Página inicial > Ocidente > Suassuna (Pedra do Reino) – Diabo

Suassuna (Pedra do Reino) – Diabo

UMA PERGUNTA, Dom Pedro Dinis Quaderna: o senhor acredita no Diabo  ? — Como é que posso não acreditar, Sr. Corregedor? Ainda agora, quando eu vinha para cá, ele apareceu ao irmão do Comendador Basílio Monteiro, ali, no monturo da areia do rio, perto do Chafariz! Eugênio Monteiro estava me lembrando quantas vezes, aqui no Sertão, a gente encontra, nessas chapadas nuas e pedregosas, seres alados e perigosos, cruéis e sujos, bicando os olhos dos borregos e cabritos! Quem são eles? Gaviões? Urubus? Dragões? Acho que tudo   isso ao mesmo tempo  , porque todos eles são encarnações do Bicho Bruzacã, a Ipupriapa macha-e-fêmea, a Besta que resume tudo o que existe de perigoso e demoníaco no mundo  ! O senhor já viu a Besta Bruzacã alguma vez? — Não! — Nem nunca ouviu falar dela? — Também não! — Pois eu me admiro muito, porque é a Besta mais horrorosa e conhecida por todo esse mundo velho por aí afora! É coisa sabida, Sr. Corregedor: ela é o Mal  , o Enigma, a Desordem! Passa no Mar   os seis meses do tempo de chuva. Durante esse tempo, tem duas ocupações: causa   as tempestades e fica esperando, perto da Costinha, aqui na Paraíba, a chegada das Baleias, que ela sangra e devora como se fossem traíras ou Curimatãs. Aí, quando vem chegando Setembro, ela sai do Mar, soprando fogo   pelas ventas, e vem para uma Furna de pedra perdida no Sertão. O fogo soprado pela respiração dela é que faz a seca! E ela aparece com muitas formas! Aliás, se o senhor não acredita em mim, veja a História   do Brasil, de Frei Vicente do Salvador, que era homem   fidalgo e frade, de modo que sua palavra merece respeito! Naquele tempo, a Besta Bruzacã era conhecida pelos Índios como a Ipupriapa, ou Hipupiara. Ela apareceu na praia, a um   tal Baltazar Ferreira, donzel fidalgo, pois era filho   de Capitão-Mor. Nesse dia, apareceu com cara de Cachorro, peitos de mulher, corpo   e garras de Onça Malhada, motivo pelo qual eu acho que aquele era um dos dias em que ela já vinha para o Sertão: dizem que nessas horas sempre ela tem alguma coisa de Onça! Baltazar Ferreira conseguiu feri-la a faca! Se conseguiu, além disso, molhar a boca com sangue   dela, ele se tornou imortal! [SUASSUNA  , Pedra do Reino, Folheto LVI]


Ver online : SUASSUNA, Ariano. O Romance da Pedra do Reino. Rio de Janeiro : José Olympio, 2012.


SUASSUNA, Ariano. O Romance da Pedra do Reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.