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Henri Borel – Amor (4)
segunda-feira 26 de maio de 2025
BorelWW
Fui despertado por um leve ruído próximo. Um fruto caíra da árvore atrás de nós. Quando levantei o olhar, vi a luz da lua brilhando no céu acima de nós.
O Sábio sentou-se ao meu lado e, amorosamente, inclinou-se para mim.
"Estás muito cansado, meu rapaz — disse preocupado.
É demasiado para ti, em tão pouco tempo. Estavas tão cansado que adormeceste. Dorme também o mar, vês, nenhuma ruga quebra sua calma plácida que imóvel absorve a luz sagrada em seus sonhos. Mas precisas acordar, é tarde, teu barco já está pronto e tua esposa te espera em casa, na cidade."
Ainda suspenso entre a vigília e o sonho, respondi:
"Deixa-me ficar aqui de qualquer modo, deixa-me poder voltar com minha esposa e ficarmos para sempre aqui.
Não posso voltar para o meio das pessoas, agora. Oh, Pai, tremo só de pensar, já vejo seus sorrisos zombeteiros, os olhos cortantes, seu ceticismo, seu distanciamento. Como posso agora levar esta maravilhosa leveza de minha alma sensível àquelas pessoas obscuras? Como posso ocultá-la bem, com palavras ou risos, de modo que não a vejam e não ofusquem sua luz, com seu humilhante escárnio?"
Ele pôs uma mão em meu ombro e, com tom sério, disse:
"Ouve com muita atenção, meu rapaz, o que agora tenho para te dizer, e confia. Talvez isto te fira, mas devo fazê-lo. É hora de voltares verdadeiramente à vida, e de estares entre as pessoas. Aqui já disseste demais. Talvez também o que eu te disse já fosse demais. Agora deves crescer sozinho e encontrar-te em cada coisa. Se fores simples, cada coisa acharás simples, como uma criança acha uma flor. Neste momento sentes o que te disse, profundo e puro. Como estás agora, estás vivendo um dos momentos mais belos de tua vida. Mas ainda não és forte o bastante para carregá-lo, como carregarias uma roupa.
Tu voltarás e tua alma te parecerá novamente uma ideia, uma teoria. Mas, pouco a pouco, chegarás ao ponto em que ela se tornará uma pura sensação que permanecerá para sempre. Quando esse momento chegar, poderás tranquilamente voltar e ficar aqui para sempre, se ainda o desejares, mas então eu já estarei morto há muito tempo. Deves crescer na vida, não além, porque ainda não és puro o bastante para elevar-te acima da vida. Um instante atrás estavas pronto, mas logo depois houve uma reação.
Não se pode iludir as pessoas, ou evitar dar a mão a elas. Mas não mostres a elas tua alma, se te parecer que estão ainda muito atrás. Não é por maldade que zombariam de ti, mas por pura convicção, pois são inconscientes de sua imensa miséria, de sua maldade, e de terem se afastado de todas aquelas coisas santas pelas quais agora vives. Deverás ser tão forte e seguro que nada poderá perturbar-te. Só o serás depois de dura batalha. Mas nas lágrimas encontrarás tua força, e através da dor conhecerás a serenidade. E sobretudo lembra-te que aquele Tao, aquela Poesia, aquele Amor, é sempre o mesmo, mesmo que o chames com nomes abstratos, e está sempre em ti e ao teu redor, e não te abandonará, será tua proteção e estarás sempre seguro naquele mundo bendito. Serás envolvido por seus benefícios e te dará um amor infinito. Toda coisa é sagrada na Natureza, em razão do Tao que vive nela."
Ele falava tão baixo, e de modo tão convincente, que eu não tinha nada a contestar. Com obediência deixei-me levar até a praia.
Meu barco me esperava, o mar estava calmo.
"Adeus, meu rapaz, adeus — disse com tom gentil e voz tranquilizadora — Pensa em tudo o que te disse."
Mas eu não me sentia capaz de partir assim.
De repente me ocorreu pensar nele vivendo tão só lá em cima, e senti lágrimas de compaixão brotarem em meus olhos. Peguei sua mão.
"Pai, vem comigo — supliquei — eu e minha esposa cuidaremos de ti, te trataremos bem, e se estiveres doente, nós te assistiremos. Não fiques aqui, sozinho, na vida, sem amor!"
Ele riu suavemente, balançou a cabeça como um pai faz com seu filho, e disse com tom amoroso, mas impassível:
"Já caíste novamente. Vês que precisas voltar à vida? Acabo de te dizer quão grande é o Amor que me cerca. E tu me achas só e abandonado. Mas com o Tao estou em casa, seguro, como uma criança com sua mãe. És muito doce, um rapaz querido, mas deves tornar-te sábio, muito mais sábio. Não te preocupes comigo, não é preciso, mas te sou muito grato por tua preocupação. Pensa apenas em ti primeiro. E agora faz como te disse. Confia em mim, quando digo que te fará bem. Adeus, há algo em teu barco que te fará lembrar dos dias que aqui passaste."
Em silêncio curvei-me para sua mão e a beijei. Por um instante tive a impressão de que ela tremia, que ele também estava emocionado, mas quando olhei, seu rosto estava calmo e sereno como a lua. Subi em meu barco, e o remador pegou os remos. A golpes velozes me conduzia sobre a água lisa. Já estávamos muito longe, quando meu pé esbarrou em algo, e percebi que havia algo diante de mim, no barco. Peguei-o. Era uma caixa. Rapidamente a abri. E na luz suave e calma da lua, a maravilhosa porcelana da estátua de Kwan Yin resplandecia em brilho místico, justamente a mesma imagem que o velho guardara e amara com tanto cuidado. Na majestosa serenidade das linhas doces mas rigorosas do puríssimo Kwan Yin, em fina porcelana, opalescente, como feito de éter, repousando sobre as folhas brilhantes de uma delicada flor de lótus. Brilhava ao luar, como se fosse composto da pura luz da alma. Eu não conseguia acreditar que aquele objeto sagrado me fora dado como presente. Agitei meu lenço e acenei com a mão para agradecer ao Sábio. Ele permaneceu imóvel na praia e olhava em nossa direção. Trêmulo, esperei por um gesto, um aceno de despedida. Mas ele ficou imóvel. Estava olhando para mim? Fitava o mar?
Fechei a caixa manuseando-a com cuidado, e a mantive ao meu lado, como se estivesse levando comigo seu Amor. Agora eu sabia que ele me amava, mas sua calma estável era algo grande demais para mim, que me sentia triste porque ele não acenara com a mão. Nos afastávamos cada vez mais. Sua figura ficou cada vez mais desfocada. Por fim, não o vi mais. Ele ficou lá, só na natureza, com os pensamentos de sua alma, só no infinito, sem um amor humano, mas imerso no imenso coração do Tao.
Eu retornava à vida e às pessoas, meus irmãos e amigos, em cada um dos quais o Tao vive, na alma, imortal e essencial.
Ao longe, o tremular de todas as luzes costeiras do porto, e o ruído da cidade que vagamente chegava sobre o mar. Então senti em mim um grande poder, e ordenei ao remador que fosse um pouco mais rápido. Eu chegara ao fim. Não estava seguro, na cidade como na terra, nas ruas como no mar?
Em cada coisa há Poesia, há Amor, há o Tao.
E o mundo inteiro é sagrado e seguro,
como uma casa boa e forte.

