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The Divine Within
Huxley: Ação e Contemplação
Selected Writings on Enlightment
A Vida de Ação e a Vida de Contemplação
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O vocabulário corrente, mesmo entre indivíduos inteligentes e cultos, abunda em termos utilizados levianamente sem a devida análise semântica, sendo a expressão vida de ação frequentemente contraposta à vida de contemplação nas discussões sobre religião espiritual, o que exige uma distinção precisa entre o sentido comum da linguagem ordinária, que remete à vida mundana de figuras públicas, heróis e empresários, e o sentido religioso ou psicológico, no qual a vida ativa equivale à prática das boas obras e da virtude extenuante, exemplificada pela figura bíblica de Marta servindo às necessidades do mestre, em contraste com Maria, a personificação ocidental da vida contemplativa que ouve as palavras divinas.
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Enquanto o pragmatismo e a filosofia popular contemporânea concebem a ação como o fim e o pensamento como meio, a filosofia subjacente à religião espiritual, tanto no Oriente quanto no Ocidente, inverte tal posição ao estabelecer a contemplação como finalidade suprema e a ação, inclusive o pensamento discursivo, apenas como um meio valioso para alcançar a visão beatífica da realidade , princípio fundamental corroborado por Tomas de Aquino ao afirmar que a ação deve ser algo acrescentado à vida de oração e não algo subtraído dela, diretriz a partir da qual os místicos práticos examinam criticamente a ideia de ação e estabelecem regras para aqueles interessados na Realidade última.
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Aqueles voltados à religião espiritual devem modelar suas ações à imagem de Deus , que criou o mundo sem modificar Sua natureza essencial, aspirando a um tipo de atividade isenta de apego ou envolvimento, tarefa exequível apenas para os proficientes na oração mental que dedicam tempo à contemplação formal e praticam a presença de Deus nos intervalos, pois, para os iniciantes, as boas obras podem distrair a alma , sendo preferível que aqueles com pouca ou nenhuma interioridade se abstenham de atividades externas; a experiência demonstra, conforme sintetizado por uma autoridade ocidental e por Sao Joao da Cruz, que as ações bem -intencionadas de indivíduos não regenerados resultam em pouco mais que nada , às vezes nada e ocasionalmente até danos, razão pela qual os grandes místicos cristãos sempre precederam seus períodos de atividade por uma fase preliminar de retiro e aniquilação ativa, tornando a ação um sacramento somente quando a mente não é mais desviada da realidade, visto que um homem de oração realizará mais em um ano pela salvação das almas e melhoria da qualidade humana do que outro em toda a sua vida.
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A ineficácia intrínseca das obras realizadas por indivíduos sem discernimento espiritual aplica-se a fortiori à atividade mundana em larga escala, uma vez que o bem é produto da arte ética e espiritual de indivíduos e não passível de produção em massa, o que conduz ao grande paradoxo da política, na qual a ação política se revela necessária e simultaneamente incapaz de satisfazer as necessidades que a originaram, estando predestinada a uma autoestultificação parcial ou completa devido à natureza insatisfatória dos instrumentos e materiais humanos sobre os quais deve operar.
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Embora métodos humanistas de aprimoramento social, econômico e de treinamento de caráter, bem como a conversão e a catarse, produzam resultados limitados, a transformação radical e permanente da personalidade só é alcançável pelo método do místico; contudo, dado o consenso dos grandes mestres religiosos do Oriente e do Ocidente sobre a extrema dificuldade e a autoabnegação aterrorizante exigidas para a iluminação , pouquíssimos seres humanos em qualquer momento histórico estarão aptos a tentar tal labor, resultando na persistência dos resultados profundamente insatisfatórios da ação política em larga escala que a história tem demonstrado.
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O contemplativo desempenha uma função social vital não por trabalhar exclusivamente para a própria salvação, mas por atuar, ainda que em número reduzido, como o sal da terra e o antisséptico que impede a decomposição irremediável da sociedade decorrente de suas atividades políticas e econômicas, exercendo uma influência salutar e preservadora pela simples existência de uma realidade imanente que, deixando de ser opaca nele, impressiona e modera o comportamento do homem médio não regenerado, inspirando um respeito reverente.
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O santo teocêntrico transcende a mera existência ao atuar como professor e homem de ação, multiplicando o número daqueles que buscam a transformação do caráter e operando sempre nas margens da sociedade, em pequenos grupos e mediante uma autoridade espiritual não coercitiva, jamais no centro político ou utilizando a força organizada do estado ou da igreja, pois a história demonstra que líderes espirituais que abandonam suas atividades marginais para tentar forçar a sociedade ao Reino dos Céus via atalhos políticos invariavelmente fracassam e traem sua visão; a sociedade, embora possa perseguir os videntes por preconceito, despreza ainda mais profundamente como traidores aqueles que trocam sua visão pela competição por lugar e poder, visto que o homem comum, embora apegado aos pensamentos e ações que envenenam a sociedade, nutre simultaneamente um anseio nostálgico pelos antídotos espirituais e pela integridade daqueles que se mantêm fiéis à sua clarividência.
Ver online : Aldous Huxley
HUXLEY, Aldous. The Divine Within: Selected Writings on Enlightenment. New York: HarperCollins Publishers, 2013.