supera uma das falhas do gênero, a necessidade para o locutor, se age, se desloca, dialoga com outros, de descrever o que faz, o que lhe dizem, etc. Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) , escreve ela, "opõe os movimentos desordenados do espírito de Molly à imobilidade quase total a que ele constrange seu corpo". Esse monólogo é interior também "enquanto se volta para os eventos do mundo interior e a eles se submete"; "a consciência não está em outro lugar senão em si mesma: tem em si mesma seu centro e sua própria origem, num grau de intensidade difícil de superar".

É isso que ocorre em O Inominável, com a diferença decisiva de que todo centro se esquiva. "Não há nada a fazer, nada de especial a fazer, nada de factível a fazer" (I, 163, cf. I, 165), senão contar "histórias" que são e não são histórias, que são "qualquer coisa". Do monólogo dramático, Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) conserva em O Inominável a oralidade, o ritmo e o fraseado. Mas no teatro o monólogo se situava em momentos críticos (como os monólogos interiores um tanto longos nos romances do século XIX, Stendhal à parte). Quem sou eu? o que fazer? o que vou ou posso me tornar? eram suas perguntas privilegiadas. Aqui, como nada começa nem termina, como nada se decide nem pode se decidir, na inversão perpétua das hipóteses, o estado crítico da fala reside no fato de não haver crise, não haver momento crítico em que algo pudesse ser resolvido, mesmo que se sonhe com isso, logo desmentido. Tudo é reversível, refutável, retornável. Sou eu? Sou eu quem fala? Existe algo como eu? Pensa-se na vertigem das últimas hipóteses do Parmênides de Platão, quando se supõe que o Um não é: tudo se dissolve sem fim.

Se, em Malone Morre, havia espaços em branco e interrupções, como quando Malone perdia seu lápis (MM, 88), O Inominável tende a um fluxo, um contínuo que nada interrompe (mesmo que seu ritmo mude), nem mesmo as "ausências" ou os sonos do locutor (I, 136-137). Como a alma cartesiana sempre pensava, o "eu" sempre fala. É mais um aspecto do monólogo puro. O único e irreversível é o movimento da fala. Malone Morre afirmava: "(...) quem esperou o suficiente esperará para sempre, e passado certo prazo nada mais pode acontecer, nem ninguém vir, nem haver outra coisa senão a espera sabendo-se vã" (MM, 126). O Inominável retoma a mesma forma: "Pois quem teve de ouvir ouvirá para sempre, quer saiba que nunca mais ouvirá nada, quer o ignore. Em outras palavras (...), o silêncio uma vez rompido nunca mais será inteiro" (I, 132, cf. I, 139). Pois "essa longa ofensa ao silêncio em que cada um se banha" (I, 148, o inglês tem: this long sin against the silence that enfolds us, esse longo pecado contra o silêncio que nos envolve) só poderia ser expiada por palavras, ou por um silêncio que paira sobre a fala, ao qual apenas a fala nos teria podido conduzir.

O monólogo em sofrimento de O Inominável é ao mesmo tempo aquele que diz o sofrimento, e aquele que está na perpétua espera de seu advento como palavra sua, graças à qual se poderia acabar e calar (o ato de calar-se, de fazer realmente silêncio, pressupõe que seja eu quem fala, de uma palavra que seja meu próprio ato). É também uma interioridade em sofrimento, a impossível preterição do eu, não conseguindo se dizer e incessantemente tentando-o, mas se conseguisse dizer "eu" e dizer apenas "eu", seria o vazio e a ausência – uma crítica subjetiva da subjetividade, uma crítica moderna da modernidade. Mas permanece que a Palavra fala.


Chrétien, Jean-Louis. Conscience et roman I. Paris : Minuit, 2009