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Contes philosophiques du monde entier: cercle des menteurs
Jean-Claude Carrière – Estórias
quarta-feira 2 de julho de 2025
Como as minhocas que, diz-se, fecundam a terra que atravessam cegamente, as histórias passaram de boca em boca e dizem, há muito, o que nada mais pode dizer. Algumas giram e se enrolam dentro de um mesmo povo. Outras, como que feitas de uma matéria sutil, furam as paredes invisíveis que nos separam, ignoram o tempo e o espaço e simplesmente se perpetuam. Assim, esta conhecida entrada circense, onde alguém procura um objeto perdido em um círculo luminoso, não porque o objeto se perdeu naquele local, mas "porque aqui há luz", encontra-se em coleções árabes e indianas desde o século X, e talvez antes. Notemos de imediato que tem um significado oculto, como o objeto que se procura. Ela nos diz, além do sabor da anedota, que é melhor olhar para a luz. Se não encontrarmos o objeto perdido, podemos encontrar outra coisa; enquanto no escuro não encontraremos nada.
Esta história – como milhares de outras – sobreviveu a guerras, invasões, a destruição de impérios. Suportou os séculos. Percorreu nossas memórias como muitos de nossos segredos.
Se o conto, antigo prazer universal que exigimos desde a infância, conserva essa tenacidade, é sem dúvida porque contém alguma virtude, algum princípio singular de permanência. A sua principal força é obviamente transportar-nos em poucas palavras para um outro mundo, onde imaginamos coisas em vez de as vivermos, um mundo onde dominamos o espaço e o tempo, onde colocamos personagens impossíveis em movimento, onde povoamos outros planetas à vontade , onde deslizamos criaturas sob as ervas das lagoas, entre as raízes dos carvalhos, onde as salsichas pendem das árvores, onde os riachos correm de volta para a fonte, onde os pássaros falantes raptam crianças, onde os falecidos preocupados voltam em silêncio para reparar um descuido, um mundo sem limites e sem regras, onde organizamos encontros, brigas, paixões como bem entendemos.
O contador de histórias é, antes de tudo, aquele que vem de outro lugar, que reúne na praça de um vilarejo aqueles que nunca sairão de lá, e que os faz ver outras montanhas, outras luas, outros terrores, outros rostos. É o mascate das metamorfoses.
Nesse sentido, é pelo “era uma vez” que o ir além do mundo, ou seja, a metafísica, se introduz na infância de cada indivíduo, e talvez também na dos povos, a ponto de muitas vezes fincar uma raiz tão forte que teremos nossas invenções humanas, por toda a vida, como uma realidade inquestionável. Após o assombro e o transporte, a história que nos foi contada é a base de nossas crenças.
No entanto, ela não se limita a esse ir além, ou, se quisermos, a essa transgressão. Por obrigação natural, por ser essencialmente uma relação entre humanos, ela se refere sempre ao público que escuta, às vezes até – de forma menos visível – ao próprio contador de histórias. É como um desses objetos mágicos que tão frequentemente usou, por exemplo, um espelho que fala.
A história é pública. Ao ser contada, ela fala. Narciso, que só pensa em si mesmo, não pode nem inventar, nem contar. Está perdido em seu reflexo mudo. A narrativa de uma história, essa ação pública que sem dúvida ajuda a manter a coerência das nações, está hoje amplamente presente nos filmes de todos os tipos que a televisão mostra incessantemente. Nunca, sem dúvida, no passado, tivemos tantos dramas, comédias, folhetins, sagas históricas, à disposição de nossos olhos. Em quantidade, a história rivaliza com a imagem onipresente à qual, há cem anos, se uniu. Em quantidade apenas: quanto ao resto não se pode dizer nada.
Mais difundida do que nunca, mais enfraquecida e talvez mais vulgarizada (mas nem sempre), a história contada subsiste na mídia moderna. Se perguntarmos por quê, logo pensaremos no entretenimento, ou seja, no desvio de nosso pensamento, de nossa preocupação. A história está lá para nos fazer esquecer a feiura sangrenta do mundo ou sua monotonia tola. É evasão, nos transporta para o país do esquecimento.
Mas, quando hábil, logo nos traz de volta a esse mundo do qual pensávamos nos libertar. O espelho aparece. Na ficção, logo nos reconhecemos.
Mais ainda: se a história – invenção construída em certa ordem, batizada de “ficção” – é frequentemente claramente anunciada como tal, ela pode ser também, muito frequentemente, clandestina. Pode se esconder em toda parte. Pode estar lá sem que saibamos.
Pois tudo é história, até a História. Tudo é contado como uma série de ações sucessivas, uma sucedendo a outra, que ela apaga ao substituí-la. Houve isso, depois aquilo. Os jornais de notícias, que passam pela pessoa de um intérprete, contador de boas e más novas, são inevitavelmente dramatizados. Uma tomada de reféns, uma negociação difícil, um assassino caçado, um feito esportivo são tantos relatos, tantos dramas. A guerra de Troia, a viveríamos hoje ao vivo, com entrevistas de Aquiles de um lado, de Helena do outro; dos deuses também, quem sabe?
Contamos como antigamente. E por muito tempo, sem dúvida, ainda. Está claro, também, que gostamos de nos contar a nós mesmos. Sabe o que me aconteceu ontem? Não? Escute. E escutamos. Muitas vezes, mesmo, quando vivemos com alguém, escutamos pacientemente contar a mesma história a diversos amigos. Fazemos esse amável sacrifício. Sabemos que ele (ou ela) gosta disso, de se colocar no centro de um relato. Captar a atenção, por alguns minutos. É um verdadeiro momento de existência.
Vivemos em uma história, a nossa, e também na história de algumas pessoas próximas a nós. E vivemos também em outras histórias, que compartilhamos com nossos vizinhos, com nosso povo, com a terra inteira às vezes.
Assim, nunca estamos satisfeitos com nossos contadores de histórias, com nossos roteiristas, por exemplo. E é normal. Nenhum espelho pode ser totalmente satisfatório. Todos os povos, em todos os tempos, foram decepcionados por seus autores, por seus contadores de histórias. Todos desejaram histórias melhores. Porque são feitos dessa substância. Nelas se reconhecem, se identificam. Gostariam que suas histórias fossem melhores, pois se sonham melhores.
Nossa vida também é feita de outros elementos, é claro. Não somos apenas relatos. Mas sem relato, e sem possibilidade de contar esse relato, não somos, ou somos pouco. E como uma história é antes de tudo movimento de um ponto a outro, que nunca deixa as coisas no estado do começo, vivemos nesse escoamento, nessa movença. Temos um começo, teremos um fim.
Dizem – sem prova – que a Arte maiúscula é um desafio lançado ao tempo que nos leva e nos corrói, que as pirâmides de Gizé são apelos à eternidade, como as frases de Rimbaud Rimbaud Jean Nicolas Arthur Rimbaud (1854-1891) ou o teto da Capela Sistina. Não tenho certeza. Colocam tudo no mesmo saco, e “o duro desejo de durar” (já que eu não duro, que ao menos de mim alguma obra dure) não explica tudo, longe disso.
A história popular, dita ao ouvido, sem nome de autor, não tem essa ambição de solidez. Ela se acomoda à negligência, e a longas passagens no esquecimento. Se se perde, afinal que pena. Haverá outras. Não acusemos ninguém, sobretudo. Um antigo poeta sufi dizia assim: “A noite terminou, e minha história não terminou. Em que a noite é culpada?”
Contar uma história, além da partida para Tailleurs, é uma maneira particular de se escoar no tempo, negando-o ao mesmo tempo. Um tempo de narração se instalou quase sem esforço no leito do mestre irresistível. Este parece perder por um momento toda influência, e como toda ação sobre nós mesmos. Estamos nele, na concavidade de sua onda, somos ele. Toda grande obra dramática que nos leva abole o tempo – ao qual o tédio, guardião vigilante, nos traz de volta quando necessário.
O interesse dramático, esse velho motor, provavelmente tem muito a ver com essa afirmação implícita, que a cada instante repete o contador de histórias, de seu domínio sobre o tempo.
Perguntei um dia ao neurologista Oliver Sacks o que é para ele um homem normal. Pergunta batida, sem grande importância. Mas em sua qualidade de neurologista, Oliver Sacks tinha um ponto de vista. Ele hesitou e então me respondeu que um homem normal, talvez, é aquele que é capaz de contar a própria história. Sabe de onde vem (tem uma origem, um passado, uma memória em ordem), sabe onde está (sua identidade), e acredita saber para onde vai (tem projetos, e a morte no fim). Está, portanto, situado no movimento de um relato, é uma história, e pode se dizer.
Que essa relação indivíduo-história venha a se romper, por alguma razão fisiológica ou mental, eis o relato quebrado, a história perdida, a pessoa projetada para fora do curso do tempo. Não sabe mais nada, nem quem é nem o que deve fazer. Agarra-se a algumas aparências de existência. O indivíduo, sob o olhar do médico, aparece então à deriva. Embora seus mecanismos corporais funcionem, perdeu-se no caminho, não existe mais.
O que se diz de um indivíduo, pode-se dizer de uma sociedade? Alguns pensam assim. Não mais poder se contar, se identificar, se colocar normalmente no curso do tempo, poderia levar povos inteiros a se apagarem, cortados dos outros e sobretudo de si mesmos por falta de uma memória constantemente revivida. Assim hoje os povos africanos, sul-americanos. Estão em perigo de silêncio. Expostos à censura número um, que é comercial, e que avança sob a bandeira da “livre competição” (Califórnia e Mali são “livres” para rivalizar, por exemplo, no campo da produção televisiva: o que isso significa realmente? Não é, mais uma vez, a raposa livre no galinheiro livre?), muitos são os contadores de histórias hoje amordaçados. Purificação estética e étnica sempre foram irmãs gêmeas. A isso se acrescenta hoje o pretencioso liberalismo, que vem simplesmente nos dizer: calem-se.

Ver online : CARRIÈRE, J. C. Contes philosophiques du monde entier: cercle des menteurs 2. Paris: Place des éditeurs, 2008
Jean-Claude Carrière, Le Cercle des menteurs. Contes philosophiques du monde entier.