Em um de seus últimos textos, Paul Valéry sobrepôs maravilhosamente o mito de Narciso e o mistério dos anjos. Mostra um anjo sentado à beira de uma fonte, olhando-se no espelho d’água. Qual não é sua surpresa! Vê ali um homem em lágrimas, "e se espanta ao extremo de aparecer-se na onda nua essa presa de uma tristeza infinita". Pois um espírito puro não pode conhecer a mágoa, e é preciso ao anjo o artifício de uma fonte para poder derramar lágrimas.
É notável que seja justamente pelo que (…)
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Tournier
TOURNIER, Michel (1924-2016)
Matérias
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Tournier (Célébrations) – Anatomia de um anjo
28 de junho, por Murilo Cardoso de Castro -
Tournier (Célébrations) – Albert Dürer. Melancolia I
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroA noção de melancolia contém uma admirável ambivalência. Pois a melancolia, etimologicamente, é a bile negra, um líquido viscoso, amargo e nauseabundo, secretado pelo fígado e acumulado na vesícula biliar, que desempenha um papel na digestão intestinal. Nada menos exaltante. Mas é também um estado de alma que todos os séculos celebraram, da Antiguidade ao Romantismo. E é ainda uma maldição prestigiosa que emana do planeta Saturno, o oposto absoluto de Júpiter. Há na melancolia algo da alma e (…)
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Tournier (Célébrations) – O dinheiro
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroCreio sinceramente que as relações que cada um mantém com o dinheiro são tão fundamentais e correspondem tanto à sua personalidade quanto aquelas que tem com o sexo, Deus, a morte etc. Por exemplo, quem viu dia após dia seus pais se enfrentarem em discussões sórdidas em torno de uma carteira vazia guardará feridas psicológicas que poderão influenciá-lo por toda a vida. Muitas vezes fará fortuna, direcionando - sem sequer perceber - todos seus atos para a acumulação de dinheiro.
Demos então (…) -
Tournier (Célébrations) – Desaparecer
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroTodos os anos na França, cerca de duas mil e quinhentas pessoas são reportadas como desaparecidas à polícia. Esse número sempre me fez sonhar. Pode-se admitir que a grande maioria desses supostos desaparecidos simplesmente quis se subtrair a uma esposa, credores, o fisco, enfim, a um meio opressor e restritivo. Para ir aonde? Alguns terão "refeito a vida" acumulando novamente sujeições semelhantes às que quiseram fugir. Quanto tempo levará para seu passado alcançá-los? Quanto mais a (…)
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Tournier (Célébrations) – Diálogo do insípido e do temperado
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroConvém começar pelo começo. Quem já teve a tarefa de alimentar crianças pequenas sabe como é difícil fazê-las abandonar uma certa insipidez fundamental para elas. Para os bem pequenos, a chave é fácil de encontrar: o leite. Leite puro, sem qualquer acréscimo. Passar daí para o iogurte e a infinita variedade dos queijos não é tarefa simples. Melhor começar com purê de batata e peito de frango. Qualquer avanço no campo dos sabores mais acentuados provoca recusa veemente (eca!). Nada menos (…)
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Tournier (Célébrations) – Guilherme de Tell
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroO ato do arqueiro comporta essencialmente dois gestos sucessivos e opostos: puxar e soltar. No primeiro, a flecha recua lentamente. No segundo, ela se lança para frente com a velocidade do relâmpago.
Qual duração deve se intercalar entre o puxar e o soltar? Uma duração ideal, impossível de avaliar em segundos ou frações de segundo. Essa duração não é extensível nem compressível. Isso quer dizer que todo arqueiro está ameaçado por duas aberrações opostas: reduzir essa duração ao instante. (…) -
Tournier (Célébrations) – Geometria do labirinto
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroA mitologia grega nos convida a refletir sobre esse objeto intrigante, ao mesmo tempo atraente e repulsivo: o labirinto. A tradição nos apresenta principalmente dois. O do Egito, situado na entrada do Fayum, foi visitado e descrito por Heródoto. Era um monumento quadrado contendo doze grandes salas precedidas por um pórtico de vinte e sete colunas monolíticas. Além dessas salas, havia três mil câmaras que serviam de sepulturas para reis e crocodilos sagrados. Uma pirâmide colocada em uma das (…)
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Tournier (Célébrations) – A alma do vinho
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroEntre Dionísio e Jesus, a videira lança uma ponte frágil e frutífera. O vinho, estranho símbolo da civilização mediterrânea, confunde insolentemente a folia e o sagrado. De um lado Baco e seu cortejo de bêbados alegres como os pintou Rubens, do outro as Bodas de Caná e o cálice da Última Ceia.
Se a França é chamada de "filha primogênita da Igreja", deve-o antes de tudo a seus vinhos. É o único país do mundo onde se tem certeza de encontrar garrafas honradas até nas mais modestas mercearias (…) -
Tournier (Célébrations) – Prefácio
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroAtravés de sua aparente disparidade, esses oitenta e cinco textículos têm em comum uma certa visão de mundo. É aquela que Théophile Gautier reivindicava quando declarava: "Sou um homem para quem o mundo exterior existe." Notemos que o autor de Émaux et Camées inaugura uma família de poetas decididamente extrovertidos, primários, solares, espetaculares, que se chamam Leconte de Lisle, Heredia, Mallarmé, Valéry, Saint-John Perse. Aqui o espaço prevalece sobre o tempo. O olho comanda sozinho. (…)
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Tournier (Célébrations) – Deciframento da serpente
28 de junho, por Murilo Cardoso de CastroO deserto é seu reino, como a aridez é seu clima. Para lá ele conduziu Adão e Eva depois de os fazer perder o Paraíso. Falava-lhes nos ramos da árvore do Bem e do Mal, como Deus falaria mais tarde a Moisés do centro de uma sarça ardente. De que lhes falava ele? Como Deus a Moisés, do bem e do mal. Mas chamando bem ao mal e mal ao bem.
Pois a inversão maligna define seu modo de agir habitual. Assim como o amor. Há dois tipos de serpentes, as venenosas e as constritoras. As venenosas matam (…)
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