Página inicial > Obras Literárias > René Daumal – As antigas especulações hindus
René Daumal – As antigas especulações hindus
terça-feira 1º de julho de 2025
As antigas especulações hindus, tais como as encontramos expressas nos Vedas, nas Upanishads, na Bhagavad Gita etc., apresentam esses sinais de pensamento em seu estado mais puro. O próprio nome sânscrito de Atmâ, o "Si mesmo", princípio absoluto e universal, significa bem que ele é o estado-limite da personalidade libertando-se incessantemente das formas individuais. Brahma, idêntico a Atmâ, é o puro sujeito de todo conhecimento e de toda ação:
Atmâ, esse si mesmo-limite, é o absoluto sob todos os aspectos. Ele é por exemplo o objeto absoluto de todo amor:
Por fim, Atmâ é dito explicitamente, por muitas vezes, só poder ser designado pela negação de todo atributo:
Assim o Atmâ absoluto é o limite para o qual tende o âtmâ individual:
E essa progressão é constatada nesta vida, pois todo homem, a todo instante, pode realizar o ato de abnegação que o aproxima um pouco mais do Atmâ. A metafísica hindu, em sua origem, está portanto estreitamente ligada à experiência. Ela perde todo sentido quando separada do Yoga, ciência da União, ou método, longamente elaborado ao longo dos séculos por milhares de pesquisadores, capaz de guiar o caminhar do espírito, de lhe dar o maior número possível de ocasiões para despertar; assim, continuamente instado a tomar consciência, o "si mesmo" pode chegar a se libertar de toda existência individual, tornando-se um com Atmâ.
Diante dessa intuição da realidade metafísica, constatamos uma das mais poderosas organizações de opressão política, econômica e religiosa que se possa encontrar na história das sociedades. A religião brâmane, oriunda do mais puro clarão de consciência que talvez se tenha manifestado nos séculos, torna-se o fundamento do sistema de castas e de uma odiosa tirania teocrática. Essa oposição eclode no livro das Leis de Manu; enquanto o ensino se dirige apenas ao brâmane, tomado isoladamente, como se fosse o único homem real, ele conserva todo seu caráter de saber vivo, apoiado numa experiência ativa do homem; propõe Brahm, o absoluto impessoal, o Atmâ, como estado-limite da consciência em marcha para si mesma, como o termo necessariamente concebido de um esforço de libertação metódica que o homem pode e deve começar imediatamente. Mas assim que o sacerdote é considerado como representante da casta superior, recolocado em sua função social, ele se encontra em relação com as outras três castas diretamente originadas do deus mitológico Brahma, e com a multidão dos fora-das-castas, dos párias, dos desclassificados de toda natureza, dos descendentes de uniões proibidas, de todos esses homens que o bramanismo considera, literalmente, como degenerados, mal como homens.
Desde esse momento, a admirável revelação do fato místico primitivo é traída. Quase todo o livro é consagrado a glorificar o poder, os privilégios e o caráter sagrado do brâmane. Ele saiu da boca do deus, enquanto as outras castas são originadas das partes menos nobres; só ele tem o direito de oferecer o sacrifício ao fogo; ele é puro, intocável; é objeto de verdadeiros tabus. Em suas relações com ele, os outros homens estão ligados por mil obrigações ou interdições; as infrações a essas regras são severamente, muitas vezes cruelmente punidas. A religião, aqui, mostra-se em sua dupla função de escravizar os povos e de matar o pensamento nascente: pois o livre pensamento primitivo é sufocado sob dogmas mortos, impostos ao povo para o proveito do poder sacerdotal, como o da origem superior do brâmane. Por causa dessa ligação estreita do poder temporal e do poder espiritual, nenhum despertar da consciência era possível sem uma revolta política e econômica contra a casta no poder.
Com efeito, quando o pensamento hindu desperta desse entorpecimento dogmático, ele atinge novamente, em sua expressão, os mais altos cumes. E esse renascimento, quase sempre, acompanha-se de uma revolta manifesta contra a autoridade dos sacerdotes e das Escrituras. As Upanishads apresentam frequentemente diálogos filosóficos onde príncipes, brâmanes, ascetas estão em presença; e é o príncipe que ensina, enquanto o brâmane desempenha o papel do ignorante; às vezes ele é escarnecido e ridicularizado; ou então um sábio eremita entrega sua ciência ao príncipe, e despede o sacerdote.
Na Bhagavad Gita, a revolta contra a autoridade teológica torna-se mais precisa. É na pessoa de um Kchattriya que Vishnu se encarnou para instruir os homens. Sob o nome de Krishna, ele ensina explicitamente ao príncipe Arjuna o desdém pelas escrituras e pelas discussões estéreis dos teólogos:
Esse livro, onde o pensamento hindu reencontra mais uma vez toda sua pureza e seu poder originais, é o fruto de uma revolta da casta principesca e militar contra a autoridade espiritual e temporal dos sacerdotes.
A revolta torna-se ainda mais nítida e aberta com o Jainismo.
Ela encontrou seu verdadeiro cumprimento com o Budismo.
Ao insurgir-se contra a autoridade do sacerdote, ele reencontrava em si as condições concretas e universais da ascese.
Posto que essas condições valiam para todo homem, posto que a realidade de todo homem estava no mesmo ato íntimo de pensar, nenhuma barreira espiritual podia mais separar os indivíduos em castas.
Mas por sua vez o ensino do Buda constituiu-se em dogmas, sepultou-se na teologia. É verdade que ele não conseguiu manter-se vitoriosamente em sua terra natal. Se o tivesse conseguido, teria tido por resultado, provavelmente, substituir o domínio dos brâmanes pelo de uma aristocracia de príncipes e militares, como o fez, em algumas províncias, o Jainismo. Os despertar revolucionários da Índia antiga foram sempre incompletos, porque eram obra apenas dos Kchattriyas. Teria sido preciso um despertar e uma revolta de todas as castas e de todos os fora-das-castas para libertar verdadeiramente o povo hindu.
Mas no Tibete, por exemplo, transformado em lamaísmo, o budismo torna-se religião oficial, com seus dogmas, seus ritos, seu clero. O Bem supremo, para o budismo, é dado como um ato-limite, um ideal contra uma personalidade humana que se libertou de si mesma; assim as reencarnações dos grandes santos do budismo, dos discípulos de Gautama ou de seus descendentes espirituais, de todos os ascetas enfim tidos pela tradição por terem alcançado a libertação, a extinção do Nirvana.
Tal personagem, portanto, se consegue, graças ao apoio das tradições e dos dogmas, passar aos olhos do povo por um desses "budas vivos", concentra sobre si todo o respeito, a veneração, o temor, que inspira um personagem sagrado, um ser "tabu"; assim pode assegurar-se uma dominação política tanto quanto religiosa.
O clero, nesse país, possui aliás os meios mais numerosos e mais poderosos que existem de matar o pensamento substituindo-o por simulacros, e de adormecer o povo para melhor dominá-lo e explorá-lo. Os místicos tibetanos em quem despertou o espírito ao longo dos séculos inventaram procedimentos muito engenhosos e eficazes para submeter o corpo e as paixões das filhas ao domínio da vontade. Ao impor uma regra aos movimentos corporais, a consciência podia libertar-se deles ao negá-los, e perseguir-se a si mesma numa calma meditação. Mas o valor que esses verdadeiros pensadores atribuíam apenas ao pensamento em ato foi logo transferido, pela multidão preguiçosa, aos próprios procedimentos; tornou-se portanto um valor mágico: essas práticas passavam por fazer progredir a consciência, por sua simples virtude. Logo mesmo fizeram-nas servir a fins secundários, ou totalmente alheios à busca do Bem; elas deviam proporcionar dons físicos: força, saúde, acuidade dos sentidos etc., ou supra-físicos: dupla-visão, levitação, enfim todas as faculdades supra-normais do homem; e foi toda a feitiçaria tibetana. Pelos rosários, os moinhos de orações, as fórmulas repetidas mecanicamente durante horas inteiras, os sacerdotes e os monges adormeceram as consciências. Seu ensino pode ser de boa fé; eles não podem ensinar o que não se ensina, mas se faz, o ato de pensar. E é provável que tenha havido, que ainda haja abades, senhores teocráticos bastante hábeis para empregar esses procedimentos no assujeitamento de seus súditos.
Assim constituiu-se e conserva-se a espécie de feudalidade teocrática peculiar ao Tibete, e, eminentemente, o encontro dos dois poderes na pessoa do Dalai-Lama. Mas a sucessão dialética de renascimentos e mortes do pensamento religioso é sem fim. Ao longo da história social e religiosa do Tibete surgem homens que, ao revoltar-se contra a autoridade estabelecida, provocam despertar da consciência. Daí esse florescimento de misticismos, heresias, reformas, seitas, que torna tão complexo o estudo do lamaísmo. Mas, no Tibete, o domínio religioso é tão forte que ainda não existe nenhuma coesão consciente entre a massa dos oprimidos. Assim essas explosões de consciência são ordinariamente obra de um só indivíduo - um monge, por exemplo como acontece frequentemente, que rompe todo vínculo com a sociedade, retira-se na montanha, inédita, para, mais tarde talvez, começar a ensinar -, esses despertar do pensamento então, frequentemente, elevam-se de um só salto à altura da pura e simples revelação da Índia antiga.


Ver online : DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970
DAUMAL, René. Tu t’es toujours trompé. Paris: Mercure de France, 1970