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Contes philosophiques du monde entier: cercle des menteurs

Jean-Claude Carrière – Estórias como fabulações para pensar

quarta-feira 2 de julho de 2025

Pouco a pouco, ao compor este livro, o que me levou mais de vinte e cinco anos, percebi que procurava outro tipo de contos e histórias, presentes em quase toda parte, mas tão difíceis de classificar que eu não sabia como chamá-los. Histórias de sabedoria? Isso é tão sem graça quanto uma entrega de prêmios. Histórias de saber viver? De ensinamento? Histórias divertidas e instrutivas, como se dizia antigamente? Histórias engraçadas? Mas isso parece uma coletânea de piadas. Contos do espaço e do tempo? Daqui e de outro lugar? De ontem e de sempre? Nada me agradava.

Quando voltava aos relatos que realmente amava, via que eles sempre se situavam neste mundo, mas que frequentemente o superavam, o abalavam. Ofereciam um sentido, e até vários sentidos escondidos uns atrás dos outros. Tratava-se de histórias refletidas, elaboradas, feitas para ajudar a viver, eventualmente a morrer, concebidas e contadas em sociedades organizadas e seguras, que se julgavam duradouras, e por assim dizer civilizadas.

Essas histórias — cujo gênio desconhecido que as inventou nunca se sabe — chegam a tempo de semear a dúvida, de reforçar ou abalar as leis, de refinar e perverter nossas relações familiares, sociais, de desviar a política, de provocar constantemente o além, que se abstém de responder. São um suplemento de inesperado, de curiosidade, de inquietação no bem-estar. Tocam graciosamente todos os pontos da interrogação humana, como faíscas em torno de uma mesma fogueira. Merecem bem, parece-me, o nome de “contos filosóficos”.

Muitas vezes essas histórias nos surpreendem, fazem rir, o que é uma técnica para nos colocar em alerta e também para nos desarmar. Aquele que ri aceita mais facilmente o inaceitável e até o insolente, o obscuro.

Frequentemente terminam com uma nota indefinida, que parece recusar-se a concluir, que alarga nosso olhar, que prolonga a situação até as fronteiras do mistério. Frequentemente são belas, é tudo o que se pode dizer delas, mas a beleza é obviamente filosófica, antes de qualquer outra qualidade.

A antiguidade é extremamente variável e a origem geralmente desconhecida, pois são um bem que se rouba de povo para povo. Não hesitei em colocar lado a lado antigas parábolas e histórias chamadas engraçadas de hoje, algumas das quais perturbam com prazer as estruturas comuns do espírito.

Essas vizinhanças parecerão sem dúvida artificiais para aqueles que querem ignorar que o muito antigo nos habita e nos impulsiona ao ato todos os dias. É assim, no entanto. Já viemos de longe. Assim como se observa na astrofísica uma “luz fóssil”, que cintila ao nosso redor desde o nascimento dos mundos, pode-se ouvir aqui e ali, abrindo bem o ouvido, sussurros de antes da história.

Os sonhos de outrora são parentes dos nossos. Se todos, ou quase todos, sonhamos que de tempos em tempos caímos subitamente em nosso sono, isso poderia vir, dizem-nos, daquele tempo muito antigo em que ainda éramos lêmures, ou espécies de macacos, que dormiam à noite nas árvores, temendo a cada instante cair na boca aberta dos predadores. Quem sabe se, nas páginas que virão, não se encontram alguns relatos que já eram contados nos abrigos da pré-história, onde faziam rir ou tremer, há trezentos séculos ou até mais, quando nenhum Estado, nenhuma sociedade à nossa semelhança ainda existia, mas as pinturas rupestres já brilhavam com uma luz muito alta.

Assim, ao mesmo tempo em que reconhecemos a essas histórias uma qualidade social, poderíamos dizer intelectual, somos levados a nos reportar desajeitadamente à nossa origem tão lenta e longa, e tão difícil de desvendar. Em que estágio começa uma civilização? Por quais sinais a reconhecemos? Talvez por este indício preciso: um homem, ou uma mulher, ou um grupo de homens e mulheres, em um dado momento, afastando-se da tradição mítica, da repetição das verdades primeiras, inventa uma situação, personagens, uma ação estruturada, uma moral da história, uma história.

O autor nasceu, mesmo ainda anônimo. É o primeiro mentiroso coletivo (conheceremos milhões de outros). Sua história é uma falsidade, uma fabulação. Mas agradou, será repetida, e entrou sem esforço na existência cotidiana, de onde não será mais arrancada. A mentira, sob uma forma narrativa, torna-se assim aliada de todos, mestre para viver, traço de união, inseparável.

Nem o mito, nem a fábula, nem a epopeia foram suficientes. Ao tomar elementos de uns e outros, outro tipo de histórias surge, que se poderia chamar até de metafísicas, pois elas também nos obrigam a deformar este mundo, a apimentá-lo, a deixá-lo para melhor voltar a ele, como se a única maneira de compreendê-lo e domesticá-lo fosse por um momento olhá-lo de longe, ver nele apenas uma fraca cópia de outra coisa, um modelo perdido, um ideal estragado. No exato momento em que a civilização se afirma, onde ela inscreve sua glória na pedra, algo nos diz, de forma irônica e discreta, que temos em mãos apenas um rascunho, ou um resíduo.


Ver online : CARRIÈRE, Jean-Claude. Le Cercle des menteurs. Contes philosophiques du monde entier. Paris: Plon 1998