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Essais et Notes I - Chaque fois que l’aube paraît

René Daumal – René Guénon

Encore sur les livres de René Guénon

A trama essencial de meu pensamento, de nosso pensamento, do pensamento, está inscrita — já o sei há anos — nos livros sagrados da Índia. Cada uma de minhas descobertas, sempre a reencontro, pouco após tê-la feito, em tal versículo de um   Upanishad ou da Bhagavad-Gîtâ que ainda não havia notado. Isso me leva necessariamente a confiar nessas Palavras, na Palavra única da qual procedem e na tradição   mística que delas decorre.

Todos os momentos do pensamento total e real estão lá: o clarão instantâneo da metafísica  ; o pisoteio, que mata e ressuscita, dos três   cascos enormes da dialética; a ordem necessária imposta pela crítica   aos cadáveres do pensamento; enfim uma moral   onde as concessões ao interesse propriamente humano são tão raras e tão voluntariamente exotéricas, que não podem enganar.

Mas as mãos ocidentais transformam ouro em chumbo. A metafísica hindu esfarela-se entre esses grossos dedos vermelhos, em curiosidades de mitologia e exotismo, em buscas bem   consoladoras de paraísos precisos, em pequenos conselhos salutares que um clérigo não desaprovaria, em gritos de amor   para certas entidades como o Nada   que sob seus rostos sombrios escondem as mais temíveis esperanças.

Isso porque é impossível compreender realmente a menor parte do pensamento hindu se não se tiver apreendido o conjunto na pureza originária de um único ato   do espírito. O edifício múltiplo só tem sentido   pela unidade e simplicidade do fogo   que brilha em seu cume.

Ora, René Guénon   nunca trai o pensamento hindu em benefício das necessidades particulares da filosofia   ocidental (filosofia das ciências, fundamentos de uma moral, de uma política, de uma estética  , etc.). Se fala   do Veda, pensa o Veda, é o Veda. Talvez haja erros, falsas interpretações em seus livros; não sei; mas certamente não trai. É o único, que eu saiba, a não fazê-lo, entre os que escreveram sobre a metafísica hindu. Incorporou-se de modo tão exclusivo ao espírito originário da Tradição da qual nos reivindicamos com ele, que, como contrapartida dessa assimilação, o que há de mais profundo em pensadores da Europa como Spinoza, Hegel e os pós-kantianos alemães, lhe escapa completamente.

Pouco importa. Prefiro vê-lo guardar essa lei dura, palpável no tom de suas frases, que o defende de todo   compromisso. Assim está seguro de não sacrificar a esses ídolos modernos: ciência   discursiva, moral, progresso, felicidade   da humanidade, autonomia do indivíduo, a vida  , a vida em belo, todo esse ferro e granito absurdo   que pesa sobre nossos peitos.

Pois existem, são pesados, esses ídolos, e a transformação que buscamos deverá quebrá-los; primeiro quebrá-los, e nossa aparência humana mostra para isso o rosto da revolta  . René Guénon, não sei nada de sua vida propriamente humana; só sei que espera convencer poucas multidões. Mas temo que a felicidade de pensar   não o desvie dessa lei — histórica, no sentido mais amplo — que necessariamente impele o que há de humano em nós para a revolta; revolta que consideramos não como uma tarefa que nos cabe executar, mas como uma obra que deixamos realizar-se por meio dos invólucros humanos que abusivamente chamamos "nossos". Queremo-nos libertar deixando ir as formas contingentes de nossos seres a seus destinos próprios. Podemos dizer com ele ’que essas manifestações se ligam diretamente às condições particulares do Kali-Yuga’. Mas enquanto homem  , não está também submetido a essas condições?

’É preciso que o escândalo venha...’ Mas recusamos acrescentar a revoltante palavra de Cristo  : ’...mas ai daquele por quem o escândalo vem!’. Antes, deixando-o cumprir-se, nos libertamos. Pois se esses homens que levam nossos nomes são agentes de revolta, falemos-lhes antes como Krishna ao guerreiro: ’por tal combate   que assim se oferece por si mesmo  , a porta do céu se abre aos felizes Kshatriyas...’ (Bhagavad-Gita, II, 32); e, para o mais real de mim mesmo: ’não sou eu que age’ (Ibid V, 8)."


Ver online : DAUMAL, René. Essais et notes I. L’Évidence absurde: 1926-1934. Paris: Gallimard, 1993


DAUMAL, René. Essais et notes I. L’Évidence absurde: 1926-1934. Paris: Gallimard, 1993