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Contes philosophiques du monde entier: cercle des menteurs

Jean-Claude Carrière – Estórias preferidas

quarta-feira 2 de julho de 2025

Por todas essas razões — e algumas outras de puro capricho — nasce a tentação, para um contador de histórias profissional, de um dia compor uma coletânea de suas histórias favoritas.

Mas que histórias, que contos escolher? Como, no oceano, identificar, preferir algumas gotas? Obrigatoriamente, mesmo com pesar às vezes, é preciso selecionar, é preciso eliminar.

Assim, as histórias que reuni e contei à minha maneira (que é uma maneira entre outras, em um dado momento, em um dado lugar) não são histórias míticas. Mesmo que às vezes tragam vestígios da grande preocupação com a origem, da obrigação de ser assim, elas não vêm desse imenso território, tão metodicamente explorado no exato momento em que se apaga, esse território que viu certos homens, por muito tempo, assegurar seus pais e vizinhos, contando-lhes histórias geralmente fabulosas, que não estavam neste mundo por acaso nem por engano, que um elo antigo, sobrenatural, os unia ao seu pedaço de terra e que esse nascimento preciso os constrangia a uma maneira de viver juntos, primeira consciência de humanidade.

Renunciei a esses relatos míticos, ou mitológicos, por falta não de interesse, mas de espaço. São frequentemente bastante longos e marcados por uma obscuridade, a famosa névoa dos primórdios, onde podemos nos perder. A isso se soma o fato de que excelentes coleções, em diferentes países, reúnem e publicam essas relações da origem.

Deixei igualmente de lado, quase totalmente, o imenso emaranhado de relatos maravilhosos, contos de fadas, de gênios, de fantasmas escoceses ou chineses, de espectros graves, de monstros, de bruxas pálidas, de princesas adormecidas, de falsas rãs e de verdadeiros demônios, que povoam este edifício para sempre inacabado onde nossa imaginação busca outro mundo, que prolonga e ameaça o nosso.

Se esses contos têm um sentido, para além da aparência de malefício ou encantamento que nos apresentam, esse sentido é secreto, mesmo para os autores, sem dúvida. É pelo menos o que nos dizem analistas convencidos. Nossos medos reais são clandestinos. Expressam-se como podem, bem perto de nossos sombrios desejos.

Pode-se também — mas prudentemente — a propósito desses contos que chamamos de “fantásticos”, ou seja, originados da fantasia, falar de ingenuidade, de uma necessidade infantil de sonho, de uma brecha na objetividade opressora, de um jogo sutil e contínuo entre o terror e a felicidade. Há muito tempo, os historiadores expressaram a complexidade de seu campo. Reconheceram que uma sequência de eventos não é suficiente para contar um povo. Nossos monstros também nos revelam. A realidade em sentido estrito — o que fizemos, o que aconteceu aqui e ali — é impotente para dar conta do que fomos, se nossos imaginários sucessivos, e necessariamente emaranhados, não vierem a iluminá-la.

Todas essas abordagens são férteis. Nossa infância é constantemente renovada, constantemente embalada e encantada. Mas o rio do fantástico é tão vasto que exigiria uma longa procissão de volumes para apresentar uma seleção adequada. E o outro mundo, a longo prazo, pode se tornar tão fastidioso quanto este.

Eliminei também — exceto em uma dúzia de casos — as histórias breves que me pareciam tender a uma moralidade, a uma recomendação de prudência ordinária, e em primeiro lugar as fábulas, compostas com um objetivo preciso, para tirar uma conclusão, dar um conselho, para expressar uma pequena ideia, de conveniência ou de bom senso. Apesar de seu sucesso planetário — do Panchatantra a La Fontaine — essas fábulas me parecem fechar em vez de abrir. Não gosto delas muitas vezes. Elas me entediam, não me surpreendem. A vida que oferecem é estreita.

A moralidade sempre me parece artificial, discutível e de qualquer forma inútil. A sabedoria das nações é prudentemente contraditória. Encontra-se nela tudo e o contrário de tudo: “Pedra que rola não cria limo” e “As viagens formam a juventude”, ou ainda “A fortuna pertence a quem cedo levanta” e “A fortuna vem dormindo”. Todos os provérbios são luvas. Eles se viram. E mesmo os anti-provérbios, que se deixam apanhar na armadilha que armam. “Verdade aquém dos Pirineus, erro além”. É uma grande verdade que Pascal nos disse ali. Mas para qual lado dos Pirineus?


Ver online : CARRIÈRE, Jean-Claude. Le Cercle des menteurs. Contes philosophiques du monde entier. Paris: Plon 1998