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Tournier (Célébrations) – Guilherme de Tell
sábado 28 de junho de 2025
O ato do arqueiro comporta essencialmente dois gestos sucessivos e opostos: puxar e soltar. No primeiro, a flecha recua lentamente. No segundo, ela se lança para frente com a velocidade do relâmpago.
Qual duração deve se intercalar entre o puxar e o soltar? Uma duração ideal, impossível de avaliar em segundos ou frações de segundo. Essa duração não é extensível nem compressível. Isso quer dizer que todo arqueiro está ameaçado por duas aberrações opostas: reduzir essa duração ao instante. Ou, ao contrário, prolongá-la indevidamente. A primeira falha se chama a carta. A segunda, a obsessão. A carta e a obsessão são as duas doenças do arqueiro. Elas se tratam com terapêuticas apropriadas que todas as escolas de arco conhecem. A correspondência com a sexualidade é evidente. A carta, é a ejaculação precoce. A obsessão, é a incapacidade de ejacular.
Guillaume Tell não é um herói mitológico, é um personagem histórico. Ele encarna a independência da Confederação Helvética. Seus atos se situam não mais em um espaço intemporal, mas em um contexto e uma duração históricos (século XIV). Tal é o sentido da besta, que é sua arma emblemática.
O que é uma besta? É um arco que torna possível a inserção de uma duração praticamente indefinida entre o puxar e o soltar. Pode-se dizer que a besta dá à obsessão uma justificação histórica. É por isso que Guillaume Tell não é, como Sebastião, o alvo de sua própria arma. É seu filho que é seu alvo, por ordem criminosa do bailio Gessler, representante do imperador da Áustria. No "caminho fundo" (Hohle Gasse) de Küssnacht, Tell finalmente mata o bailio Gessler. Aí também uma geração se inseriu entre o puxar e o soltar, já que o imperador da Áustria, representado pelo bailio, se pretendia o pai de seus súditos.
É tudo isso que se deve ver na famosa estátua de Kissling (1895) que se encontra em Altdorf.


TOURNIER, Michel. Célébrations. Paris: Mercure de France, 1999