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Esoterismo de Shakespeare
Paul Arnold – Seres fabulosos, elfos e fadas
Sonho de uma Noite de Verão
Seres fabulosos, elfos e fadas, não são estranhos a esta reintegração do homem na música universal. E a intervenção desses espíritos lendários fez com que o Sonho fosse qualificado como féerico; é mesmo o tipo clássico da féerie.
Não se poderia duvidar que a forma emprestada a esses seres pelo poeta, os traços e os atos, a intriga, as localizações sejam pura fantasia poética. É a eles que se poderiam aplicar estas palavras de Teseu: "Assim como a imaginação empresta forma às coisas desconhecidas, do mesmo modo a pena do poeta as modela em corpo e dá ao nada aéreo uma situação no espaço e um nome". Mas vimos a reserva de Hipólita: para ela, como para o poeta, esses seres fabulosos existem, não certamente no corpo (aéreo) em que aparecem no palco, mas enquanto entidades, de poder. São "espíritos".
"Eu sou", proclama Titânia, "um espírito de posição pouco comum" (III, Cena 1, 153). Ela se propõe a transformar Bottom em um airy spirit, em um espírito aéreo, uma das duas grandes categorias de spirits classificados e descritos por Reginald Scot.
A peça nos ensina várias coisas sobre esse mundo fantasmagórico. Ela distingue os espíritos-fadas (em inglês fairy não designa, como a palavra francesa "fada", um ser sexuado, feminino) e os elfos (elves, II, Cena 1, 50 e 2, 5). Uns e outros se distinguem das larvas ou almas dos mortais falecidos em estado de pecado ou longe de sua terra natal; "espectros" ("errantes para cá e para lá" e "voltando em hordas para os cemitérios" com a aproximação da manhã), "espíritos danados" ("que estão enterrados nos cruzamentos e nos cursos d’água" e que "se exilam da luz, por temor que o dia veja sua vergonha") (III, Cena 2, 380-387).
A "banda das fairies" (III, Cena 2, 110) da qual Oberon é o "capitão" ou o "rei" (fairy king, IV, Cena 1, 94), Titânia "a rainha" (fairy queen, II, Cena 1, 8), é de uma natureza completamente diferente da desses miseráveis espectros. "Nós somos espíritos de outro tipo", proclama Oberon (III, Cena 2, 388). Certamente, esses "espíritos" agem principalmente à noite. Como Puck, eles são os "vagabundos da noite" (II, Cena 2, 43); certamente eles "correm ao lado dos cavalos de Hécate" a lua, "fugindo da presença do sol, seguindo as trevas como um sonho" (V, Cena 1, 370-373); certamente eles fogem ao primeiro canto da cotovia (IV, Cena 1, 94) e se afastam para "correr atrás da sombra da noite" (ibid. 97) preferindo "concluir sua tarefa antes do dia" (III, Cena 2, 315). Mas Oberon, melhor informado que os outros sobre sua própria natureza, sabe que pode — e não o desdenha ocasionalmente — "caçar com o Amante da Manhã, e, como um guarda florestal, percorrer os bosques até que o portão do Levante, todo rubro-fogo, abrindo-se sobre Netuno com raios benditos, mude em ouro amarelo suas ondas salgadas e verdes" (ibid. 388-393).
No interior mesmo desse mundo das fairies há gradações. Puck passa por um verdadeiro pateta (lob of spirits, II, Cena 1, 16), outros são fantasiosos (quaint, II, Cena 2, 7), isto é, exatamente o contrário do pesadume terrestre dos mortais. Todos são imortais e imateriais; eles se deslocam e agem quase com a rapidez do pensamento: Puck "cerca a terra em quarenta minutos"; Titânia concede um terço de minuto às fadas para realizar deslocamentos e trabalhos complicados, Oberon nos informa que ele e sua banda podem "correr ao redor do mundo mais rápido que a lua vagabunda" [1]. Eles podem mergulhar em todos os abismos terrestres (the deep designa frequentemente o fundo do mar, mas não exclusivamente) para lá buscar os tesouros enterrados (III, Cena 1, 157-158); eles se movem no infinitamente pequeno (acender uma vela feita de uma pata de abelha no fogo dos vaga-lumes) assim como no infinitamente grande (cercar a terra). Eles podem atravessar todos os elementos: fogo, água, ar, terra-matéria, nos informa uma fada (II, Cena 1, 2-17):
Por sobre as colinas, por sobre os vales, através dos arbustos, através dos espinhos, por sobre os parques, por sobre as cercas, através das ondas, através do fogo, eu erro por toda parte, mais rápida que a esfera da lua.
Todas essas qualidades correspondem exatamente à descrição fornecida por Reginald Scot que reproduzirei mais adiante. A atividade essencial do casal real Oberon-Titânia é de ordem atmosférica: eles regulam as estações, e de sua briga nascem graves perturbações nos ciclos do ano. Eles regulam as estações por uma espécie de eurritmia, por suas danças e seus cantos "ao som do vento" (II, Cena 1, 86). Em conjunção com a lua, eles são os distribuidores do orvalho benfazejo:
E eu sirvo a rainha das fadas para espalhar suas gotas (de orvalho) sobre os prados... Devo buscar aqui algumas gotas de orvalho e suspender uma pérola na orelha de cada prímula. (II, Cena 1, 8-9 e 14-15.)
Mas essa não é a única atividade das fadas e dos elfos shakespearianos. Eles retiram as lagartas dos botões das flores (II, Cena 2, 3), fazem guerra aos morcegos, em suma protegem a natureza contra os perigos imediatos. Em relação aos homens, eles têm uma atividade benéfica da qual nos é oferecida toda uma gradação: ela vai de Robin Goodfellow-Puck realizando o trabalho das pessoas boas e lhes trazendo boa sorte (ou lhes pregando peças perigosas) (II, Cena 1, 40-41) até o casal real Oberon-Titânia assumindo, após sua reconciliação, funções rituais e salvadoras: "abençoar o palácio de Teseu em vista de toda bela prosperidade" (IV, Cena 1, 91), abençoar os leitos nupciais para que "a progênie que será gerada lá seja sempre feliz" pela fidelidade dos esposos e de modo que "as desgraças da mão da Natureza não se imprimam sobre sua descendência, que sejam evitados às crianças verruga, lábio leporino, cicatriz, todas as marcas nefastas que desolam o nascimento" (V, Cena 1, 392-401). E como se realiza essa bênção? Da mesma maneira que a ação atmosférica: pela eurritmia sob todas as suas formas, dança e canto [2] e pela aspersão por meio do "orvalho dos campos" (V, Cena 1, 402). Em suma, pela espiritualização do próprio procedimento ritual que praticam as fadas, na bênção dos campos, procedimento repousando essencialmente sobre uma eurritmia e uma intervenção mágica. Essa magia é particularmente marcada no gesto de Puck expulsando todas as impurezas por meio da tradicional vassoura de giesta (ou das bruxas) (broom, ibid. 376).
Se propus esse inventário que pode parecer pueril, não é para dizer que eu esteja tentado a tomar tudo isso ao pé da letra, mas quero determinar suas fontes. E estas são manifestamente o folclore anglo-germânico, tais tradições populares ainda vivas no campo hoje. É uma crença popular que as danças das fadas deixam na grama um traço circular, "os círculos das fadas"; é a essa crença que Shakespeare alude quando Titânia recorda a Oberon que com suas fadas ela "dança (seus) círculos (ringlets) ao som do vento" (II, Cena 1, 80), assim como Próspero falará dos "círculos (ringlets) ácidos" que deixam "sobre a grama" os elfos, e "onde não pastam as ovelhas" (Tempestade, V, Cena 1, 36-38); passagem que já encontramos quase palavra por palavra na Isagogé de Pictorius traduzida por Nashe dois anos antes do Sonho. É a uma tradição popular que é emprestado o incidente do "changeling", "o encantador pequeno roubado (por Titânia e suas fadas) a um rei da Índia" (II, Cena 1, 22), filho de uma mulher da Índia votada ao culto de Titânia (votaresse of my order, II, Cena 1, 123) com quem ela frequentemente conversou à noite e que morreu ao dar à luz esse pequeno. Na tradição popular inglesa, um changeling é uma criança à qual é substituída outra no berço e que é levada pelas fadas para seu reino aéreo.
É a uma tradição popular que são emprestados o próprio personagem e o nome de Oberon. Oberon é um mito europeu muito antigo originado da fábula germânica. Encontramo-lo na canção de gesta carolíngia Huon de Bordeaux (século XII); Chaucer (c. 1340-1387) o importa para a Inglaterra, onde é adotado pela lenda e parece em voga nos tempos de Shakespeare, pois foi assinalado sob o nome de Auberon, ao lado de uma rainha das fadas Aureola, em um espetáculo oferecido à rainha Elizabeth em Elvetham (condado de Hereford) em setembro de 1591. Mas o personagem é bem mais antigo que essa literatura poética. Ele pertence ao ciclo escandinavo e sob as variantes Auberon, Alberon, ele se aparenta com Albe-rickr, isto é, rei dos Albes ou elfos.
Nos contos populares escandinavos, Alberon é o rei dos elfos brilhantes e favoráveis (ljosalfar) em face de Alberich (que conservou o nome primitivo) tornado chefe dos elfos negros ou perigosos (svartalfar). E tal é bem o papel que lhe confere Shakespeare, bem informado, não duvidemos, das tradições folclóricas.
É nas tradições populares que são colhidas quantidades de traços de detalhe que esmaldam o Sonho. Ao entrar no Palácio de Teseu, Oberon designa "o fogo declinante e morto" na lareira (the dead and drowny fire, V, Cena 1, 379) isto é, cobrindo sob as cinzas. No Alto-Bretanha atualmente ainda, não se deve, à noite, apagar o fogo da lareira nem esconder as brasas, para que Bouffon Noz (literalmente: brincalhão da noite), duende semelhante a Puck, possa vir se aquecer. Com a aproximação da aurora, nos informa Puck (III, Cena 2, 381-382), as almas danadas e errantes voltam para o cemitério em tropa (troop home to chuchyards). Do mesmo modo, na Bretanha, as almas danadas voltam para o cemitério por legiões com a aproximação do crepúsculo.
É "nos cruzamentos e nas ondas" que "todos os espíritos danados têm seu túmulo", assegura Puck (Ibid., 382-383). E do mesmo modo na lenda bretã, é em torno das cruzes dos cruzamentos que as piores almas danadas dançam suas rodas noturnas [3].
Portanto, não há dúvida de que Shakespeare lançou mão amplamente do folclore dos campos ingleses onde, se acreditarmos em Scot, os papistas mantinham então semelhantes superstições populares. Mas a ambição do poeta era bem mais alta. O que ele tomou emprestado das crenças ocultistas relativas aos airy spirits e que ele enxerta curiosamente sobre as tradições folclóricas presta imediatamente a estas um aspecto elevado, cabalístico, esotérico: nos descrevem aqui (com alguma fantasia poética, tratando-se de uma obra literária) uma categoria, quiçá uma hierarquia de seres sobre-humanos à cuja existência efetiva Shakespeare acreditava como a Poderes imateriais e a algum grau inefáveis. Legiões invisíveis que penetram o mundo humano ou o roçam, mas que agem sobre ele direta ou indiretamente, potências (power) servindo de intermediárias às potências supremas ou superiores que simbolizam notadamente Vênus e Diana.
Notadamente, digo, pois a intervenção das potências não se reduz ao domínio do amor. Shakespeare nos propõe um exemplo bem mais sugestivo — e cujo sentido, aliás, nunca foi decifrado: a metamorfose de Bottom.
Há muito tempo se considera como fonte provável desse estranho incidente burlesco um episódio mencionado por Reginald Scot (53-54) segundo Santo Agostinho (interpolação, assegura o inglês). É mesmo o único uso que se faz de seu livro na pesquisa das fontes de Shakespeare. Trata-se da lenda de uma bruxa de Chipre que transforma em asno um infeliz soldado em busca de víveres. O enfeitiçado só recuperará a forma humana ao assistir por acaso a um ofício religioso. Outro crítico assinalou uma peça popular, Balaam and his ass, representada no São João (Midsummer) em Chester e onde aparece uma asna falando como um ser humano.
Não é absolutamente excluído que essas diversas fábulas tenham sugerido um pouco ao poeta a aventura de Bottom. Mas o essencial está em outro lugar. Segundo um procedimento que vamos reencontrar constantemente, Shakespeare, apoderando-se de um fato diverso bem prosaico, o combina com um símbolo esotérico conhecido e comparável na forma; e dessa maneira ele eleva o episódio ao nível da parábola. No momento em que escreve o Sonho, Lyly acaba de recordar o mito de Midas (1592) que é, aliás, um dos temas ocultistas mais em voga na época. Por alusões tão claras que ninguém pode se enganar, Lyly, recordamos, cantou o sentido esotérico tradicional da aventura frígia: Midas incapaz de reconhecer a suavidade apolínea prefere à lira do deus sol — símbolo bem conhecido da harmonia universal, a da alma e a das esferas — os sons agrestes e voluptuosos de Pã, música discordante das paixões, das volúpias grosseiras do corpo. Midas, o obscuro, é castigado: Apolo o aflige com um par de orelhas de asno. Só se curará de sua desgraça no dia em que tiver compreendido o cânon pitagórico.
O paralelo entre o mito e o poema é impressionante. Nos dois casos, a metamorfose ocorre na floresta; por ocasião de uma competição artística na qual o herói se mostra o mais estúpido. Pois Bottom, "o mais raso e estúpido" (the shallowest thick-skin, III, Cena 2, 13) do grupo de artesãos-cômicos reunidos no bosque para ensaiar a tragédia de Píramo e Tisbe, Bottom se comporta durante o encantamento ao mesmo tempo como asno (ele mesmo se chama "asno delicado" e deseja aveia) e como rei-bobo dando com compunção ordens estúpidas às fadas. E quando Titânia lhe proporcionará música para distraí-lo, ele exclamará: "Tenho uma orelha razoavelmente boa para a música" e reclamará "triângulo e matraca" (ibid. 29), os instrumentos mais grosseiros e mais discordantes.
Certamente, quando acordará, ele não terá compreendido o que acabou de acontecer, ele "verá (de novo) com seus próprios olhos de imbecil", como dirá Puck (IV, Cena 1, 85); mas ele terá sentido o frisson desse mundo superior e rítmico ao uníssono do qual não pode se elevar: "O homem", exclamará ele, "não passa de um asno, se tentar explicar este sonho" (ibid., 207) "Tive um sonho que ultrapassa o entendimento do homem", "o olho do homem nunca ouviu (sic), o ouvido do homem nunca viu, a mão do homem não é apta a palpar, sua língua a conceber, nem seu coração a relatar o que eu sonhei." Eis por que a balada, que ele pedirá a Peter Quince para escrever sobre seu sonho, deve se chamar o sonho de Bottom (literalmente: o fundo) "porque ele não tem fundo" (no bottom). Seres mais sensíveis que ele ouvirão mais distintamente esse sinal do outro mundo: Hipólita sabe que há nisso tudo algo mais que a pura fantasia.
Entrevisamos dessa forma o aspecto cósmico da obra: o mundo dos Elementais, das Potências inferiores, sublunares, elfos e fadas, age sobre os humanos para trazê-los ao uníssono do cosmos, a fim de que "toda coisa recupere a paz" (Oberon, III, Cena 2, 377).
E subitamente nos aparece a analogia em sua estrutura filosófica, do Sonho e da Tempestade, as duas peças saídas antes de tudo da imaginação de Shakespeare: do mesmo modo que Oberon e seus Elementais airy spirits se comportam como retificadores de tortos e restabelecem a harmonia universal por meios mágicos, do mesmo modo Próspero com a ajuda de seus airy spirits, Ariel, elfos, meio-marionetes, etc., anula a malícia de seu irmão, usurpador do trono de Milão e traz de volta por meios mágicos a harmonia entre a terra e o céu ("quando eu tiver requisitado alguma música celeste para concluir meu trabalho sobre seus sentidos, para o que foi suscitado este encanto aéreo, quebrarei minha varinha" mágica).
E do mesmo modo que na base da escala Bottom se improvisa rei-bobo, e, por um castigo burlesco, sente passar a asa dos mundos celestes, do mesmo modo, na Tempestade, os bêbados estúpidos Trinculo e Stéphano se proclamarão reis da ilha, mas por meio de um castigo bufão aprenderão a respeitar a ordem estabelecida por Próspero.
Tudo se passa como se o Sonho, para além de uma imagética de jogo poético e cênico, devesse ser a primeira tentativa de Shakespeare para ensinar ao espectador a existência de planos e de potências cósmicas cada vez mais elevados, no meio dos quais o homem, no mais baixo da escala, perceberia apelos misteriosos. Uma coisa não pode mais ser contestada, em todo caso, ao término desses desenvolvimentos: Shakespeare não ficou à margem das querelas filosóficas de seu tempo; ele se informou manifestamente sobre o que toca a essas questões de ocultismo e esoterismo, ele parece mesmo ter tomado posição.
Antes de prosseguir no exame das obras dramáticas, vou analisar um documento que permaneceu misterioso e que nos aparecerá como um verdadeiro manifesto filosófico do poeta, a elegia da Fênix e da Rolinha.
Ver online : Paul Arnold
ARNOLD, Paul. Ésotérisme de Shakespeare. Paris: Mercure de France, 1955.
[1] Veremos que Ariel, o airy spirit da Tempestade, realiza um progresso sobre a rapidez dos airy spirits do Sonho.
[2] "Dançar triunfalmente na casa de Teseu" (IV, Cena I, 90), Rito da bênção:
Repitam primeiro exatamente sua canção,que a cada palavra ressoe uma nota:de mãos dadas, com a graça das fadas,nós vamos cantar e abençoar estes lugares (V, Cena 1, 384-387).
[3] Sobre o folclore bretão, ver Sébillot, Le Folk-Lore de France, t. I, 137, passim.