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Les contes de Grimm
Faivre (Grimm) – sobre o mito e o conto
Mythe et initiation
terça-feira 8 de julho de 2025
Na edição de 1819-1822 em três volumes, os irmãos Grimm precisaram seu propósito. O prefácio do primeiro volume é seguido por uma introdução cujo trecho intitula-se "Bedeutung als Ueberlieferung" ["Significação [do conto] como tradição"], no qual observam que ninguém conhece os autores desses contos que aparecem por toda parte como tradições (palavra sublinhada no texto). Isso, acrescentam, não deixa de ser notável sob mais de um aspecto. Há séculos esses contes vivem, "modificando-se exteriormente, certamente, de diferentes maneiras, mas mantendo obstinadamente seu conteúdo propriamente dito". Encontram-se semelhantes em diferentes países sem que se possa falar de influência; essas semelhanças sugerem uma "época comum", anterior à separação dos povos, mas se buscamos essa origem "ela se afasta cada vez mais no passado" e permanece insondavelmente, misteriosamente, oculta nesse passado. O conteúdo em si não aparece aos dois irmãos Grimm como produto de um arbítrio da imaginação; reconhecem nele, ao contrário, "um fundamento, uma significação, um núcleo". E sublinham estas palavras: "São ali, conservadas na vida, ideias sobre o divino e o espiritual: aqui tomam forma corpórea uma crença antiga e seu ensinamento, que se encontram imersos no elemento narrativo ligado ao desenvolvimento da história de um povo." A intenção e a consciência não têm parte nisso, tudo resultou da natureza da tradição; o presente busca explicar e precisar o que nesse depósito aparece compreensível pela metade, mas "quanto mais o elemento narrativo [das Epische] predomina, mais o que é importante [cftw Bedeutende] se oculta". Os irmãos Grimm esperam que muitas notas do tomo III convençam o leitor disto:
Convém reconhecer aqui mitos alemães antigos, perdidos, nos quais se acreditou, mas que perduram sob essa forma. Aquele para quem a natureza dos mitos não é estranha sabe que em todos os povos eles foram frequentemente apresentados sob forma de contos, e que muitas vezes, devido ao espírito próprio de certas épocas, não se podia apreendê-los de outra maneira. (Introdução ao primeiro volume da edição de 1819-1822)
Para tomar apenas um exemplo entre outros, dizem os irmãos Grimm, pode-se comparar o mito de Perseu, personagem cujo brilho se manifesta no meio das constelações estreladas elas mesmas, a um dos contos da coletânea. Não especificam qual, mas essa comparação pode aplicar-se a numerosos KHM. Acrescentam que se poderia ver em Perseu "um reflexo de nosso Siegfried" já que ambos são expostos às ondas ao nascer. Perseu como Siegfried entregam-se a perigosas empreitadas, um com a cabeça da Górgona, outro com Hafner. Perseu precisa do capacete invisível de Aides, que corresponde ao capacete de Aegir nórdico e ao capuz que torna invisível. Os efeitos da cabeça da Medusa são comparáveis aos do corpo revestido de chifre. As maçãs de ouro colhidas por Perseu no jardim de Atlas correspondem ao tesouro obtido por Siegfried. Quanto a Andrômeda, retida por um monstro sobre uma rocha, e libertada por Perseu, parece comparável a Chriemhilde liberta do Drachenstein por Siegfried, "tão infinita é a renovação das ideias vivas"...
No trecho seguinte, intitulado "[Traços de crenças pagãs]", os autores notam ainda que o instinto poético obscureceu esses mitos mas que sua significação aparece aqui e ali, "como se o sol do espírito tivesse dispersado seu olhar sobre o espelho colorido, matizado como a cauda de um pavão, da poesia". A verdura narrativa cresceu por toda parte recobrindo ou destruindo o que pertencia às eras mais remotas, mas traços permanecem, ainda reconhecíveis. Um sinal da antiguidade dessas origens parece ser que nos contos toda a natureza é animada. Segundo os antigos povos pagãos o sol, a lua e as estrelas são habitados por uma natureza espiritual; se lhes rogam, podem conceder dons e auxílio. Atribuíam-se aos animais poderes superiores; do mesmo modo o cavalo Fallada fala, os corvos fazem predições como os de Odin. A mistura do humano e do animal, corrente no paganismo, aparece no simbolismo das jovens transformadas em cisnes, lembrando o canto de Wölund e os Nibelungen. A faculdade de tomar formas diversas, a oposição do Bem e do Mal, o preto e o branco, a descida ao mundo subterrâneo, a presença na terra de um tesouro dispensador de benefícios materiais e espirituais, assim como a árvore ou a água da vida, tudo isso se encontra na mitologia germânica. Os irmãos Grimm, nesse trecho, propõem numerosas aproximações. Era fácil fazê-las, tão evidentes parecem. Os contos em que se trata de três irmãos dos quais o mais jovem se mostra capaz de cumprir as missões que lhe são confiadas são comparados pelos dois pesquisadores ao relato que faz Heródoto dos filhos de Targitaus, e às três Trimurti entre as quais Deus repartiu o mundo de tal modo que um só deles obtenha um dia o poder supremo para que não desapareça a ideia de um deus único. A montanha de ouro ou de vidro nos contos populares "parece ser uma montanha dos deuses dos mitos antigos"; a maneira como, em Marienkind (n° 3), é descrito o céu, soberba casa de ouro munida de doze portas mais uma décima terceira que é proibida, lembra de modo preciso o Gladsheim brilhante como o ouro, com seus doze tronos aos quais se acrescenta o de Odin. Quanto a Frau Holle (n° 24), comparável à deusa nórdica Sif, faz pentear os cabelos, isto é, distribui os raios do sol sobre a terra.
O banimento no terreno e a libertação pelo amor constituem um tema privilegiado; mas, acrescentam os autores, convém distinguir os contos de origem pagã e aqueles cujo conteúdo aparece visivelmente como cristão; por exemplo Marienkind (n° 3) ou A Jovem sem Mãos (n° 31). Todavia, num e noutro caso, falam de seus contos como de algo sagrado. Compartilham com tantos outros pesquisadores da época romântica a mesma tendência a crer numa tradição primordial e citam, em seus escritos, os representantes marcantes dessa corrente de pensamento: Johann Arnold Kanne, Joseph Görres, Friedrich Creuzer.
O importante posfácio (datado de 30 de setembro de 1850) da edição de 1850, assinado por Wilhelm Grimm, traz ainda novas precisões. Depois de enumerar com satisfação os numerosos coletâneas de contos, publicadas em diferentes países desde a publicação dos KHM, o autor escreve: "Tinha-se então [em 1812] um sorriso indulgente quando nos ouviam pretender que estavam contidas ali [nos contos] ideias e visões do mundo cujas origens mergulham na obscuridade da Antiguidade. Agora, já não se põe mais isso em dúvida." (p. 375).
Em seguida fala dos contos orientais e de suas semelhanças com os contos europeus, e acrescenta estas observações, capitais para compreender seu propósito e o de seu irmão:
A concordância que existe entre contos pertencentes a povos fortemente separados uns dos outros pelo tempo e a distância — não menos que a povos próximos uns dos outros —, reside em parte na ideia [Idee] que os subjaz e na representação de certos caracteres, em parte na maneira particular como os acontecimentos se entrelaçam e se desenrolam. Ora, há situações [Zustände] tão simples e tão naturais que ressurgem por toda parte, assim como há ideias que se encontram por si mesmas. É por isso que os mesmos contos ou pelo menos contos muito semelhantes, podem nascer independentemente uns dos outros, nos países mais diferentes: são comparáveis às palavras isoladas que línguas elas também sem parentesco produzem imitando os sons naturais; observa-se então que a semelhança entre as duas línguas é negligenciável ou que a concordância é perfeita. Encontram-se contos dessa espécie onde a concordância pode ser considerada um acaso, mas na maioria dos casos a ideia fundamental comum terá tomado, pelo tratamento particular, muitas vezes inesperado, até caprichoso, que terá sofrido, uma forma que não autoriza a falar de parentesco puramente aparente [...]. Assim, o que é comum assemelha-se a um poço cuja profundidade se ignora mas do qual cada um tira segundo suas necessidades [...]. Os mesmos contos não surgem sempre nos lugares mais afastados, assim como uma fonte jorra de novo em lugares muito distantes? Do mesmo modo que os animais domésticos, os cereais, os instrumentos agrícolas e os utensílios domésticos, as armas, de modo geral todas as coisas sem as quais parece que os homens não poderiam viver juntos, assim também a lenda [Sage] e o conto, esse orvalho refrescante de poesia, mostram-se também a nós, tão longe quanto pode alcançar nosso olhar, nessa concordância ao mesmo tempo impressionante e independente.
É um pouco mais adiante, nesse mesmo texto, que se encontram estas linhas de Wilhelm Grimm:
Comuns a todos os contos são os vestígios [Ueberresle] de uma crença remontando aos tempos mais antigos e que exprime figurativamente sua maneira de interpretar as coisas suprassensíveis [der sich in bildlicher Auffassung übersinnlicher Dinge ausspricht]. Esses elementos míticos [Dies Mythische] assemelham-se aos pequenos pedaços de uma pedra preciosa estilhaçada que estariam espalhados sobre o solo coberto de relva e flores e que só um olhar mais penetrante que os outros pode descobrir. Sua significação perdeu-se há muito tempo, mas ainda se manifesta sensivelmente; é ela que constitui o teor do conto e que ao mesmo tempo satisfaz nosso gosto natural pelo maravilhoso. Esses pequenos fragmentos nunca são o simples jogo de cores de uma imaginação sem conteúdo. Quanto mais remontamos no tempo, mais vemos estender-se o mítico [das Mythische], que parece mesmo ter constituído o fundo [Inhalt] único da mais antiga poesia.
Essas preciosas anotações referentes ao fundo inserem-se num longo exposto de religião e literatura comparadas no qual Wilhelm Grimm não se mostra avaro de exemplos e que testemunha sua erudição. Mas como ele mesmo e seu irmão procedem para escolher e publicar os contos? Um bom exemplo de seu modo de proceder, e da ideia que fazem da "tradição", é fornecido por um trecho da introdução à edição de 1819:
Foi por um desses felizes acasos que fizemos conhecimento com uma camponesa originária da aldeia de Nieder-Zwehrn perto de Cassel; é ela que nos contou a maioria dos contos, e os mais belos, do segundo volume. Essa mulher chamada Viehmann era ainda robusta e não havia muito ultrapassado os cinquenta anos. Os traços de seu rosto tinham algo de sólido, de inteligente e de agradável; seus olhos eram grandes, seu olhar claro e vivo. Conservava as antigas lendas [Segen] solidamente na memória, talento que, gostava de dizer, não é dado a todo o mundo e muitas pessoas são incapazes de guardar o fio. Com isso contava com calma, segura de si, com uma vivacidade pouco comum, com prazer, primeiro com toda liberdade, depois, se lhe pediam, uma nova vez lentamente, de modo que com algum treino podia-se escrever à medida. Desse modo conservamos de maneira literal muitas coisas cuja autenticidade não se pode desconhecer. Quem acreditasse numa ligeira falsificação da tradição, numa negligência na conservação, e daí concluísse que a impossibilidade de uma longa duração [de conservação] é a regra, esse deveria ter ouvido como ela se apegava sempre exatamente ao seu relato e era apaixonada por exatidão; a repetição nunca se acompanhava de modificações, e assim que percebia que se enganara corrigia-se logo no meio do discurso. A fidelidade à tradição em pessoas cujo gênero de vida se manteve sempre igual a si mesmo, de modo imutável, é mais inabalável que nós outros, inclinados às mudanças, podemos conceber. Por essa razão precisamente há ali como uma proximidade penetrante, uma maestria interior, às quais não se chegaria tão facilmente com outros modos de proceder que, vistos de fora, poderiam parecer mais brilhantes. O fundo narrativo da poesia popular assemelha-se à verdura que, espalhada por toda a natureza em escalas e variações múltiplas, sacia nosso olhar e suaviza nossos sentimentos, sem jamais fatigar.
Os irmãos Grimm tinham portanto muito interesse em que soubéssemos bem que procediam de maneira científica. O manuscrito de Oelenberg descoberto em 1920 pode convencer-nos disso, pois permite dar-se conta em que pequena medida se julgavam autorizados a modificar os relatos ouvidos. Assim, lendo essas declarações de princípio e de intenção, poder-se-ia crer que quase todos os contos dessa coletânea provêm principalmente de uma tradição oral. A realidade é mais matizada? Heinz Rölleke publicou recentemente uma nova edição crítica do manuscrito de Oelenberg; esse trabalho permite seguir minuciosamente, passo a passo, o modo como os irmãos Grimm adaptaram os relatos ouvidos, tanto mais que essa publicação apresenta boa parte de suas notas e observações até agora inéditas. Rölleke pôde assim estabelecer que uma das pessoas que, acreditava-se, haviam fornecido mais contos aos dois autores, e que contou A Chapeuzinho Vermelho (n° 26) e A Bela Adormecida (n° 50), não era a velha mulher simples que se pensava, Marie Müller, uma humilde dona de casa, mas uma jovem mulher chamada Marie Hassenpflug; seu pai era Presidente do Conselho da Hesse Hesse Hesse, Hermann (1877-1962) , e sua mãe, originária de uma família de huguenotes, a havia criado no espírito francês. Do mesmo modo, Dorothea Viehmann teria sido esposa de um burguês, alfaiate de profissão, e ela também de origem huguenote; mais ainda, o francês teria sido a língua de sua juventude. Rölleke quer mostrar que os KHM seriam, mais do que se admitia, tributários da literatura de expressão francesa, particularmente das coletâneas de Charles Perrault e de Mme d’Aulnoy. São quase a metade dos KHM que, desde então, não poderiam mais ser considerados como provenientes de alemães artesãos e camponeses. A isso acrescenta-se, como sublinha fortemente Rölleke, o esforço de estilização cada vez mais sensível de uma edição a outra, entre 1812 e 1856, como se tratasse de tornar a coletânea agradável a todos e acessível às crianças, esforço progressivo que se acompanhou, paralelamente, de preocupações moralizantes no gosto Biedermeier da época.
A questão levantada por Rölleke não é evidentemente sem interesse do ponto de vista da história literária. Mas se é verdade que os Grimm traduziram à sua maneira os contos que chegaram ao seu conhecimento, não os "traíram" por isso, nem que fosse pelo caráter universal de seu conteúdo ou de sua mensagem. Por outro lado, os relatos que passaram pelo intermédio de intérpretes franceses não são por isso mesmo deformados no que constitui sua especificidade, que é iniciática. O próprio do mito é poder passar através de todas as traduções.
Antes de interrogarmo-nos sobre o mito, resumamos a posição dos Grimm. Pode-se fazê-lo sob a forma de uma dupla proposição:
— a) Os contos representam, mesmo sob uma forma impura e alterada, vestígios de muito antigas lendas divinas e heróicas remontando à época indo-europeia. É raro que tenham podido passar de um povo a outro.
— b) Do mesmo modo que "situações simples" podem encontrar-se em todas as épocas e em todos os povos sem contato nem influência, do mesmo modo contos de conteúdo bastante semelhante podem desenvolver-se em todos os povos; nesses contos o mito é o elemento primeiro, originário. Quando a crença, ou o conteúdo religioso, do mito, estão em vias de desaparecer, o mito torna-se conto.


FAIVRE, Antoine. Les contes de Grimm. Mythe et initiation. Paris: Lettres modernes, 1978, p. 7-14.
Neste estudo, sem outras precisões, todas as citações apresentadas em francês de textos estrangeiros não citados a partir de uma versão francesa editada são traduzidas pelo autor do estudo. O mesmo se aplica aos títulos e excertos dos Contos de Grimm. Os números que seguem os títulos dos Contos remetem à numeração proposta pelos próprios irmãos Grimm, tal como ainda pode ser encontrada em todas as edições completas em alemão. A sigla KHM, sempre utilizada pela crítica, é a abreviatura do título da coleção Kinder- und Hausmärchen.