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Pessoa (LD:364) – não possuo o meu corpo

Eu não possuo o meu corpo   — como posso eu possuir com ele? Eu não possuo a minha alma   — como posso possuir com ela? Não compreendo o meu espírito — como através dele compreender?

Não possuímos nem o corpo nem uma verdade   — nem sequer uma ilusão  . Somos fantasmas de mentiras, sombras de ilusões, e a nossa vida   é oca por fora e por dentro.

Conhece alguém as fronteiras à sua alma, para que possa dizer — eu sou   eu?

Mas sei que o que eu sinto, sinto-o eu.

Quando outrem possui esse corpo, possui nele o mesmo que eu? Não. Possui outra sensação  .

Possuímos nós alguma coisa? Se nós não sabemos o que somos, como sabemos nós o que possuímos?

Se do que comes, dissesses, «eu possuo isto», eu compreendia-te. Porque sem dúvida o que comes, tu o incluis em ti, tu o transformas em matéria   tua, tu o sentes entrar em ti e pertencer-te. Mas do que comes não falas tu de «posse». A que chamas tu possuir? (Fernando Pessoa  , O Livro   do Desassossego, 364)