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Agamben (2014) – Uso do Mundo

4. Relação entre Uso e Cura em Martin Heidegger

4.1. O Primado Ontológico da Cura (Die Sorge) como Estrutura   Fundamental do Dasein em Essere e tempo  

  • A complexidade da Cura (die Sorge) na obra Essere e tempo de Martin Heidegger, em face da possível não leitura   do capítulo «A cura (die Sorge) como ser   do Dasein» por Michel Foucault
    • A Cura (die Sorge) como análogo e igualmente aporetico primado sobre o uso
    • A Cura (die Sorge) concebida em sentido   ontológico como a estrutura fundamental do Dasein
      • Definição da Cura (die Sorge) como «a totalidade   originária do conjunto das estruturas do Dasein» (die ursprüngliche Ganzheit des Strukturganzen des Daseins) (Heidegger 1, p. 180)
      • Implicação do «primado» (Vorrang) da Cura (die Sorge) como «totalidade originária» por preceder «todo comportamento [Verhaltung] e de toda situação [Lage] do Dasein» (p. 193)
      • A Cura (die Sorge) como «ontologicamente anterior [früher]» a fenômenos como «a vontade, o desejo, o impulso e a inclinação» (p. 194)
    • A articulação da prioridade ontológica da Cura (die Sorge) como forma   singular de um   encontrar-se «sempre já em qualquer outra coisa» (a priori existencial)
      • Citação completa da definição: «A cura, enquanto totalidade estrutural unitária, se situa, de modo existencialmente a priori [existenzial-apriorisch], “antes” de todo, ou seja, já sempre em todo fatício “comportamento” e “situação” do Dasein»
      • O a priori existencial da cura inerente a algo diferente da própria Cura (die Sorge)
    • O caráter do «ser  -em» (In-Sein) implícito na estrutura da Cura (die Sorge) como «ser-já-em-antecipo-sobre-si-no (mundo  ) como ser-junto» (Sich-vorweg-schon-sein-in (der Welt) als Sein-bei) (p. 192)
    • O Dasein com estrutura de Cura (die Sorge) encontrado fatíciamente «atirado no mundo» e inserido na «mundanidade do mundo» segundo Heidegger
      • A precisão do «onde» do ser-junto: «no ser-já-em-antecipo-sobre-si-em-um-mundo está incluído essencialmente o deiético Ser-junto o manejável intramundano de que se toma cura» (besorgten innerweltlichen Zuhanden) (p. 192)
    • A definição da «manejabilidade», do «ser-a-portada-de-mão» (Zuhandenheit)
      • Análise do in-ser (In-Sein) para definir a «familiaridade que usa e maneja» (der gebrauchendehantierende Umgang) (par. 12 ao final do terceiro capítulo de Essere e tempo)
      • A «familiaridade que usa e maneja» como relação originária do Dasein com o seu mundo

4.2. A Intraduzibilidade do Termo Umgang de Kerényi e a «Familiaridade que Usa e Maneja» em Heidegger

  • A reflexão de Kerényi em Umgang mit Göttlichem sobre a intraduzibilidade do termo alemão Umgang (relação originária do homem   com o divino  )
    • O vocábulo inglês intercourse insuficiente por se limitar à «total intercambiabilidade de sujeito e objeto, a um escorrer do evento para frente e para trás» entre os termos da relação
    • A necessidade   de escolher entre commerce ou «comércio» e familiarité ou «familiaridade» em francês e italiano, enquanto o alemão Umgang une ambos os significados
    • A particularidade do termo Umgang
      • Implicação da intercambiabilidade entre sujeito e objeto: «O objeto da familiaridade deve poder   se mudar a todo momento no sujeito daquela mesma familiaridade; e nós, que cultivamos a familiaridade com ele, devemos poder nos tornar o objeto» (Kerényi, p. 5)
      • Implicação da imediatidade: «a relação entre sujeito e objeto que está na base da familiaridade exclui toda mediação por parte de um terceiro» (Kerényi, p. 8)
  • A situação da «familiaridade que usa e maneja» em Essere e tempo na perspectiva semântica de Umgang
    • A familiaridade como Umgang de Kerényi: imediata (nada   a separa do mundo) e lugar de indeterminação entre sujeito e objeto (o Dasein, sempre em antecipação sobre si, está «já sempre à mercê das coisas de que se toma cura»)
    • Considerações análogas para a «manejabilidade» (Zuhandenheit) e a «satisfatoriedade» (das Bewandtnis, o ser satisfatório ou suficiente de algo em relação a outrem)
    • A imediatidade e o caráter constitutivo da familiaridade, manejabilidade e satisfatoriedade para o Dasein
      • O Dasein não pode ser concebido como um sujeito «a quem de vez em quando passa pela cabeça de assumir uma relação com o mundo» (Heidegger 1, p. 57)
      • Os termos nomeiam «a própria estrutura do Dasein na sua relação originária com o mundo»

4.3. A Relação Originária com a Esfera do Uso e o Paradigma da Manejabilidade

  • O envolvimento da relação com a esfera do uso, implícito no paradigma da manejabilidade (Zuhandenheit), através do instrumento (das Zeug) (o {organon} ou o {ktema} de Aristóteles)
    • Exemplo por excelência do martelo
      • Citação sobre o uso do martelo: «A correta familiaridade com o instrumento, na qual somente ele pode se mostrar de modo genuíno no seu ser (por exemplo, o martelar para o martelo), não compreende tematicamente este ente como coisa que se apresenta, assim como o usar [das Gebrauchen] não compreende a estrutura do instrumento como tal. O martelar não se resolve em um simples conhecimento   do caráter de instrumento do martelo, mas, ao contrário, já se apropriou deste instrumento como o mais adequadamente não seria possível. Nesta familiaridade que faz uso [gebrauchenden Umgang], o tomar-se cura [das Besorgen] deve se submeter ao caráter de finalidade [Um-zu, «para um propósito»] constitutivo de cada instrumento. Quanto menos o martelo é somente contemplado e quanto mais adequadamente é usado [gebraucht], tanto mais originário se torna o relacionamento com ele e tanto mais ele vem ao nosso encontro sem véus como aquilo que é, ou seja, um instrumento. É o próprio martelar que descobre a específica «manejabilidade» [Handlichkeit] do martelo. O modo de ser do instrumento, no qual ele se manifesta por si mesmo  , nós chamamos «manejabilidade» [Zuhandenheit]» (Heidegger 1, p. 69)
  • O caráter envolvente e absoluto da relação originária e imediata com o mundo (Faktizität, «faticidade»)
    • Recurso ao termo jurídico «prisão» (verhaftet): «o conceito de faticidade implica em si o ser-no-mundo de um ente “intramundano” de modo tal, que este ente se pode compreender como capturado [verhaftet] no seu “destino  ” no ser do ente que encontra dentro do próprio mundo» (p. 56)
    • A «intimidade» (Vertrautheit, «familiaridade confidente») originária entre Dasein e mundo
      • O Dasein pode perder-se e ser absorvido [benommen] no que encontra no mundo: «O tomar-se cura [das Besorgen] é já sempre o que é sobre o fundamento de uma intimidade com o mundo. Nesta intimidade, o Dasein pode perder-se no que encontra no mundo e ser absorvido [benommen] por ele» (p. 76)
  • A pluralidade de sentidos e formas de uso na familiaridade com o mundo
    • «Maneiras do in-ser» (Weisen des In-Seins) análogas à polissemia da {chresis} grega: «ter a ver com algo [zutunhaben mit etwas], produzir [herstellen] algo, ordenar ou cultivar algo, utilizar [verwenden] algo, abandonar ou deixar perder algo, empreender, impor, pesquisar, interrogar, considerar, discutir, determinar...» (p. 56)
    • Modalidades compreendidas na «familiaridade com o mundo e com os entes intramundanos» (das nächstebegegnenden Seienden - p. 66)
      • O ente primeiro e imediato é pré-temático, sendo «o usado [das Gebrauchte], o produto, etc.» e não objeto de conhecimento teórico do mundo
      • O Dasein «é já sempre neste modo de ser: por exemplo, para abrir a porta, faço uso [mache ich Gebrauch] da maçaneta»
      • O uso do mundo como o relacionamento primeiro e imediato (die nächste Art des Umganges - p. 66) do Dasein
  • Paralelo entre a relação uso-cura e a dialética valor de uso-valor de troca em Karl Marx (nota de rodapé a)
    • O privilégio do valor de uso em Marx (processo de produção orientado ao valor de uso, transformação em mercadoria pela excedência do valor de uso sobre a demanda)
    • A excedência do valor de uso sobre a utilização efetiva, sendo uma possibilidade   ou excedência mantida em estado potencial (como a suspensão da manejabilidade revela a cura em Heidegger)
    • A necessidade de pensar   uma excedência ou alteridade   do uso em relação à utilizabilidade intrínsecas ao próprio uso

4.4. A Estratégia da Angústia para Afirmar o Primado da Cura (die Sorge) sobre a «Familiaridade que Usa e Maneja»

  • O primado da Cura (die Sorge) sobre a «familiaridade que usa e maneja» (gebrauchenden Umgang)
    • A Cura (die Sorge) pressuposta e inscrita na estrutura do in-ser (In-Sein) que define a relação originária do Dasein com o seu mundo
      • Antecipação do tema da cura no par. 12 (espacialidade existencial do Dasein)
      • As modalidades do in-ser (In-Sein) possuem o modo de ser do tomar-se cura (Besorgen): «Estas modalidades do in-ser têm o modo de ser (a ser definido, mais tarde, com precisão) do tomar-se cura [Besorgen]... A expressão não significa que o Dasein seja antes de tudo e prevalentemente econômico ou prático, mas que o ser do Dasein deve [soll] tornar-se visível como cura. Este termo deve ser compreendido [ist... zu fassen] como conceito estrutural ontológico» (p. 57)
    • A inserção da Cura (die Sorge) como exigência, apesar da manejabilidade e satisfatoriedade parecerem pressupor o contrário
  • O dispositivo decisivo para o primado da Cura (die Sorge): a angústia
    • Os pontos de fratura da manejabilidade (Zuhandenheit) (par. 16): o utensílio estragado, faltante ou fora do lugar/obstáculo
      • A manejabilidade cede lugar à simples disponibilidade (Vorhandenheit), mas não desaparece
      • Citação: «a manejabilidade não se desvanece simplesmente, mas, na surpresa causada pelo que se torna inutilizável, ela parece quase se despedir. A manejabilidade se mostra ainda uma vez e justamente na sua despedida mostra a conformidade ao mundo do manejável» (p. 74)
    • A revogação radical da relação primeira e imediata com o mundo na angústia
      • A perda de importância da «totalidade de satisfatoriedade, descoberta dentro do mundo, do manejável e do disponível», que «afunda em si mesma»
      • O mundo assume o caráter da «mais completa insignificância» (p. 186)
      • O poder da angústia de aniquilar a manejabilidade, de produzir um «nada de manejabilidade» (Nichts von Zuhandenheit) (p. 187)
      • A revelação de uma relação com o mundo mais originária que toda familiaridade
        • Citação: «Aquilo diante do qual a angústia é tal, não é nada de manejável no mundo... O nada da manejabilidade se funda em algo de absolutamente originário: no mundo... Aquilo diante do que a angústia se angustia, é o próprio ser-no-mundo. A angústia abre originariamente e diretamente o mundo como mundo» (p. 187)
    • O subvertimento radical do primado da «familiaridade que usa e maneja»
      • A tese   do não-sentir-se-em-casa (das Un-zuhause) como o fenômeno   mais originário: «a intimidade com o mundo “é um modo do estranhamento [Unheimlichkeit] do Dasein e não o contrário. Do ponto de vista ontológico-existencial, o não-sentir-se-em-casa [das Un-zuhause] deve ser concebido como o fenômeno mais originário» (p. 189)
    • O anulamento e neutralização da familiaridade como condição para a Cura (die Sorge) se apresentar como a estrutura original do Dasein
      • O lugar originário da Cura (die Sorge) situado no não-lugar da manejabilidade
  • O primado da temporalidade sobre a espacialidade como correspondência ao primado da cura sobre o uso (nota de rodapé a)
    • A esfera da «familiaridade que usa e maneja» (gebrauchenden Umgang) definia a «espacialidade» do Dasein (parr. 22-24 de Essere e tempo)
      • Conceitos de ordem espacial: o «dis-afastamento» (die Ent-fernung), a «proximidade» (die Nähe), a «região» (die Gegend), o «dispor no espaço» (Einräumen)
      • O Dasein «é originariamente espacial»
    • A temporalidade como sentido ontológico da Cura (die Sorge) a partir do par. 65
      • A estrutura da Cura (die Sorge) (o ser-já-em-antecipo-sobre-si em um mundo como ser-junto ao ente encontrado no mundo) adquire sentido pelas três   «êxtases» da temporalidade (futuro, passado e presente)
      • O ser-junto que define a manejabilidade carece de um correspondente remando imediato (p. 328)
      • A tentativa forçada de reconduzir o ser-junto à temporalidade como «presentificação» (Gegenwärtigen, p. 328)
      • O ser-junto definia a espacialidade do Dasein (proximidade espacial)
      • Admissão posterior de Heidegger da impossibilidade de manter a recondução da espacialidade à temporalidade (no par. 70 de Essere e tempo) no seminário Tempo e Ser

4.5. A Dialética do Impróprio (Uneigentlich) e do Próprio (Eigentlich) na Analítica do Dasein

  • A inscrição do primado da Cura (die Sorge) sobre o uso na dialética entre impróprio (Uneigentlich) e próprio (Eigentlich)
    • O que se apresenta como primário (Dasein «antes de tudo e na maioria das vezes») deve «cair» (Verfallen) na impropriedade e inautenticidade
    • O próprio (Eigentlich) como não tendo «um lugar e uma substância outra» em relação ao impróprio (Uneigentlich): é «existencialmente somente um aferramento modificado disto» (nur ein modifiziertes Ergreifen dieser - Heidegger 1, p. 179)
    • O primado do próprio (Eigentlich) (Cura, temporalidade) sobre o impróprio (Uneigentlich) (manejabilidade, espacialidade) repousa em uma estrutura de ser singular: algo existe e se dá realidade   aferrando um ser que o precede, mas que se desvanece e se retira
  • A analogia   com a dialética que abre a Fenomenologia do Espírito de Hegel
    • A certeza sensível como objeto «primeiro e imediatamente» (início   falso)
    • A certeza sensível se revela a experiência   mais abstrata e pobre de verdade  , tornando-se verdadeira por um processo de mediação e negação  
    • A necessidade do início que deve ser retirado para só no fim ser compreendido
    • O próprio (Eigentlich) como aferramento modificado do impróprio (Uneigentlich): a Cura (die Sorge) como um aferramento da impropriedade do uso
  • A questão da necessidade do falso início para o Dasein e a tradição   filosófica
    • O não-verdadeiramente-humano pressuposto para o humano
    • A exclusão/inclusão do uso do corpo   e inoperosidade do escravo para a ação   política livre e obra do homem
    • A possibilidade mais própria colhida pela retomada do sperdimento e da queda   no impróprio
  • O cuidado de Heidegger contra a interpretação   teológica da «queda» (das Verfallen) (nota de rodapé a)
    • A queda do Dasein no impróprio não deve ser interpretada onticamente como «doutrina do estado de corrupção (status corruptionis) da natureza   humana» ou se o homem «está “afundado no pecado  ”»
    • A secularização da doutrina teológica da queda e do pecado original na analítica do Dasein (como Hegel fez com a doutrina da redenção)
    • O deslocamento de plano da secularização como uma absolutização do paradigma

4.6. A Centralidade do Uso (Der Brauch) como Dimensão Ontológica em Der Spruch des Anaximander

  • A aparente restituição da centralidade do uso (Der Brauch) no ensaio Der Spruch des Anaximander (1946)
    • A tradução do termo grego {to chreon} (aparentado a {chre} e {chresthai})
    • Heidegger o traduz como Der Brauch («o uso») (geralmente traduzido como «necessidade»)
  • A etimologia do {chreon} (Heidegger) ligada à mão e ao manusear
    • Inscrição do termo no contexto   semântico da manejabilidade (Zuhandenheit) de Essere e tempo
      • A palavra {chreon} contêm {chrao} e {chraomai}, onde fala   a mão ({he cheir})
      • {chrao} significa: «eu trato, mantenho algo, eu o pego na mão, dou uma mão» (ich be-handle etwas, «eu trato, mantenho algo, a pego na mão, vou a ela e vou-lhe à mão» - gehe es an und gehe ihm an die Hand)
      • {Chrao} significa também «dar na mão, entregar» (in die Hand geben, einhändigen), «restituir a uma pertinência»
      • O dar na mão (Aushändigen, «entregar») que «detém na mão» (in der Hand behält) a remessa e o remetido (Heidegger 3, p. 337)
  • A função ontológica fundamental do uso (Der Brauch)
    • Nomeia a própria diferença entre ser e ente, entre presença (Anwesen) e presente (Anwesendes)
    • Citação: «O termo [{to chreon}] pode somente significar o essentificante na presença do presente [das Wesende im Anwesen des Anwesenden], ou seja, a relação, que no genitivo (do) vem obscuramente à expressão. {To chreon} é, ou seja, o dar na mão [das Einhändigen] da presença, o qual dar na mão entrega [aushändigt] a presença ao presente e, deste modo, detém na mão o presente como tal, ou seja, o custodia na presença» (p. 337)
    • O uso (Der Brauch) situado em uma dimensão ontológica, correndo entre o ser e o ente
  • A subtração de «uso» (Brauch) e «usar» (brauchen) da esfera da utilização
    • Devolução à sua originária complexidade semântica (como {chresis} e {chresthai})
    • O significado habitual e derivado de «usar» (utilizar, ter necessidade) é excluído
    • O significado etimológico preferido: brauchen é bruchen, o latim frui (correspondente ao alemão fruchten, «frutar», e Frucht, «fruto  »)
    • Tradução livre como «degustar» (geniessen), significando «ser alegre por uma coisa e portanto tê-la em uso»
    • O significado fundamental de brauchen no sentido de frui em Agostinho: «O que é de fato outra coisa que dizemos frui, a não ser ter à disposição o que amas?» (Quid enim est aliud quod dicimus frui, nisi praesto habere, quod diligis?)
    • O frui contém ter à disposição (praesto habere), sendo praesto e praesitum o {hypokeimenon} (o que está diante de nós na inatência, a {ousia}, o que é a cada vez presente)
    • Citação: «“Usar” significa, portanto: deixar ser presente algo de presente como presente; frui, bruchen, brauchen, Brauch significam: entregar algo ao seu próprio ser e detê-lo na mão que o custodia como presente... O uso é pensado como o essentificante no próprio ser» (p. 338-339)
    • O uso (Brauch) não mais dito do comportamento humano (fruto de deus   - fruitio dei - como beatitudo hominis), mas nomeia o modo pelo qual o próprio ser é como relação ao ente presente
    • O {to chreon} (o uso) concerne e man-tém o ente presente enquanto presente

4.7. Relação entre Uso Ontológico e «Familiaridade que Usa e Maneja»

  • A relação entre o «uso» (Brauch) como dimensão ontológica e a «familiaridade que usa e maneja» de Essere e tempo
    • Analogia entre «usar significa: deixar ser presente algo de presente como presente» e «deixar satisfazer significa onticamente: deixar ser um manejável tal como é e para que seja tal» (par. 18 de Essere e tempo)
      • O sentido ôntico de deixar ser intencionado de modo fundamentalmente ontológico
    • O deslocamento do uso para o plano da diferença ontológica, tirando-lhe a concretude e evidência
      • A questão do significado do ser usar o ente e da relação ontológica originária ter a forma de um uso
  • A assimilação do uso ({chreon}) à {energeia}
    • O ente presente levado à presença e inatência por surgir de si mesmo e ser pro-duzido pelo homem
    • O que vem à presença tem o caráter de um {ergon} («pro-duto» - Hervor-gebrachtes)
    • A presença do que é presente (o ser do ente) se diz {energeia} em grego (p. 342)
    • Uso ({chreon}) e ser-em-obra ({energeia}) «nomeiam o mesmo» (p. 342) pela proximidade já encontrada em Aristóteles
  • A questão da especificidade do termo {chreon} (uso) em relação à {energeia}
    • A possibilidade de o uso implicar outra relação que não a {energeia} em relação à potência
    • A possibilidade de pensar um uso da potência que não signifique a sua simples passagem ao ato (sua colocação em obra)
    • A implicação de uma ontologia irredutível à dualidade   aristotélica de potência e ato (que governa a cultura ocidental)

Ver online : Giorgio Agamben


AGAMBEN, Giorgio. L’uso dei corpi. Vicenza: N. Pozza, 2014