Página inicial > Ditados > René Daumal – Sócrates hindus
René Daumal – Sócrates hindus
segunda-feira 30 de junho de 2025
Todos os homens que quiseram transmitir a seus semelhantes um conhecimento vivido serviram-se dessas imagens latentes no pensamento coletivo de seu tempo; eles ressuscitaram os deuses no homem, e, por isso, muitas vezes, entraram em conflito com a teologia de sua época. O fato é posto notavelmente em evidência nas Upanishads hindus, que, pelo problema de transmissão de conhecimento que ali se coloca, e pelas maneiras como é resolvido, se assemelham muito aos diálogos socráticos. Como essas semelhanças não se devem — ao que parece — a uma influência histórica, mas procedem da mesma preocupação de transmitir um conhecimento cuja expressão verbal não arrisque se tornar um fim em si mesma, sua exposição poderá ser útil para esclarecer nosso assunto.
1º A forma dialogada é frequente nas Upanishads. A abundância (como em Platão) de partículas exclamativas e explicativas [u, uta, evam, vai, bâ, khila, kalu, hi, ha, atha, anga, etc.] ("não é?... claro... mas sim!... ah! não!... então..." etc.); as anotações, sóbrias mas vivas, da cena e dos personagens do diálogo [1]; todos esses elementos enfim que a maioria dos tradutores negligencia como acessórios mostram uma preocupação constante de apresentar homens que pensam e não pensamentos abstratos.
2º A contradição intelectual é tão constante nas Upanishads que a especulação hindu pôde tirar desses textos seis doutrinas, ou melhor, seis "aspectos" (darçana) diferentes, às vezes contraditórios, e no entanto considerados ortodoxos todos os seis. As discussões com teses contraditórias das Upanishads são introduzidas, como em Platão, pela encenação de vários interlocutores aos quais o mestre faz perguntas. Por exemplo, cinco teólogos vieram encontrar um mestre famoso, e a discussão gira sobre "o ser que é comum a todos os homens"; todos os cinco, interrogados, definem esse ser como uma "substância" metafísica: para um é o Céu, para os outros o Sol, o Vento, o Espaço, as Águas, a Terra. O mestre escuta suas definições, e lhes diz (resumo um pouco): "Sim, é verdade que o Céu é comum a todos os homens, ou seja, que todos os homens têm uma cabeça; mas se você o faz o ser absoluto, é que tem uma vida de cabeça: é muito bom, mas não basta, e mesmo, se continuar a ser só uma cabeça, sua cabeça explodirá"; e assim até o quinto, a quem declara: "A Terra? Diz você. Ou seja, aquilo sobre o que se está de pé; ou seja, seus pés, e a base material de sua vida: é que sua preocupação é ter uma posição terrestre firme, rebanhos ricos, etc. É muito bom, mas não basta: e mesmo se continuar a ser só pés, seus pés perderão toda força." Vê-se aqui a vontade de reduzir uma filosofia verbal pela contradição, de fazer passar do ponto de vista teológico — ou seja, cosmológico ou ontológico, geral, abstrato e exterior — ao ponto de vista do homem real e particular: o ser comum a todos os homens, não é tal ou qual entidade geral, nem mesmo o "homem em geral", mas a totalidade viva, a solidão insubstituível de cada um [2]. Ou, como se diz mais simplesmente no mesmo diálogo: "O objetivo que faz viver um homem, é só disso que ele deve falar."
3º A referência constante a um símbolo vivo (que pode ser tomado ele mesmo como um fim secundário da discussão). Como vimos na República, os símbolos sociais têm o privilégio de serem ao mesmo tempo tangíveis, completos (ou seja, ligados à totalidade do homem: atividade, afetividade, representação), e de serem, relativamente à vida de um indivíduo, muito duráveis; permanecerão, portanto, uma linguagem direta para todos os indivíduos de uma mesma civilização e durante toda a duração dessa forma de civilização. O simbolismo mais frequente nas Upanishads é o do sacrifício; ou seja, essencialmente, da manutenção do fogo. Como esse ato sagrado é o centro não só da civilização hindu mas, talvez, de todas as antigas civilizações, voltarei a ele mais precisamente daqui a pouco.


Ver online : DAUMAL, René. Essais et notes II. Les pouvoirs de la parole (1935-1943). Paris: Gallimard, 1993
DAUMAL, René. Essais et notes II. Les pouvoirs de la parole (1935-1943). Paris: Gallimard, 1993
[1] Exemplo: "Foi sob uma carroça, arranhando sua sarna, que ele o encontrou, e se aproximou bem perto dele..." (Para esses exemplos, e os que seguem, limitei-me à Chândogyopanishad, que não é suspeita de retoques modernos, para não ser submerso pela riqueza dos documentos.)
[2] "[O brahman (o Verbo)] é assim considerado sob um duplo aspecto (adistam): o que olha para si mesmo (adhyâtmam) e o que olha para a manifestação (adhidevatam)."