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Esoterismo de Shakespeare
Paul Arnold – Um Manifesto Filosófico: Fênix e a Rolinha
Capítulo III
Em 1601, um certo Robert Chester publicou em Londres, mais ou menos clandestinamente, uma coletânea de poemas composta sobretudo de seu Loves Martyr, or Rosalin’s Complaint [1] (Mártir do Amor ou Lamento de Rosalinda) "perfilando alegoricamente a verdade do Amor pelo destino constante da Fênix e da Rolinha. Um poema entrelaçado de numerosas variedades e raridades; presentemente traduzido pela primeira vez do venerável autor italiano Torquato Caeliano [2] por Robert Chester, com a verdadeira lenda do rei Artur, o último dos nove bravos, sendo tudo o primeiro ensaio de um novo poeta britânico tirado de diversas relações autênticas. Ao que se acrescentam algumas composições novas de vários escritores modernos cujos nomes figuram sob seus diversos trabalhos relativos ao primeiro assunto, a saber Fênix e a Rolinha."
É em cabeça deste apêndice que, após uma invocação a Apolo assinada Vatum Chorus (coro dos poetas) e um curto poema anônimo, figura a célebre elegia de William Shakespeare sobre os funerais dos dois pássaros míticos. Ela é seguida de poemas de Marston, Chapman e Ben Jonson.
Esta coletânea de 195 páginas permaneceu até hoje para a crítica literária inglesa um dos mistérios mais irritantes. Quem era Fênix (em inglês a palavra é do feminino e o texto nos apresenta este ser mítico como uma jovem)? Qual era esta rolinha? Por que Shakespeare cantava seus funerais comuns, seu Amor e sua Constância? O que poderiam significar esses versos dos quais se disse que contêm talvez todo o segredo do poeta?
Eis o texto em tradução literal da elegia shakespeariana da qual darei posteriormente a explicação verso por verso:
Que a Ave de voz mais fortena árvore única da Arábiaseja o triste arauto e a trombeta:a seu chamado obedecei, asas castas!Mas tu, precursor uivante,Vil precursor do Adversário,augúrio do fim das febres,não te aproximes desta tropa.Desta assembleia proibide (a aproximação)a toda ave de asa tirânicaexceto à Águia, rei dos emplumados.Tornai os obséquios estritos.Que o padre em sobrepeliz brancaque sabe a música fúnebreseja o cisne profetizando a morte;senão o Réquiem falta de regularidade.E tu corvo (crow) velho como três vidas de homem,que fazes tua ninhada negracom o sopro (breath) que dás e tomas: entre nossos choradores deves ir.Aqui deve começar o hino:Amor e Constância estão mortos.Fênix e a Rolinha fugiramdaqui numa chama mútua.Eles se amavam tanto que o amor duplosó tinha sua essência no Um:dois distintos, nenhuma divisão,aqui o número era aniquilado no amor.Corações separados, mas não em doisdistância e não se percebeu espaço algumentre esta Rolinha e sua Rainha;mas neles era um milagre.Tanto brilhava entre eles o amorque a Rolinha viu a si mesmaflamejante no olhar da Fênix,um era o meu do outro.A propriedade estava a tal ponto espantadaque o ele mesmo não era o mesmoduplo nome da simples Natureza,que não era chamado aqui nem dois nem um.A razão por si mesma confundidaviu a divisão se interpenetrarentretanto que para si mesmos nenhum era nada.O simples estava tão perfeitamente compostoque se exclamou: como este único concordanteparece ser um verdadeiro duplo!Amor tem sua Razão, Razão não temse o que se separa pode assim permanecer (um).Sobre o que ela fez um canto fúnebrea Fênix e à Rolinha co-supremas e astros do amor,como coro de sua cena trágica.Beleza, Verdade e RaridadeGraça em toda simplicidadeaqui encerradas, jazem em cinzas.A morte é agora o ninho da Fênixe o seio leal da Rolinharepousa na eternidadesem deixar posteridade;não era por enfermidade:era a Castidade casada.A Verdade pode parecer, mas não pode ser,a Beleza pode se vangloriar mas não é ela,Verdade e Beleza foram queimadas.Que sobre esta urna se inclinemaqueles que são leais ou belos:por estas duas aves mortas, dizei uma prece.
As fórmulas abstratas, o estilo evidentemente alusivo da elegia não contribuíam mais para resolver o enigma que os desenvolvimentos consideráveis de Chester. Fiéis à sua paixão das identificações, editores e comentaristas de Shakespeare e de Chester exerceram sua imaginação para construir retratos por meio de todas essas metáforas. Como para a Cynthia de Chapman, as preferências foram para a rainha Elizabeth e o conde de Essex. Mais recentemente Mme Longworth-Chambrun acreditou poder concluir que a coletânea de Chester era uma "dessas publicações clandestinas, cujo único objeto era apresentar ao público, sem atrair a atenção da censura, a muito bela elegia de Shakespeare". Parecia-lhe que os "episódios que ele trata nada têm a ver com os trechos que o precedem ou que o seguem" e que a Fênix shakespeariana deve ser identificada com a única mulher-mártir católica das perseguições de Elizabeth, uma certa Anne Lyne enforcada em fevereiro de 1601 juntamente com o padre recusante que tinha sido surpreendido dizendo a missa em sua casa e que seria bem bem a Rolinha [3].
A verdade é bem diferente. A morte e a ressurreição da Fênix era, na época, um dos símbolos esotéricos mais difundidos. Deu lugar a toda uma literatura iluminista onde figura precisamente toda a imagética e número de fórmulas que Shakespeare e Chester retomaram por sua conta.
Com efeito, em 1617, Michael Maier publicou um poema latino alegórico no qual a Fênix, queimando sobre sua pira, defende a Alquimia ou a Ave-Noite (Noctua) contra toda sorte de tolos e ignorantes simbolizados por diversas raças de volatílias. Cinco anos mais tarde, em 1622, apareceu em Roma, sob sua assinatura, um poema mal menos longo que o de Chester e cantando, como ele, a morte e a ressurreição da Fênix. Este texto [4] nos entrega, com seu sentido e tendências, todos os símbolos, emblemas e equivalências filosóficas que tinham adotado Shakespeare e seus amigos. À luz deste paralelo que vou dever aprofundar no detalhe, a coletânea de Chester nos aparecerá como um verdadeiro manifesto coletivo da doutrina e dos mitos iluministas.
Em alguns versos liminares recordando estranhamente o prefácio à Sombra da Noite de Chapman, Chester anuncia que cantará "o terno conceito" (conceit) e de pronto ele se dirige aos pesquisadores do Conhecimento: "Vós cujo pensamento persegue o trabalho mais profundo — vós cujos juízos são sempre governados pela Arte" (alquímica, bem entendido; só ela tinha então direito a este título, e a palavra com este sentido preciso percorria todos os manuais ocultistas) "lêi com gravidade o que ledes aqui, estas reflexões que vão seguir, formadas de puro amor, abandonando o erro." Quanto aos outros, aos não iniciados: "Vós cuja imaginação obscurecida — e o erro cegamente concebido não tem conhecimento — da verdadeira designação das ervas e das árvores", isto é, do poder alquímico, "mas que credes que o que será mostrado aqui é uma fábula — aprendei mais, procurai muito e encontrareis seguramente — a verdade plena e pura; e o Conhecimento vem depois".
Este Conhecimento misterioso, nós o sabemos bem, é o amor verdadeiro, o fogo do amor místico que conduz o homem à iluminação espiritual.
De igual modo Maier faz em sua Cantilena a separação entre os iniciados e os não-iniciados que não conhecem o verdadeiro segredo deste fogo no qual queimará a Fênix: "Todo o segredo desta arte" isto é, a Alquimia, "consiste unicamente no Fogo. Longe deste Fogo, profanos! exclama ele: retirai-vos, vulgares insensatos, com receio que esta chama sagrada não vos ilumine e que vossa boca impura não torne públicos seus mistérios que é conveniente manter ocultos". "Esta chama maravilhosa é bem conhecida dos sábios. Quando se a ignora, ignora-se tudo. Vós que desejais haurir nas fontes fecundas da ciência, não permitais que este Fogo secreto seja manifestado" (divulgado).
Após estas precauções de uso em alquimia, Chester nos faz assistir a "o lamento de Rosaline aplicado metaforicamente à Dama Natureza durante uma assembleia realizada" (na Alta Câmara estrelada ou Céu) "pelos deuses para a preservação e o desabrochar da bela Fênix da Terra". Pois, como em Lyly, como em todos os cabalistas, é a Natureza que é o Criador dos quatro elementos (criação manifestada) e o depositário do segredo de nossa vida espiritual; "eu sou, lhe faz dizer Chester, Dama Natureza que primeiro te deu a vida (breath, sopro)", (a ti, Fênix). É a Natureza que lhe compete defender sua obra maior, esta Fênix, "maravilha de nosso tempo terrestre" mas que, ela o receia, "vai morrer — e jamais mais renascerá de suas cinzas — outra ave que iguale sua opulente beleza". Esta "vila terra" de onde a Fênix quer fugir para não morrer de desespero, não produz o "fogo" de perfeição: "os fogos da Arábia são demasiado obscuros e vis — para fazer em seu lugar outra primavera" por mais "excelente" que a Natureza seja "em sua Arte". O leitor compreendeu que a Fênix não é outra que a alma humana, Psiquê acorrentada ao corpo, "vila terra". É por isso que a Natureza reclama para ela a "piedade" do celeste sinédrio e antes de tudo de Júpiter "Regente temido destes Elementos", uma designação que desde Tritêmio nos é familiar. Seduzidos por seu discurso que ilustra uma "imagem pintada" da ave, bordado em rico ouro da Arábia, os deuses decidem que a Fênix não morrerá sem "que outra Fênix surja de um novo fogo". "Vai para lá, diz Júpiter, toma o carro de Febo — atravessa o céu e deixa a Arábia — deixa esta parte do ar estéril que faz mau serviço —, deixa as planícies da branca Britânia", a terra e sua vida corruptível que não tem "fogo para fazer levantar esta chama" do amor místico, condição da redenção da alma. Com a Fênix vai para "a ilha de Pafos", "paraíso" "formado à semelhança desta abóbada celeste". Lá, "verás um segundo amor de Fênix" "no lugar onde sobre uma alta colina ele encontrará" a Rolinha, tal como Psiquê, recordamo-nos, encontrou Cupido, "cujo olhar de chama mata", dizia Heywood. Eles queimarão juntos no fogo do verdadeiro amor, "e de suas cinzas por meu juízo se erguerá — uma outra Fênix que igualará esta".
E eis que se cumpre a profecia de Júpiter. "Destino, (ó Fênix) quer tua glória em teu renovamento — e sobre tua cabeça emplumada ele porá uma coroa" mística, suprema iluminação no "céu muito alto". Eis o fim de seu "estado meio podre e vacilante" onde ela vivia "desesperada e infortunada em sua juventude". Eis que ao som de uma música celeste, a Natureza lhe revela os altos segredos da alquimia que "valem bem um reino". Eis que ela reconhece diante do aviltante amor terrestre "o amor sagrado, Santo religioso — só prazer dos homens, de gosto de mel… todo nosso tesouro de palavras, tesouro da alma — que controla os grandes poderes celestes… o amor perfeito (que) leva (a alma) longe de todo enfado". E eis enfim, nesta ilha paradisíaca, a Rolinha "buscando seu amor".
"É pois lá, exclama a Fênix maravilhada, o exemplo do coração fiel? — É lá o tutor (paragon) da bela Constância? É o tesouro do Amor, a pena do Amor?" "Pelo amor de ti, diz ela à Rolinha, deixei a Arábia — pois seus fogos não têm a substância criadora". Uma vez que isto é o amor eterno, "eu te ordeno por tua ternura — e pela perfeita obediência que me deves, — que te preserves, querida ave, especialmente — de todo pensamento impuro e da castidade manchada, — pois devemos juntos penetrar neste fogo — que não queimará senão por desejo de amor". E eles preparam com zelo o ninho de chamas que deve consumi-los; e cada um quer nele penetrar primeiro a fim de poupar ao outro o sofrimento deste sacrifício: "Não me rejeites, Fênix, geme a Rolinha, é preciso — que eu seja teu parceiro nesta alegre tragédia". Então, sob os olhos do Pelicano que portará testemunho eles se consomem ambos em "o santo, o sagrado, o puro fogo perfeito": "Aprende, tu, mundo corrupto, aprende, ouve e vê a fiel, a imaculada, a sincera amizade!" E, coroamento deste sacrifício místico, o Pelicano canta os dois "mártires do amor que se lançaram no fogo para que nasça uma criatura mais perfeita". Aqui "um dá a beleza, outro o amor e a castidade, um a raridade espiritual, outro a ternura, um a virtude, outro a constância", a fim de que nasça "o amor verdadeiro, o puro amor que não pode ser quebrado". Termos que já se leram na elegia de Shakespeare.
Deste mito, Maier em sua Cantilena, nos explica longamente a significação filosófica e alquímica. "Vou, diz ele, cantar a natureza e as propriedades do Fogo que serve à Fênix de pira e de berço onde retoma uma nova vida". Este fogo "tira suas origens da montanha mais elevada que há sobre a terra, e que só produz flores, Cinamomo, Açafrão e outras ervas odoríferas", descrição bem conhecida da alta montanha onde Cupido desposou Psique. "Este fogo é a fonte de toda luz que ilumina este vasto universo: é ele que dá o calor e a vida a todos os seres… Uma chama cujas arduras queimam sem nunca consumir" como acontece com a chama do verdadeiro Cupido. "É um espírito benfazejo que dá a forma intrínseca a todas as coisas, e que sutiliza todos os corpos". Este "fogo que é conhecido de todos os adeptos" da arte alquímica e do qual Maier cita um número impressionante de equivalentes químicos ("água salgada do mar destinada a cozinhar nosso peixe e a dar-lhe uma bela tintura vermelha", "liquor de um gosto acre e de um odor desagradável", etc.), este fogo que resolve toda coisa "em seu cabos", é "o fogo sagrado que Prometeu trouxe sobre a terra, e que Orfeu ensinou aos Gregos estabelecendo entre eles as festas de Baco. É este fogo figurado pelas tochas ardentes que as Bacantes portavam em suas corridas". Por outras palavras, é a alta sabedoria, eleusiniana, o fogo bacólico da iluminação dispensada pelo hierofante, a razão e a inteligência supremas, o fogo do Espírito Santo; é a iluminação da alma que, graças a isso, obtém seu retorno a Deus já nesta vida.
Quanto à Fênix, ninguém, diz Maier, ignora sua origem: "Ele percorre todas as regiões do universo... É a pedra mais conhecida, que a maioria dos sábios dá bastante a entender aos Filhos da Arte e que eles ocultam àqueles que buscam aviltá-la". Por outras palavras é a Pedra Filosofal, Azoth dos alquimistas, o espírito puro, quintessenciado, angélico dos cabalistas, é a perfeição espiritual que o Sábio extrai de sua alma bruta pelas operações da grande obra com o socorro do "fogo" ou amor místico, seu mediador. É a alma humana regenerada progressivamente, através de todos os estágios da evolução espiritual ou regiões do universo, longe da Arábia, nossa terra de desolação e obscurantismo.
Ela tem na linguagem dos iniciados ao menos tantos nomes diferentes quanto o "fogo" místico. Entre os que alinha Maier observo antes de tudo os do "cisne branco", do "pavão de plumas douradas", do "pelicano, que ao preço de seu sangue resgata seus filhotes da morte". (Shakespeare e Chester recorrem a estas metáforas), aquele enfim da "serpente entrelaçada em volta do caduceu de Mercúrio de que se serve este mensageiro dos deuses para enfrentar milagres, dando e tirando o sono (de morte), restituindo a vida aos mortos e portando a morte no seio dos vivos": morte do corpo, vida da alma.
Assim o símbolo é claro: "Mal a Fênix, prestes a tornar-se presa das chamas, para recomeçar outra vida, se rendeu a Tebas sobre o altar do Sol, que, despindo-se de si mesma, perece no fogo. Neste estado é ela vítima da morte? Não, é uma nova Fênix que se vê renascer; de sorte que por um prodígio inaudito esta ave é a si mesma seu próprio túmulo", suas "cinzas encontram uma vida mais perfeita e um novo vigor no seio mesmo da morte". Alegoria impressionante da doutrina tradicional: a iluminação é uma morte da primeira vida, aquela na qual nascemos, e uma ressurreição, um nascimento para a vida superior, uma "segunda nascença": é por isso que os brâmanes, e com eles todos os iniciados da tradição clássica, se chamam os "duas-vezes-nascidos".
É também por isso que "nestes augustos funerais" descritos por Maier, "não se vê aparecer Urna funerária como naqueles dos Atridas" asservidos às paixões terrestres. Bem ao contrário, é a alma regenerada, Fênix renascendo, que "é desta terra (de que é) formado o vaso de Hermes", o vaso do ensino hermético, o qual, tal como o amor da Fênix e da Rolinha em Chester, "não pode ser quebrado", pois esta "terra" "é à prova do fogo e nunca se fende". "É o que a faz pesquisar com tanto cuidado, (pois) é esta única coisa que dá a tudo o que existe a forma, o vigor e a beleza". Shakespeare se apropriou de todas estas metáforas certamente tradicionais.
Em resumo pois, a Fênix simboliza, aos olhos dos iluministas, a alma pesquisando a suprema iluminação, se regenerando nas chamas do amor místico ou divino, morrendo para a vida terrestre e corrompida para renascer para a vida espiritual e perfeita [5].
Possuímos assim a maioria das chaves que vão nos permitir penetrar o sentido da elegia shakespeariana [6].
O milagre, é que não se poderia mais habilmente, mais artisticamente e ao mesmo tempo mais exatamente resumir toda a doutrina e toda a emblematística exibidas por Chester e Maier. As poucas estrofes curtas de Shakespeare são talvez a obra-prima da concisão e ao mesmo tempo da precisão técnica. Ademais, não só o dramaturgo por natureza não pôde deixar de repensar dramaticamente toda esta filosofia, mas nos entrega de uma só vez um fragmento de uma liturgia oculta da qual as Núpcias Químicas nos conservaram talvez o conjunto.
1. Que a ave de voz mais fortena árvore única da Arábiaseja o triste arauto e a trombeta:a seu chamado obedecei, asas castas.
Estamos no último ato da "alegre tragédia", aquele onde a Rolinha de Chester pede à Fênix "ordenar o que ela quisesse". A Fênix responde como aqui: "Então eu te ordeno, pela absoluta obediência que me deves" de te guardares casto e de entrares comigo "neste fogo". A Fênix é o arauto desta tragédia porque anuncia seus começos sangrentos: "Envia, (grande Apolo), lhe faz dizer Chester, tua luz doce e quente neste bosque (do ninho) que receberá o sacrifício do sangue".
2. Mas tu, precursor uivante,vil precursor do Adversário,augúrio do fim das febres,não te aproximes desta tropa.
Shakespeare faz aqui alusão a um aspecto do mito desenvolvido por Chester e Maier e que para não complicar a exposição não recordei em seu lugar. Chester, no início da peregrinação da Fênix voando para Pafos, empresta a Vênus uma invocação a Jeová e a seus anjos aos quais se opõe "Satã" "o vil e indomado Leão que ruge sem cessar" e que só Deus "o Pai celeste pode amordaçar". De igual modo Maier, por todo o seu poema a três vozes, dá a palavra ao "Leão terrível em sua cólera", ameaçando matar a alma humana. É à mesma metáfora que recorre aqui Shakespeare proibindo a aproximação a "o precursor uivante, vil precursor do Adversário", cujo rugido, nos ensinava Fludd, é justamente o sinal da próxima apocalipse, o anúncio do fim do mundo e de suas febres [7].
E concebe-se que o Adversário deva ser afastado da obra de redenção. Falando "desta tropa", Shakespeare nos aprende que o casal Fênix-Rolinha não está só. Ele nomeia nas três estrofes seguintes alguns dos personagens do cortejo fúnebre:
3. Desta assembleia interditai (a aproximação)a toda ave de asa tirânicaexceto à Águia, rei dos emplumados.Tornai os obséquios estritos.4. Que o padre em sobrepeliz brancaque sabe a música fúnebreseja o Cisne profetizando a morte;senão o Réquiem falta de regularidade.5. E tu, corvo velho como três vidas de homensque fazes tua ninhada negracom o sopro que dás e tomas,entre nossos choradores deves ir.
Já recordei que a literatura rosacruz pululava de uma emblematística de aves: Maier lhe consagrou um pequeno livro precedido de uma vinheta onde a Fênix sentada em sua brasa, com a ajuda do só Abutre, defende Noctua, a Alquimia, contra todas as outras aves; pois o Abutre, explica Maier, é "naturalmente aparentado a Noctua". De igual modo em sua Cantilena, ele nos aprende que o Fogo é entre outros um abutre que no cimo de uma montanha faz seu ninho sobre uma árvore, donde o pequeno emplumado que dele sai, é um corvo, que dia e noite clama em alta voz: Dai-me o que me é devido, e eu vos restituirei o que vos pertence", por outras palavras: abandonai-me a vida corruptível que é meu feito, e obtereis a vida do espírito que é vossa verdadeira natureza. Já entrevíamos um primeiro elo entre o corvo e a tragédia da Fênix.
Uma página de Agnostus seguindo de perto a alegoria do leão devorador nos esclarecerá completamente. Logo que o leão, tocado pela flecha de Cupido se atirou no Poço aberto, um corvo dele escapa e vem se assentar no telhado. Lá, ele se transforma logo seja em pavão, seja em cisne ou em alguma "outra ave de raça desconhecida" (Fênix). Intrigado, o herói escala o telhado e percebe no ninho uns bonitos jovens pássaros mortos: o corvo lhes tinha estraçalhado a cabeça. Ele desce a fim de o afugentar, quando sobrevém a mãe dos pequenos. É um volatílio desconhecido (o pelicano) que se queixa da morte de sua progênie e se fere o peito: o sangue corre no ninho e, com o socorro do calor solar os pequenos voltam à vida (nova metáfora da grande obra).
Podemos desde então reconstituir o mito do corvo que Shakespeare deve ter emprestado às doutrinas ocultistas: oriundo do princípio destruidor (o leão) e ao mesmo tempo do princípio vital (o fogo ou Abutre), ele mata os pequenos que, sob a forma do pelicano, ele restitui à vida alimentando-os de seu próprio sangue. Assim, ele cria e destrói por sua vez a raça manifestada, como o corvo de Shakespeare "dá e toma o sopro" à enge negra ou terrestre. Também, este corvo que "clama dia e noite em alta voz" (Maier) participando da obra da criação mais que da do salvação, deverá "ir entre os choradores".
Quanto ao Cisne branco, Maier o cita expressamente entre os nomes metafóricos da Fênix, lado a lado com o pavão e o pelicano. Suas relações com o canto fúnebre reconduzindo a alma para a harmonia, são demasiado conhecidas para que seja preciso insistir.
Resta explicar por que na elegia de Shakespeare, entre as aves de rapina, só a Águia, é admitida aos obséquios. Aqui encontro ao menos um texto de Maier cujo enunciado todavia prova que existia toda uma literatura alquímica da águia. Este texto, que nos fornecerá muitas outras chaves, descreve um mito da procriação no plano cósmico pela união da mulher e do dragão. "Por dragão, explica Maier, entende-se aqui o elemento terra e o elemento fogo e por mulher aquele do ar e da água… (Mas) a mulher ou a Águia, é a água aérea que alguns chamam a águia branca ou celeste e que se esforçam por fabricar com do vulgar mercúrio ou dos sais sublimados, o que demonstra, assegura ele, sua cegueira." Assim a águia de Shakespeare é, como a rolinha de prata de que fala um momento dado Chester, um estado da alma no caminho da perfeição [8].
6. Aqui deve começar o hino:Amor e Constância estão mortos,Fênix e a Rolinha fugiramdaqui numa chama mútua.
"Antheme" — as traduções francesas dão geralmente: Antienne, o que é um falso sentido — é proveniente do anglo-saxão antéfon ou antífona. O termo designa etimologicamente um canto hínmico alternado. Shakespeare faz portanto alusão ao hino das aves admitidas ao cortejo fúnebre. Este hino ressoa após o cumprimento do sacrifício: o fogo devorou a Fênix e a Rolinha, padrões da Constância e do Amor, como nos ensinou Chester e como quer o sentido profundo do mito. A "chama" do amor místico os devorou, pois eles juraram "se destruir juntos neste fogo que só queima por verdadeiro desejo de amor", "chama mútua" por excelência. Sabemos que isso significa a união mística da alma com seu princípio, a iluminação no fogo celeste onde eles "se fugiram", diz o poeta para bem marcar a resolução deliberada.
Toda a sequência da elegia não é senão um desenvolvimento desta ideia de fusão no divino por meio do sacrifício.
7. Eles se amavam tanto que o amor duplosó tinha sua essência no Um:dois distintos, nenhuma divisão,aqui o número era aniquilado no amor.
Não se poderia acumular em quatro pequenos versos mais termos filosóficos e fórmulas tradicionais do iluminismo. A oposição do Um e do Múltiplo (interpretação plotiniana da filosofia de Platão) desaparece, nos diz Shakespeare, na união mística do amor: aniquilamento do número (termo platônico) e da divisão ou do fracionamento (amor duplo, dois distintos); restabelecimento da essência primordial e única: o Um.
8. Corações separados, mas não em dois (asunder)distância e não se percebeu espaço algumentre esta Rolinha e sua Rainha;mas neles era um milagre.
É deste mesmo milagre que nos falam os outros autores da coletânea, Chester, pelo truque do Pelicano ("viste o verdadeiro milagre do mundo?"), Marston ("o milagre da profunda contemplação"). Este milagre, é a união do que parecia "separado", o reconhecimento da unidade da essência, a comunhão em Deus, como dizia Ben Jonson, a supressão do "espaço" entre os Múltiplos.
9. Tanto brilhava entre eles o amorque a Rolinha se viu ela mesmaflamejante no olhar da Fênix,um era o meu do outro.
Todas estas fórmulas se reencontram quase textualmente em Chester: "Tu serás eu mesmo, meu amor perfeito — tua mágoa é minha, tua dor é minha comunhão (mone)", diz a Fênix; e a Rolinha: "O primeiro, querida ave, eu me esvaecerei em teu olhar" lançando-me no Fogo. Toda limitação, todo semelhante-dessemelhante, todo meu-teu desaparece na união mística. É por isso que:
10. A propriedade estava a tal ponto espantada (aniquilada)que o si-mesmo (self) não era o mesmo (same),duplo nome da simples Natureza,que não era chamado aqui nem dois nem um.
Novo empréstimo à filosofia platônica mais clássica: o "mesmo" e "o outro", fórmula usual para designar o Um ou semelhante e o Múltiplo ou dessemelhante. Uma vez que estes seres atingiram a perfeição e a união com Deus já nesta vida, sua aparência dupla (nome) na Natureza-Um não é destruída, mas é de fato já transcendida pela iluminação: "nem dois nem um". Esta confusão da "propriedade" escapa à razão dialética.
11. A razão por si mesma confundidaviu a divisão se interpenetrar [9]entretanto que para si mesmos nenhum era nada.O simples estava tão perfeitamente composto12. que se exclamou: Como este único concordanteparece ser um verdadeiro duplo!Amor tem sua Razão, Razão não temse o que se separa pode assim permanecer (um).
É bem conhecido que a união mística é impensável e inconcebível para a razão humana. Todos os grandes místicos — e à sua suite Ben Jonson no poema citado — asseguram que só o coração permite penetrar este estado espiritual onde os seres e as coisas distintos são transcendidos ("nenhum era nada", diz Shakespeare), onde todas as fronteiras entre as almas e o céu são apagadas ("a divisão se interpenetra") para além da aparência do "composto" ou "duplo" ou "separado" doravante "concordante", "só", um.
13. Sobre o que ela fez um canto fúnebrea Fênix e à Rolinhaco-suprêmes e astros do amor,como coro de sua cena trágica.
A "cena trágica", nós a conhecemos: é "a alegre tragédia" de Chester, o sacrifício mútuo das duas aves. O coro é formado por todas as outras volatílias que assistiam e contribuíam alquimicamente à morte-ressurreição ou regeneração da alma Fênix-Rolinha que, em estado de união mística, são efetivamente "co-suprêmes e astros do amor". Voltarei ao "canto fúnebre".
14. Beleza, Verdade e RaridadeGraça em toda simplicidadeaqui encerradas jazem em cinzas.
Aqui Shakespeare reencontra na letra uma passagem de Chester. Este pelo truque do Pelicano nos aprende que, dos dois amantes místicos, "um dá a beleza, outro o amor e a castidade, um a raridade espiritual, outro a ternura, um a virtude, outro a constância". São as virtudes cardinais do homem no caminho da perfeição, como são as do Cavaleiro da Cruz Vermelha em Spenser ou de Christian Rosencreutz nas Núpcias Químicas. Nesta última obra, por exemplo, o guardião entrega a Rosencreutz, à entrada do Castelo mítico, uma medalha cunhada com a palavra "Constantia", e a prova decisiva consiste em uma pesagem, com o objetivo de saber quem é o mais pesado em virtudes. Todas estas qualidades sublimadas pelo fogo sagrado estão, como cinzas, encerradas na urna de que Shakespeare falará mais adiante.
15. A morte é agora o ninho da Fênixe o seio leal da Rolinharepousa na eternidade16. sem deixar posteridade;não era por infirmidade:era a Castidade casada.
Esta morte é o fim da vida obscura, da vida do não-iniciado, é uma ressurreição da alma no ninho-Fogo ou Limbo do Espírito. Contrariamente ao Corvo que cria a enge negra ou seres formais, a união mística liberta a alma do mundo da geração. Este casamento, é o casamento com o céu, que preserva a castidade do corpo e da alma, o casamento com "a eternidade".
17. A Verdade pode parecer, mas não pode ser,a Beleza pode se vangloriar mas não é ela,Verdade e Beleza foram queimadas.
Por esta fórmula um pouco hermética Shakespeare põe em paralelo qualidades e virtudes aparentes, ilusórias, do mundo perceptível, e aquelas, reais, da transcendência: enquanto as primeiras não são senão uma aparência ("parecer") e uma vaidade ("se vangloriar"), e por conseguinte não são e não podem ser, as segundas, atributos do iluminado, do duas-vezes-nascido, do homem queimado no fogo místico, existem só, metafisicamente: como o iluminado ele mesmo, suas virtudes supremas foram queimadas no fogo do Espírito e dessa sorte foram purificadas, transcendidas.
18. Que sobre esta urna se inclinemaqueles que são leais ou belos:por estas duas aves mortas, dizei uma prece.
É, ao fim do treno, o apelo aos eleitos que devem se inclinar diante da urna da vida (que encontramos em Maier e em "Ignoto", assim como em Chester) onde estão encerradas as "cinzas" do casal, sua alma regenerada. Para que o "milagre" seja perfeito, é preciso que todos os eleitos cooperem à grande obra da redenção alquímica, que todos "aqueles que são leais ou belos" como o casal fênix-rolinha se unam a ele misticamente [10].
Aparece portanto claramente que a misteriosa elegia não é senão um resumo, aliás brilhante, das ideias iluministas que exibem o longo poema de Chester e o resto da coletânea. Todas as suas fórmulas são técnicas; todos os seus mitos são emprestados à tradição alquímica e ocultista mais corrente. E seria vão procurar nela alusões a eventos ou a contemporâneos.
Esta peça do dossiê nos fornece ademais a prova irrefutável que Shakespeare aderia ao iluminismo em honra no grupo Raleigh. Iremos encontrar outros testemunhos não menos certos em várias obras dramáticas cujo sentido verdadeiro nos tinha escapado até o presente dia.
Ver online : Paul Arnold
ARNOLD, Paul. Ésotérisme de Shakespeare. Paris: Mercure de France, 1955.
[1] Encontrar-se-á em apêndice a análise dos dois grandes poemas de William Shakespeare: Vênus e Adônis e O Violo de Lucrécia. Infra, p. 259.
[2] O editor do texto inglês, A. B. Grosart (The New Shakespeare Society, 1878) estabeleceu que os poemas de Lívio Celiano (e não Torquato Coeliano) mal têm relação com o lamento de Chester, mesmo pelo tema.
[3] Apoiando-se na dedicatória de Chester "ao afeto e ao mérito deste realmente nobre cavaleiro Sir John Salisbury", M. Martin Maurice (William Shakespeare) adotando aliás a opinião corrente, assegura: "A ternura mútua dos dois esposos que encontra sua expressão perfeita no nascimento de sua filha Jane, é apresentada" no poema de Chester "sob as espécies da fênix (o amor) e da rolinha (a constância)". Para este autor como para todos os outros comentaristas, a obra do poeta inglês "é muito desconexa".
[4] Cantilene intellectuelles de Phenice redivivo, que citarei na excelente tradução de Le Masurier (Paris, 1758).
[5] De seu lado Andree nas Núpcias Químicas de Christian Rosencreutz nos transmitiu uma outra versão do mito da fênix onde subsistem vários elementos recolhidos por Chester e Shakespeare. Resumirei mais adiante a cena dos "obséquios" dos "reis" que é como o esquema ritual da ação trágica descrita pela elegia shakespeariana. Em outro lugar, descrevendo as últimas fases da grande obra na ilha Olympia, Andree nos faz assistir à fabricação do ovo de onde nascerá a Fênix; os eleitos a matarão, a queimarão e, com uma pasta feita de suas cinzas, formarão os homunculi, casal real, reencarnado, isto é, o homem regenerado.
[6] Em anexo ao poema de Chester figura primeiro além da elegia de Shakespeare, um poema anônimo (assinado Ignoto). Ele recorda a Unidade originária e a unidade da Fênix que, se assim queima "ritualmente", "alimenta a vida" da nova fênix, pois "suas cinzas preciosa-morte enchem uma urna preciosa-vida". Marston, em um poema demasiado longo, descreve a apoteose do casal Fênix-Rolinha cuja progênie é o extrato da mais divina Essência, a alma da Quintessência, obra do céu, "tão firme e constante como a Eternidade" só pode designá-la "o milagre da profunda contemplação". Após uma contribuição bem pesada de Chapman, Ben Jonson nos dá em versos alegres a mais admirável análise da misticidade. A Virtude, diz ele, não basta; "pois nenhum peito é seguro ou puro, nenhum que não procure alguma via de acesso" ao pecado. Precisamos apostar "uma sentinela de Pensamentos para velar diante de nossos olhos e ouvidos, portas da inteligência, a fim de que nada de estranho ou hostil se insinue em nós." Em contrapartida "o coração, nosso espião, dá instantaneamente o Conhecimento", enquanto que "a razão, rei de nossas afecções" é "nossa mais segura polícia para asservir nossos sentidos" e faz a separação entre "o desejo cego" "inconstante como o mar" e "o verdadeiro Amor, Essência fortemente doce e una. Pura, perfeita, não: divina: uma cadeia de ouro descendo do céu" que "une os espíritos doces e suaves, em nós iguais", pois "em uma unidade calma e semelhante a Deus, ela preserva a Comunhão". Tal é o milagre que operam a Fênix e a Rolinha que morrem castas — Shakespeare assim como Chester insistirá — pois "sua castidade é antes necessidade" não por causa da abstinência que imporia um voto, ainda que esta possa procurar um ganho ao espírito, mas por causa de "a graça do amor de uma Fênix, uma beleza de clara, de cintilante Luz, que da Noite faria um Dia".
[7] De igual modo no Raptus Philosophicus, parábola rosacruz de Agnostus, o eleito progredindo no caminho da iniciação rosacruz encontra primeiro um "leão terrível" que faz menção de devorá-lo. Mas como o sábio não teme este monstro, Cupido, vindo em socorro do eleito, puxa uma flecha que atinge a fera em pleno coração. O Leão irá se afogar no Poço da Vida.
[8] "os obséquios estritos" e o "Réquiem", p. 138, n. 1.
[9] Grow together, intraduzível em francês, literalmente: crescer-juntar para tornar-se um.
[10] É provável que o cenário e a ação mesma sejam um empréstimo. Sem que seja possível fazer uma equação entre as duas alegorias, recordarei este episódio das Núpcias Químicas de Andree a muitos respeitos comparável. O episódio se situa no dia seguinte à "decapitação" dos "reis" pelo "Mouro" ou príncipe do Mal vestido de negro, na véspera da partida dos eleitos para a ilha Olympi onde procederão à grande obra da ressurreição dos "reis", isto é, à regeneração de sua alma pelas últimas provas. O episódio é assim descrito: os corpos decapitados foram deitados em caixões que — Rosencreutz só o perceberá — serão transportados sub-repticiamente a Olympi. Lá servirão à fabricação da fênix, de cujas cinzas sairá o casal real, reencarnado. Mas no dia seguinte à decapitação, os eleitos assistem, no cemitério do castelo, a falsos funerais. Os caixões que, creem eles, contêm os corpos dos supliciados são portados em grande pompa ao som de uma música fúnebre no meio do cemitério acima do qual flutua um grande estandarte portando a imagem da fênix. Seis sepulturas são abertas sob um coreto cujo teto é portado por sete colunas e sobremontado por uma coroa maravilhosa. Os eleitos vestidos de negro seguem em prantos os caixões sob a condução da "jovem donzela" (virgo lucifera) que regra estritamente o cortejo. Os caixões são portados em terra, os eleitos desfilam diante deles em uma ordem severa, pedras tumulares são postas como se os supliciados estivessem mortos para sempre. Os eleitos se recolhem diante das sepulturas, então a jovem donzela lhes dirige uma alocução exortando-os a manter seu juramento de fidelidade e a ajudá-la no cumprimento da grande obra.
As diversas fases desta cena alegórica recobrem aquelas da cena shakespeariana, e o papel da fênix aí é essencial, pois os corpos ensepultados em efígie farão nascer a ave mítica ao término de operações espirituais.