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Jean-Louis Chrétien – monólogos na trilogia de Samuel Beckett

segunda-feira 7 de julho de 2025

A segunda objeção [ à trilogia de Beckett ] é formal. A presente obra concentra-se no monólogo interior e deixou de lado as narrativas em primeira pessoa. Ora, se a trilogia é de fato uma série de monólogos, estes se apresentam eles mesmos como escritos (um escrito encomendado e remunerado para Molloy (M, 7), um "relatório" para Moran (M, 142)), e não poderiam ser formalmente qualificados como monólogos interiores. No máximo, pode-se dizer que eles têm origem no monólogo interior, como afirma Malone: "Disse que só digo uma pequena parte das coisas que me passam pela cabeça? Devo tê-lo dito. Escolho aquelas que parecem ter certa relação entre si. Nem sempre é fácil. Espero que sejam as mais importantes" (MM, 150, cf. 141 sobre a fuga do pensamento). Mas, com O Inominável, nesse ponto como em tantos outros, surge uma profunda indecidibilidade. Nos dois primeiros volumes, e já desde a primeira página, as condições, e por vezes os meios materiais da escrita (como a "mina" de Malone), são descritos com precisão. Em contrapartida, O Inominável, após algumas páginas, enuncia o seguinte paradoxo:

"Como, nessas condições, faço para escrever, considerando apenas o aspecto manual dessa amarga loucura? Não sei. Poderia saber. Mas não saberei. Não desta vez. Sou eu que escrevo, eu que não consigo levantar a mão do joelho" (I, 24).

– paradoxo observado e bem comentado por D. Cohn. Mas escrever sem pena nem som é a própria definição que Mallarmé, em "Crise de vers", dava do pensamento: "pensar sendo escrever sem acessórios, nem murmúrio".

Sobre isso, é preciso ir mais longe e não se limitar apenas às indicações narrativas. Há na trilogia muitas marcas formais de oralidade. Limitamo-nos a alguns exemplos de O Inominável. É de fala que se trata. "Tenho que falar, não tendo nada a dizer, nada além das palavras dos outros." (I, 46) "Quem diria, ao me ouvir, que nunca vi nada, nunca ouvi nada além de suas vozes?" (I, 62, a "voz visível" remonta à Bíblia e a Santo Agostinho). O "Olha" reaparece frequentemente: "Olha, uma sugestão" (I, 45), "Olha, é uma ideia, mais uma" (I, 47). A fala se retoma: "O que eu ia dizer? Tanto faz, direi outra coisa, tudo isso vale o mesmo" (I, 47, o inglês suprime essas frases); "Onde estava? Ah sim, nas delícias do claro e do simples." (I, 94, cf. 12.) Há interjeições de todo tipo ("Ah!", "Bah!", "Vamos lá!"). O movimento do solilóquio pronunciado é inegável: "Não mudou realmente nada desde que estou aqui? Francamente, a mão no coração, espere, que eu saiba, nada" (I, 13). Tudo isso, do qual se poderiam multiplicar os exemplos indefinidamente, distingue-se formalmente do que poderia ser considerado como um endereçamento ao leitor como tal.

E de fato, muitos comentadores destacaram com razão a dimensão oral e poética da obra de Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) . L. Janvier, em seu belo Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) por ele mesmo, e referindo-se a uma de suas declarações, escreve em "Sons": "... evidentemente para o ouvido e a voz que o fazem ouvir e dizer, essa prosa, a obra inteira tanto em inglês como em francês, é esse corpo sonoro do qual o escritor se sente responsável". G. Josipovici, em seu prefácio à trilogia, fala de "literatura oral", de uma "arte que pede para ser proferida pelo leitor". Percebe-se nas autotraduções de Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) a importância desse trabalho rítmico e sonoro, poético. Lembra-se que V. Woolf qualificava os monólogos (certamente interiores) de As Ondas de "solilóquios dramáticos". Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) escreveu Esperando Godot nos mesmos anos que a trilogia, e há como que um vaivém do monólogo escrito ao monólogo dramático, que é aliás na história literária a fonte e o modelo do primeiro.

Mas o ponto mais decisivo é que o monólogo de O Inominável se apresenta ele mesmo como a origem dos monólogos anteriores, como seu inventor e autor. É portanto esse monólogo derradeiro que retoma em si, para melhor dispersá-los e abandoná-los, os relatos precedentes. Não se trata como em Balzac Balzac Honoré de Balzac (1799-1850) da "Última encarnação de Vautrin" mas da derradeira desencarnação desse eu que fala sem cessar, do eu sem nome que desdiz os nomes que forjou, e que coloca radicalmente a questão do monólogo interior. Esse monólogo é um monólogo, é de fato uma só voz que proferiu as outras, ou sou eu mesmo apenas o efeito de uma obscura ventriloquia? E o que pode ser a interioridade onde a fala daquele que não pode escrever nem falar (é afônico) se faz ouvir a si mesma? "Transcendental" designa em filosofia desde Kant aquilo que concerne às condições de possibilidade da experiência. O que faz a força e a grandeza de O Inominável é que se trata de uma meditação transcendental: sob que condições poder-se-ia dizer eu de uma fala que fosse propriamente nossa? sob que condições pode haver o mundo privado da subjetividade? A fala em primeira pessoa se volta sobre aquilo que a funda, aquilo por que seu solo habitual se esvai. Mas essa meditação seria uma obra de filosofia, e não um romance, se não assumisse a forma do relato: O Inominável é o relato cujo objeto é a busca das condições de possibilidade de um relato em primeira pessoa, o monólogo em busca do monólogo que fosse verdadeiramente um (se é que existe!). Mas Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) suspende o princípio aristotélico anagke stenai, "é preciso parar", princípio que proíbe a regressão ao infinito na busca do fundamento.


Chrétien, Jean-Louis. Conscience et roman I. Paris : Minuit, 2009