Página inicial > Ocidente > Maria Tatar: Balzac – Magnetismo
Encantamento
Maria Tatar: Balzac – Magnetismo
A metafísica da vontade: voyeurs e visionários na “Comédie humaine” de Balzac
Vautrin e a Vontade Sobre-Humana
- Jacques Collin, conhecido como Vautrin e Trompe-la-Mort, destaca-se como um homem que consegue burlar as leis tirânicas do universo de Balzac , possuindo um olhar friamente fascinante característico de homens magnéticos e uma vontade indomável que constrange os outros a obedecerem; Louis Lambert explica teoricamente que a força de vontade pode ser armazenada por um esforço contrátil e depois projetada para invadir a mente de outrem, uma visão compartilhada por Raphaël de Valentin, que via a vontade como uma força física capaz de alterar as leis da natureza .
- Balzac e Arthur Schopenhauer, cujo trabalho O Mundo como Vontade e Representação apareceu na mesma época embora desconhecido pelo romancista, compartilhavam noções fundamentais sobre a natureza da vontade humana e encontravam no magnetismo animal uma confirmação de suas posições filosóficas; para Schopenhauer, a vontade é a coisa-em-si, um impulso cego e perpétuo, e o magnetismo, gravidade e eletricidade são suas manifestações imediatas, rejeitando teorias de fluidos sutis em favor da ação direta da vontade, conforme sugerido pelas instruções de Puységur.
- Vautrin, juntamente com o líder dos Treze e o pirata de A Mulher de Trinta Anos, possui atributos que o separam dos homens comuns, utilizando olhos magnéticos para adivinhar pensamentos e uma vontade de ferro para remover obstáculos, assemelhando-se a médiuns que canalizam uma inteligência sublime; diferentemente de personagens com estoques limitados de força como Madame de Sérizy, que mobiliza energia apenas em crises, Vautrin possui uma quantidade quase ilimitada de vontade, usando eletricidade intelectual para paralisar a vontade dos fracos, como faz com Lucien de Rubempré.
- O poder de Vautrin é carregado de ambivalência, evocando tanto faculdades divinas de profetas quanto atributos diabólicos de magnetizadores e do Satanás de Milton, agindo como um gênio infernal que usa homens como peões; ao contrário dos voyeurs passivos, Vautrin aspira moldar suas criaturas e viver através delas, apropriando-se de suas almas, sustentando sua própria existência e quase imortalidade ao alimentar-se da energia vital de suas vítimas, numa forma de vampirismo psíquico análogo, mas superior, ao método do centenário Béringheld.
Magnetismo Erótico, Vidência e o Destino do Autor
- Nos romances de Balzac, o olhar magnético frequentemente exerce uma atração erótica irresistível, onde personagens como Rodolphe, Dr. Minoret e Athanase em A Solteirona utilizam correntes de amor e faíscas elétricas para comunicar desejo e comando, muitas vezes com a força de um raio; Henri de Marsay e Esther Gobseck, apelidada de Torpedo, possuem tal magnetismo animal que podem paralisar ou seduzir instantaneamente, gerando faíscas de amor que iluminam a alma e conferem o dom da segunda visão.
- A paixão confere infalivelmente às mulheres o dom da segunda visão, colocando-as na posição de sonâmbulas lúcidas, como visto em A Prima Bette e especialmente em Ursule Mirouët, onde a heroína e seu amado Savinien compartilham sonhos proféticos e telepatia; influenciado pelo misticismo de sua mãe e por Swedenborg, Balzac explorou as características místicas do mesmerismo, descrevendo em Ursule Mirouët a conversão do cético Dr. Minoret ao catolicismo após testemunhar as provas incontrovertíveis do magnetismo e da clarividência de uma médium que podia viajar pelo espaço e ler pensamentos.
- Embora Ursule Mirouët apresente um raro final feliz facilitado pelo magnetismo animal, Balzac preferia a poesia do mal encarnada por Vautrin, cuja constituição robusta e vontade sobre-humana permitiam gerar o melodrama da Comédia Humana, em contraste com a passividade pastel de Ursule; Balzac cultivava em sua vida pessoal as faculdades demiúrgicas de Vautrin e a clarividência do narrador de Facino Cane, acreditando, como confidenciou a Madame de Berny e Théophile Gautier, que através da escrita e da castidade poderia acumular reservas magnéticas para viver as paixões vicariamente sem esgotar sua energia vital, embora ironicamente esse regime extenuante tenha abreviado sua vida.
Ver online : Maria Tatar
Maria Tatar. Spellbound. Studies on Mesmerism and Literature. Princeton: Princeton University Press, 1978