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Encantamento

Maria Tatar: Balzac

A metafísica da vontade: voyeurs e visionários na “Comédie humaine” de Balzac

A Lenda   de Balzac   e a Dualidade   do Olhar
  • Entre os muitos poderes sobre-humanos atribuídos a Honoré de Balzac, o charme irresistível e uma prodigiosa força   de vontade   figuram de maneira proeminente, atributos que moldaram decisivamente a lenda duradoura em torno do autor   da Comédia   Humana, o qual aprendeu desde cedo a tirar proveito de seus dons psicológicos tanto na esfera pessoal quanto no domínio da criatividade literária; segundo seus contemporâneos, o feitiço   poderoso que ele lançava sobre os outros devia sua origem ao olhar penetrante, designado como magnético em seus romances, com o qual ele fixava seus interlocutores.
  • As reminiscências sobre Balzac enfatizam persistentemente a qualidade hipnótica de seus olhos, a ponto de Théophile Gautier chamar repetidamente a atenção para os olhares semelhantes a relâmpagos, tão brilhantes e carregados de magnetismo, que emanavam de seu colega literário, enquanto Edmond Werdet ficava impressionado com o olhar perscrutador e olhos magnéticos do autor, e Sainte-Beuve sentia que a personalidade de Balzac exercia uma atração sexual tão forte que chegou a acusá-lo de usar poderes magnéticos para conquistar os corações das mulheres.
  • Os poderes de visão   de Balzac dividiram os críticos de sua obra em dois campos rivais, aqueles que o consideram um   observador paciente e cuidadoso e aqueles que o consideram um vidente, termo aplicado primeiramente por Philarète Chasles; Charles Baudelaire   foi um dos primeiros a perceber a falsa dicotomia, encontrando na Comédia Humana evidências de que os talentos tanto de um observador penetrante quanto de um visionário apaixonado estavam em ação  , caracterizando Balzac como um homem   cujo apetite insaciável por detalhes era estimulado pelo desejo de ver tudo   e adivinhar tudo.
  • Estreitamente aliada ao poder sedutor do olho de Balzac está a força quase lendária de sua vontade, um desejo de influenciar outros homens, dominá-los e implantar em suas mentes suas próprias aspirações, o que o levou na juventude a desenvolver um interesse intenso pelo magnetismo animal, acreditando que isso o ajudaria a cultivar tal faculdade; seu amigo   Jules de Pétigny relatou que o entusiasmo de Balzac era apaixonado e sua    absoluta, observando demonstrações de magnetizadores e estudando suas obras com a intenção declarada de desvendar os mistérios   do magnetismo animal para forçar todos os homens a cumprirem seus desejos e todas as mulheres a se apaixonarem por ele.
  • Romancistas e críticos permaneceram impressionados com o aspecto   da vontade de Balzac, sendo que Félix Davin previu que ele seria honrado tanto por sua força de vontade quanto por suas realizações literárias, uma profecia   cumprida por Emile Zola ao declarar que a Comédia Humana permanecia como um monumento a um esforço heroico da vontade, e por Henry James  , que se maravilhou com os vinte anos monstruosos de concentração e sacrifício dedicados à obra; o próprio Balzac orgulhava-se do que chamava de sua tenacidade de espírito napoleônica.
O Contexto   Histórico e Literário do Mesmerismo
  • Para Balzac, a vontade humana, central em sua vida   pessoal e pensamento filosófico, era uma substância material que operava de acordo   com as mesmas leis do fluido magnético de Mesmer; por volta de 1820, o magnetismo animal havia capturado novamente a imaginação da sociedade   parisiense, surfando na crista de uma onda de misticismo   religioso que varreu os franceses desde a era napoleônica até o Segundo Império, levando-os a regiões ocultas que o próprio Mesmer nunca ousara entrar, com uma mudança   de foco da cura de enfermos para a comunicação com os mortos através do espiritualismo, abandonando a tina magnética por mesas girantes e espelhos mágicos.
  • Figuras literárias da França do século XIX geralmente traçaram um curso intermediário entre o magnetismo animal da década de 1780 e a versão ocultista desenvolvida por swedenborgianos, iluministas e rosacruzes; para escritores como Balzac, Hugo, Alexandre Dumas, Musset e Mérimée, o olhar convincente do magnetizador e os fluidos sutis eram tão atraentes quanto as visões de médiuns clarividentes, sendo influenciados pelo médico alemão David Ferdinand Koreff, que se tornou uma celebridade em Paris devido à sua inteligência, conexões cosmopolitas e notável semelhança com E.T.A. Hoffmann  .
  • A literatura refletiu essa fascinação, com obras como Le Magnétiseur de Frédéric Soulié tornando-se best-sellers e reafirmando, através de personagens   como o sinistro Dr. Lussay, que o magnetismo significava a regeneração da humanidade; Alexandre Dumas, em seu ciclo de Maria Antonieta, dotou Joseph Balsamo de poderes preternaturais baseados em correntes de fluido magnético e um olhar tempestuoso que lhe permitiam subjugar resistências e usar jovens donzelas hipnotizadas para contemplar o mundo   sobrenatural, proclamando que a ciência   não era uma palavra vazia e que Mesmer havia derrotado Brutus.
  • Victor Hugo  , em sua Préface philosophique de Os Miseráveis, denunciou a Academia   de Ciências por bloquear o progresso ao rejeitar as pesquisas de Mesmer e Puységur, voltando sua energia, durante o exílio, para o espiritualismo sob a orientação de Delphine de Girardin, comunicando-se através de mesas girantes com espíritos que iam de Sócrates à sua filha   falecida, vendo-se como um profeta encarregado de pregar a fraternidade universal; em contraste, Théophile Gautier, em obras como Avatar e Jettatura, focou na eletricidade intelectual e no olhar magnético capaz de separar a alma   do corpo   ou causar destruição, observando que Balzac se tornou um grande homem projetando um fluido mais poderoso que a eletricidade, conforme analisado em Louis Lambert.

Ver online : Maria Tatar


Maria Tatar. Spellbound. Studies on Mesmerism and Literature. Princeton: Princeton University Press, 1978