René Daumal – Os paraísos artificiais (2.30)

— Tem-se, então, escolas aqui? perguntei.

— Claro. Há aqui homens e mulheres. Formam casais. Nascem crianças. É preciso protegê-las da contaminação a que sua hereditariedade as expõe com demasiada frequência. Hoje a maioria das crianças é, desde os primeiros dias, aspergida com água benta e essa simples precaução basta às vezes para imunizá-las. Mas não paramos por aí. Refizemos completamente os velhos sistemas pedagógicos. Quatro equipes de instrutores cuidam respectivamente da educação física, da educação artística, da educação científica e da educação religiosa. Os primeiros devolveram ao corpo seu lugar e seus direitos. Um quarto do dia da criança é de fato consagrado ao estudo dos tratados de ginástica, dos manuais de todos os esportes e das memórias dos grandes campeões, redigidos em versos mnemônicos e acompanhados de numerosas ilustrações. Assim, a criança mais franzina, ao fim de dois anos, sem fadiga e sem perda de tempo, sabe tudo o que há para saber sobre a cultura física.

“Fizemos as mesmas reformas nos outros ramos. Graças ao cinema, ao fonógrafo, aos museus e sobretudo ao livro ilustrado, nossos escolares rapidamente sabem tudo sobre a arte sem ter de criar, tudo sobre a ciência sem ter de pensar, tudo sobre a religião sem ter de viver. Mas, mesmo que não tivéssemos as invenções da ciência moderna, o livro por si só teria podido realizar esse milagre.

— Sim, interrompi (pois não via quando ele ia se calar), sim, como me dizia ontem Philippe L.: “O que se procura em um livro? É um mestre de bolso: todas as vantagens do mestre sem ter os inconvenientes.”

— Entendeu-me, disse o velho chato.

E ele me falou longamente de um grande livro que estava muito orgulhoso de ter escrito ele mesmo sobre Os malefícios do psittacismo, que todos os escolares eram obrigados a aprender de cor.