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Jan Patocka. L’écrivain et son "objet"

Patocka – o sentido da vida

quinta-feira 3 de julho de 2025

Para o escritor moderno, poeta ou prosador, essa apreensão individual do sentido da vida é determinante. O que valorizamos no escritor-artista é o que ele consegue revelar do sentido da vida mediante a linguagem corrente, formada pelo uso prático cotidiano, orientada para as coisas, recorrendo também a nosso saber objetivo. Utilizar a linguagem para fins que não são seus fins habituais, para objetivos que não pretendia visar; da expressão das coisas que era, transformá-la na expressão da vida tal como brota incessantemente em nós do presente vivo; integrar a linguagem, de maneira criadora e com todos os seus recursos, a esse brotar - eis a tarefa que distingue o escritor-artista de todos os outros gêneros de escrita, do filósofo, do cientista, do erudito, do retórico, do historiador. Isso significa que o escritor-artista não é apenas um homem imaginativo e inventivo que produz composições verbais, relatos, encarnações de conceitos ideais. O escritor é um revelador da vida, do sentido da vida no todo e nas partes. Além da abordagem objetiva, além da psicologia, da sociologia, da historiografia etc., existe ainda uma maneira totalmente diversa de apreender a vida em seu funcionamento concreto, em seus fenômenos concretos.

O que está em jogo nessa apreensão não é o real nem a realidade, mas o essencial. Por isso, seu terreno é a imaginação. O que está em jogo é o essencial, diferentemente da essência. Por isso, seu terreno é a representação do único, e não do universal. O essencial aqui não é definido, mas sugerido e representado, mostrado. Por isso, seu elemento não é a linguagem conceitual unívoca, mas a linguagem corrente com suas metáforas e figuras, sua capacidade de transpor, ampliar e precisar a significação por sua força sugestiva.

A representação literária coloca o leitor num quasi-presente; uma quasi-realidade lhe é mostrada de tal modo que ele a percorre como se fosse real. O que lhe é mostrado não é a realidade própria de sua vida. É uma realidade da qual ele é mero espectador, uma realidade à qual não assiste de fora, mas como se ela se desdobrasse nele. É uma realidade ao mesmo tempo vista e vivida, uma realidade refletida. A reflexão não ocorre aqui sob uma forma verdadeiramente introspectiva, mas sob as espécies da fantasia, de uma variação imaginária, acompanhada de um apelo à experiência própria do essencial. A sugestão da palavra do poeta nos faz realizar uma reflexão imaginária. Vemos a vida se desdobrar numa posição desejada, resolver as questões que uma situação traçada em condições determinadas coloca, condições que podem ser únicas. De fato, nem sempre se trata de coisas que se repetem, mas às vezes de situações excepcionais, alheias a tudo que nos seja habitual... e, no entanto, as relações nos são compreensíveis e, de certo modo, familiares. Quem nunca se disse, ao ler a descrição poética do desfecho de uma intriga psicológica, de uma situação embaraçosa que ele mesmo nunca viveu na realidade de maneira atual: "é isso, deve ter acontecido exatamente assim"? Muito antes da teoria psicológica explícita da psicanálise freudiana ou existencial, os escritores encenaram conflitos interiores e propuseram soluções nada desprovidas de verdade "interior". Tolstói apresenta toda uma fenomenologia do ser-para-a-morte com situações tão extremas que não se pode supor que o leitor as tenha realmente experimentado, e que são, no entanto, "interiormente" verdadeiras.

Tentemos agora, destacando o contraste com outros pontos de vista, determinar o que é o "sentido da vida" de que falamos e que deve ser o conteúdo próprio e o mistério da obra do escritor, aquilo em que ela não pode ser nem suprida nem suplantada por nenhuma outra atividade espiritual, nem pela ciência, nem pela filosofia, nem pela religião. Sem nunca tocar diretamente no assunto, giramos tantas vezes em torno desse fenômeno que esses rodeios permitem quase delimitar com precisão o lugar que ele ocupa no mapa do espírito. Há muito se sente que a obra poética enriquece não apenas nossa sensibilidade e nossa relação subjetiva com as coisas, mas também nosso saber, nosso conhecimento do mundo. Busca-se, pois, caracterizar o modo específico de conhecimento próprio ao poeta. Fala-se, a esse respeito, do "conhecimento intuitivo" do singular, em oposição ao conhecimento abstrato do universal; da "expressão", em oposição ao conceito; de um conhecimento que se efetuaria nas representações e intuições, em oposição aos conceitos e leis. Em todos esses casos, há algo de verdadeiro no que se visa, mas quem não vê a indeterminação dessas definições? Onde está o objeto de todos esses "modos de conhecimento" se o conhecimento permanece sempre o que é normalmente, a saber, uma apreensão do objeto com o qual a atividade espiritual se ocupa? Que sentido tem falar do conhecimento de Hamlet? É certo que há um objeto na atividade poética, Hamlet aí é objeto; resta, porém, saber se ele é objeto do conhecimento poético, literário.

Há cinquenta ou sessenta anos, a estética psicológica falava da "intropatia", no sentido de uma projeção de vivências e estados subjetivos no objeto. Num ensaio notável intitulado "Bilse und ich" [Publicado em 1906 no jornal Münchner Neueste Nachrichten; reimpresso em T. Mann Mann Thomas Mann (1875-1955) , Gesammelte Werke, Oldenburg, 1960, t. X. (N.d.T.)], Thomas Mann Mann Thomas Mann (1875-1955) emprega o termo "espiritualização". O poeta, para ele, não é em primeiro lugar um inventor. Ele se contenta de bom grado com a realidade dada. A invenção tanto dos personagens quanto da trama é acessória, mas o que é totalmente próprio ao poeta, o que faz que haja entre sua obra e a realidade dada um abismo intransponível, é a espiritualidade com que ele dota o que encontra. A espiritualização de Mann Mann Thomas Mann (1875-1955) lembra um pouco a intropatia quando ele diz adiante que o poeta coloca seu próprio eu em suas obras, que é ele mesmo quem aí é apreendido. Penso, todavia, que Thomas Mann Mann Thomas Mann (1875-1955) foi muito além dessa teoria, que ele exprime, pelos meios que lhe são próprios, a ideia do sentido da vida, a ideia da reflexão da vida na imaginação. Outros também se aproximam dessa ideia. Entre nós, é Václav Černý [Václav Černý (1905-1987), crítico e teórico da literatura, professor de literatura geral e comparada na Universidade Charles de Praga de 1945 a 1951 e de 1968 a 1971, fundador e diretor da importante revista literária Kritický měsíčník (1938-1942, 1945-1948), autor de memórias. (N.d.T.)] quando, retomando temas da estética idealista alemã, diz que a arte da palavra completa o sentido subentendido no mundo real. A obra poética teria, portanto, do ponto de vista "cognitivo", o valor de uma hipótese pessoal ou de uma confissão filosófica; seria uma profissão de fé banida de toda parte, que se toleraria apenas nesse domínio. No entanto, a obra poética não quer exprimir e apreender algo que pode ser, mas algo que é, ou mesmo que é antes de tudo o resto.


Ver online : PATOCKA, Jan. L’écrivain, son “ objet”. Paris: Presses Pocket, 1992