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René Daumal – Utilidade da Poesia

terça-feira 1º de julho de 2025

(RDCC)

(Sâhitya-darpana, 1re Section, intitulée « Nature essentielle de la poésie », début : )

Om! Saudações a Ganesha! — No início de seu livro, o autor, para afastar os obstáculos ao completo êxito da tarefa que deseja realizar, volta-se para a suprema autoridade em matéria de linguagem — a divindade da linguagem:

1. Brilhante de beleza como lua de outono,
que em meu espírito a deusa das palavras,
afastando a cortina de trevas,
ilumine o sentido de todas as coisas.

Este livro estando a serviço da poesia, seus frutos serão os próprios frutos da poesia. E dir-se-á quais são os frutos da poesia:

2. Os frutos da quádrupla atividade (humana) são, graças à poesia, facilmente colhidos mesmo por pessoas de pouca inteligência; por isso a natureza essencial (da poesia) é aqui definida.

A "quádrupla atividade" designa os "quatro tipos de motivos" da conduta humana: busca do justo e do verdadeiro (dharma), busca do prazer e das satisfações do sentimento (kāma), busca da utilidade e dos bens materiais (artha), e finalmente busca da libertação (moksha). Fala-se também dos "três tipos de motivos", separando o quarto, que é de ordem superior, "supramundano", os três primeiros sendo de ordem natural.

As "pessoas de pouca inteligência", somos nós, não esqueçamos, as pessoas dotadas de simples inteligência natural, que ainda não adquiriram, por um trabalho especial, faculdades superiores de compreensão.

"Colhidos" deve ser entendido tanto no sentido de "apanhados" quanto no de "compreendidos", segundo a doutrina do autor.

Que os frutos da quádrupla atividade sejam colhidos graças à poesia, pelo fato de que ela nos leva a nos comportar como Rāma e seus semelhantes e a não nos comportar como Rāvana e seus semelhantes, e, mais geralmente, que ela nos ensina a fazer isto e a não fazer aquilo, a seguir tal exemplo e a nos desviar de tal outro — a coisa é bem conhecida.

O autor parece inicialmente dar de suas próprias palavras uma interpretação vulgar e um tanto simplista. Mas ver-se-á posteriormente que está longe de atribuir à poesia um papel didático. A propósito do teatro, mostra que se esta arte — que é a "poesia audível" — nos edifica e nos ordena para o bem, é graças a um "ato de comunhão" que reúne num mesmo momento de emoção impessoal, um momento de "Sabor", o herói representado, o ator e o ouvinte. A poesia não ensina à maneira de um professor, mas mudando o estado interior.

(...) A poesia faz obter o justo, por exemplo quando nos faz render louvores aos pés de lótus do Senhor (de Nārāyana, isto é, de Vishnu). "Uma só palavra, bem empregada e perfeitamente compreendida, é, no céu e neste mundo, a Vaca-que-sacia-todos-os-desejos"; tais palavras, tiradas do Saber (veda), tornam a coisa muito conhecida. Que ela faça obter os bens materiais, isso é evidente. O prazer também, por intermédio dos bens materiais. E a libertação, (ela nos ajuda a obtê-la levando-nos a não considerar por si mesmos os frutos dos três primeiros tipos de motivos).

Aqui também, começa-se por uma interpretação de aparência simplista: o poeta exerce seu ofício para seu proveito material e sentimental. Mas é o mesmo poeta que, para bem cumprir seu ofício de poeta, jamais deve esquecer esses quatro objetivos, dos quais o último — a libertação da cadeia dos desejos e das ações — domina os outros ao negá-los. Se perseguisse apenas um desses quatro objetivos, o poeta seria um professor de moral, um animador público, um amante ou um asceta. Mas vemos um dos maiores poetas da Índia, Bhartrihari, cantar e viver, ao longo de uma mesma obra e de uma mesma vida, os prazeres materiais, o amor profano e a devoção ascética.

Confesso que a maneira como a poesia faz obter os bens do coração (kāma, que o autor, aqui, parece entender como "prazer" em geral) é explicada de forma pouco satisfatória. O autor deve estar ansioso por passar a questões mais importantes.

As leis da quádrupla atividade, ensinadas pelos livros do Saber, por falta de sabor são difíceis de colher mesmo por aqueles cuja inteligência está plenamente amadurecida. Pelo leite de suprema felicidade que produz, a poesia as torna fáceis de colher mesmo por aqueles cuja inteligência está em tenra infância. — Mas, dir-se-á, para as inteligências maduras, já que existem os livros do Saber, para que exercitar-se na poesia? — Isso não se pode dizer. Se uma doença, curável por ervas amargas, pode ser igualmente curada pelo açúcar candi, quem, acometido por essa doença, não preferiria o tratamento com açúcar candi?

A excelência da poesia é assim expressa no Agni-purāna:

"O estado de homem é difícil de alcançar neste mundo, e o Saber então é muito difícil de alcançar; o estado de poeta então é difícil de alcançar, e a potência criadora é então muito difícil de alcançar."

"A arte dramática é um meio de realização dos três tipos (de desejos), diz-se no Vishnu-purāna; e: "Todos os poemas recitados, e todos os cantos sem exceção, são porções de Vishnu, do Grande-ser, que reveste uma forma sonora."


Ver online : DAUMAL, René. Le Contre-Ciel. Paris: Gallimard, 1955


DAUMAL, René. Le Contre-Ciel. Paris: Gallimard, 1955