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Os sentidos de Walden
Stanley Cavell (Walden) – Palavras
Extended edition
A Natureza da Obra e o Escritor como Herói
- As maiores obras-primas, quando recém-visitadas, tendem a parecer negligenciadas e indizivelmente superiores a qualquer comentário que se possa tecer sobre elas, sendo essencial compreender que Walden é um livro perfeitamente completo, que intenciona cada palavra que diz e é plenamente sensível e aberto quanto aos seus mistérios.
- A hipótese central para a leitura reside no reconhecimento de que o herói do livro é o seu próprio escritor, não meramente o histórico Henry David Thoreau enterrado em Concord, mas o "Eu" que se declara escritor, de modo que cada uma de suas ações descrita no texto constitui um ato literário e cada identificação de si ou de seu mundo representa a descrição do que ele entende que seu empreendimento literário exige.
- A noção de "livro heroico" alinha o escritor à tradição maior da poesia inglesa e à demanda por um épico moderno que instrua a nação em seus ideais, situando-se em relação às revoluções puritana e francesa, mas reconhecendo que, para um poeta americano naquele local histórico, a Revolução Americana constitui o evento épico absorvente, embora problemático, visto que a independência e a liberdade verdadeiras não foram conquistadas e a secessão das condições inglesas não ocorreu nem na literatura nem na vida política.
- O início da estadia na floresta em 4 de julho é descrito como um acidente para ironizar a ideia americana de independência e, simultaneamente, reencenar a origem nacional e a migração puritana, buscando realizar o descobrimento da terra corretamente desta vez ou provar sua impossibilidade, vivendo sob a pressão constante de um humor que oscila entre a esperança absoluta e a derrota absoluta.
- A tarefa de Walden é descobrir como ganhar e gastar as horas mais despertas e o que constitui a escrita e a leitura em um sentido elevado, onde o escritor busca entalhar o tempo e postar-se no encontro de duas eternidades, o passado e o futuro, que é precisamente o momento presente.
O Contexto Profético e a Identificação Bíblica
- A retirada para a floresta não constitui uma fuga da sociedade, mas a criação de uma versão do "santo visível" da congregação puritana, estabelecendo uma distância de uma milha do vizinho apenas o suficiente para ser visto claramente, sendo o problema central não o que dizer à comunidade, mas estabelecer o direito de declará-lo.
- O texto postula-se como uma escritura sagrada escrita na "língua paterna", uma expressão reservada e seleta que exige uma leitura tão deliberada quanto a escrita e um renascimento do leitor para ser falada, distinguindo-se da "língua materna" que é aprendida inconscientemente e é transitória; essa distinção visa unir a facticidade bruta à interpretação espiritual, exigindo que a palavra nasça no indivíduo.
- O escritor assume a vocação profética identificando-se explicitamente com Jeremias e Ezequiel, apropriando-se das características gerais das escrituras proféticas: oscilações selvagens de humor entre lamentação e esperança, confusão periódica entre a identidade do autor e a de Deus, o mandato para criar inquietação ao julgar as abominações da cidade, e uma imensa repetitividade necessária devido à dureza de coração do povo que não ouvirá.
- A escrita busca o efeito de dividir o leitor no coração e na medula, como o brilho do sol em uma cimitarra ou a espada na boca de Cristo em Apocalipse, convertendo o problema da crença e da recepção da profecia em um tema dominante do experimento, dado que o tempo da profecia bíblica passou e a lei foi cumprida, restando o desafio de renovar a aliança na Nova Inglaterra.
A Parábola da Escrita e o Cultivo do Campo
- O capítulo sobre o campo de feijão contém as versões mais abertas dos procedimentos escriturais do autor, onde o cultivo dos feijões não visa o consumo, mas serve como tropos e expressões para um criador de parábolas, tornando o ato de capinar uma metáfora direta para o ato físico e intelectual de escrever e fazer distinções invidiosas que dão vida a uns e morte a outros.
- A batalha contra as ervas daninhas é descrita em termos de uma guerra longa e mock-heroica (sátira heroica) contra troianos, mas essa paródia aponta para a própria criação de parábolas e moralizações sobre a natureza comuns na época, ao mesmo tempo que reflete um humor de desespero e irritação contaminado pelo militarismo americano e pela Guerra do México, que infectam até a percepção do horizonte.
- A colheita verdadeira da vida diária é descrita como intangível, como poeira estelar ou um segmento do arco-íris, contrastando com o fracasso das sementes de virtudes como sinceridade e verdade que, metaforicamente, não brotaram no solo social, levando o escritor a adotar a lamentação de Jeremias de que o verão acabou e não fomos salvos.
- A natureza é apresentada como algo publicado em abundância mas pouco impresso, onde a ocorrência de uma palavra ou objeto natural tem um ponto que reside além dele mesmo; a escrita como trabalho manual visa levantar essas palavras da trivialidade e fixá-las, conjecturando um sentido maior através da derivação de conclusões da justaposição de palavras que, isoladas, pareceriam mortas conforme a percepção de Wittgenstein.
A Contabilidade, a Falha do Experimento e a Linguagem
- O experimento do homem e da nação é diagnosticado como falho, pois não há Sião ou América verdadeira realizada, restando não mais o tempo de profetizar novidades, mas o tempo de prestar contas; as listas contábeis no livro são paródias dos métodos de avaliação americanos, mas também emblemas de uma honestidade matemática onde cada linha e marca deve ter integridade total e não omitir nada.
- A ambição literária de Walden é resgatar a palavra tanto da política quanto da religião, superando a exaltação americana da oratória e do sermão e a tentativa de Wordsworth de redimir a voz humana, assumindo a responsabilidade pela linguagem escrita como um sistema onde cada marca significa algo e carrega a convicção humana.
- A relação com Emerson é tratada através de uma marcação silenciosa que visa preservá-lo, mas também declarar que a escrita própria possui o poder de vida e morte, aludindo à visão de Ezequiel sobre marcar as testas dos que suspiram pelas abominações, refletindo a incapacidade dos escritores americanos de oferecerem uns aos outros a fé da amizade e a crença diária.
- A escrita heroica deve assumir as condições da linguagem como tal, reexperimentando o fato de que a linguagem existe e responsabilizando-se por ela até que a nação seja capaz de um discurso sério novamente; a palavra escrita deve demonstrar sua integridade e convicção através da permanência e do silêncio na página, provando que, se confiarmos nosso significado à palavra, ela suportará o peso que desejamos dar a ela.
- A incapacidade da cultura americana de acreditar em sua capacidade de produzir valores permanentes, exceto ela mesma, resulta em um superelogio e subestimação constantes de suas realizações, o que leva o autor a questionar como a escrita pode declarar fidelidade a si mesma e resgatar a linguagem em um contexto onde as vidas e a linguagem se traem mutuamente.
Ver online : Stanley Cavell
CAVELL, Stanley. The senses of Walden. Expanded edition. Chicago: the University of Chicago press, 1992.