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Contes philosophiques du monde entier: cercle des menteurs
Jean-Claude Carrière – Estórias, como organizá-las
quarta-feira 2 de julho de 2025
Muitas das histórias a seguir foram me contadas aqui e ali. A maioria eu encontrei em livros (mais de duas mil). Tentei relatá-las de forma simples, com o mínimo de literatura, esforçando-me para me apagar, como é de costume, para colocar a narrativa à frente do contador de histórias. Qualquer transcrição desse tipo de conto é necessariamente falha. Não é feito para ser lido. Espero que a simplicidade da minha entrega permita a outros contadores — oralmente — bordados, divagações, um jogo, uma sedução pessoal.
No entanto, era preciso uma ordem. Faça-se o que for, sempre é preciso uma. Até um ziguezague tem um começo e um fim.
Lembrei-me então da minha antiga e teimosa incapacidade de ler um Manual de Filosofia e até de compreender o sentido dessa estranha expressão. E lembro-me de ter dito a mim mesmo: Por que não tentar um dia escrever meu próprio manual, que seria composto apenas de histórias? Falar aqui de filosofia seria, sem dúvida, descabido, ao mesmo tempo pretensioso e bastante limitado. Digamos um manual de tudo e de nada, mas mais de tudo do que de nada, onde seriam evocadas, por esse viés incomum, as questões que às vezes nos fazemos, as luzes que nos chamam, as surpresas que nos divertem, as ilusões que nos enganam, em suma, nossa relação tão frágil quanto necessária com o mundo, durante essa breve abertura de uma janela entre dois nadas que chamamos de nossa vida.
Compus capítulos dispondo histórias neles, dei títulos a esses capítulos, e então brinquei por muito tempo com as peças desse jogo imenso que eu mesmo havia fabricado. O que guardar e o que eliminar? O que colocar depois do quê? Nossa percepção do mundo não segue nenhuma ordem de conhecimento e nossas reações são caóticas. Mesmo nossa cultura é uma desordem.
Pensei comigo mesmo: Coloquemos todas as histórias em um grande saco e, se tivermos uma boa pergunta, sorteemos ao acaso, como em um bingo. A história que sair, a aceitaremos como a resposta.
Por fim, tentei traçar, com o fio das histórias escolhidas, uma espécie de caminho hesitante, longe do retilíneo, mais curto do que eu havia imaginado inicialmente, um caminho com sombras, paradas, escarpas, terrenos áridos, encontros alegres e outros menos, pontes, vau, bifurcações mal sinalizadas, marcos semienterrados na grama.
Mas um caminho, por mais belo que às vezes pareça, e por mais reforçado que seja seu calçamento, não tem grande interesse fora dos países por onde avança e que tem a missão de unir. Os grandes caminhos modernos, que agora são eletrônicos, têm até o efeito de violar para sempre os territórios atravessados. Entre outros respeitos, perdemos o respeito pela paisagem, tanto por fora quanto por dentro. O caminho que tentei traçar sonharia em se perder definitivamente nos arbustos, tornando-se inutilizável. No fim, é apenas uma proposta feita ao viajante. Eu o encorajo vivamente a atravessar os fossos, a derrubar as cercas.


Ver online : CARRIÈRE, Jean-Claude. Le Cercle des menteurs. Contes philosophiques du monde entier. Paris: Plon 1998