Litteratura

Página inicial > Artes Cênicas > Nancy (Scène) – questão do corpo na encenação

Nancy (Scène) – questão do corpo na encenação

segunda-feira 30 de junho de 2025

E como tu mesmo indicas, sem que eu te tenha solicitado nesse sentido (se bem me lembro da minha primeira carta), trata-se de uma questão de "corpo". Não insistirei muito nessa palavra, em relação à qual conheço tuas reticências ou resistências.

(Sem dúvida há aí, entre o calvinismo que evocas e o catolicismo que eu poderia evocar, assim como provavelmente entre um helenismo e outro – digamos, por dispositivo sinalético, "Platão"/"Aristóteles" – ou entre um judaísmo e outro – "Torá"/"Cabala" – uma linha de divisão extremamente complexa sobre a qual se fratura e se sutura toda a nossa tradição: a linha do "corpo", o traço da "figura", a delimitação, também, da "cena". Poder-se-ia muito bem mostrar como tal linha organiza por toda parte uma divisão e uma síntese íntimas de todas as nossas identidades ou ipseidades: por exemplo, para ir às figuras mais visíveis, as denotadas por "Dante Dante Dante, Alighieri (1265-1321) ", "Montaigne", "Rousseau", "Hegel", "Mozart", "Picasso", e para voltar ao teatro, toda essa história do teatro que desde os anos 1920 se dividiu segundo a dupla polaridade de um recuo sobre o texto, de tipo "oratoriano", por assim dizer, e de uma exibição ou exaltação corporal indo até a gesticulação e a vociferação. Artaud, claro, está no cruzamento, ou na cruz, com, mais uma vez, Beckett Beckett BECKETT, Samuel (1906-1989) . Mas seria preciso também se voltar para Shakespeare Shakespeare William Shakespeare (?-1616) .)

Posso, portanto, conceder-te muito sobre a espessura do "significante" corpo (e de todos os "corpos significantes"), sobre sua pesada oposição a uma "alma" não menos pegajosa. Resta que, de fato, para mim, "corpo" ainda é o menos inadequado para designar essa extensão figural do ser sem a qual, simplesmente, o ser não seria (e sem dúvida, ele não é, como diz Heidegger; mas quero dizer, tu compreendeste: sem a qual ele não faria ser o ente).

"Corpo", ou seja, já cena. O arqui-teatro que visas me parece ter necessariamente a ver com esse mínimo de Inszenierung ou Darstellung que é a enunciação de um texto – ou talvez melhor dito, que é o texto enquanto se enuncia ou é enunciado. Mínimo que aliás é talvez desde já um máximo – que, em todo caso, constitui talvez o transcendental ou o axiomático de toda "encenação", e por isso de todo "espetáculo". Segundo um motivo um pouco obsessivo para mim, essa extensão se figura [...] de maneira privilegiada na abertura de uma boca que fala, canta ou grita (ou ri). Claro, pode haver aí imediatamente algo de grandiloquente (é o caso ou nunca de dizê-lo!). É um risco, parece-me, inevitável, com o qual sem dúvida não se pode deixar de se medir e negociar. Resta que não se pode prescindir da boca que profere – pois ela já profere no próprio texto escrito (e eis, talvez, onde não há contradição entre dois aspectos ou vertentes das declarações de Aristóteles).

A esse ponto, devo acrescentar que o motivo da opsis recua, de fato, para uma certa secundaridade, ou melhor, que ele mesmo se transforma num motivo do tato (que também me obseda um pouco). Se quiseres, e para contrair a coisa com a ajuda da assonância, a boca toca – eis, para mim, a "cena primitiva" (outro nome para o arqui-teatro). Ou: o que, de um texto, pode tocar, é forçosamente a boca que o profere, por onde ele se profere. Mas seria preciso mesmo dizer: a boca que ele é, ele, o texto.

(Colocar-se-ia aqui toda a questão do texto de teatro como tal, de seu eclipse hoje, do sentido das encenações de textos não escritos para o teatro enfim, do que faz que um texto seja "teatral" ou não, ou seja, sem dúvida do que faz que ele já se encenou a si mesmo em sua "textualidade", e que é apenas por isso que ele pode ser representado, e mesmo que ele exige sê-lo.)

Ora, eis o ponto: isso não pode tocar sem extensão real. Daí a boca como uma boca efetiva de ator, se preciso per-sonans numa máscara. Em outras palavras, que o texto toque (emocione), isso não pode permanecer de ponta a ponta metafórico. Assim como o prazer é sempre físico, como Kant gosta de repetir com Epicuro, assim também o prazer carismático que temos na mimèsis não pode prescindir de um prazer hedonístico, mesmo se Aristóteles não mistura os dois, e reserva o segundo ao "espetáculo" (Dupont-Roc e Lallot o sublinham; mas a meu ver, é precisamente a impossibilidade de não ligar os dois que é preciso introduzir em Aristóteles).

Não é metafórico falar de tato, de corpo, aqui, porque, de fato, se se trata de transporte – de meta-phora –, é do transporte real do sentido que se trata. O sentido não se comunica sem que isso toque efetivamente, mesmo se esse toque permaneça à distância, e mesmo se, concedo imediatamente, "tocar" continue ao mesmo tempo uma metáfora. O importante é que ao mesmo tempo ele cesse de sê-lo, num ponto preciso. (É aliás por uma lógica análoga, mas em sentido inverso, que não é possível, como tentei dizer alhures, falar do "corpo" sem adotar uma postura particular de enunciação, ou de escrita.)

A cena seria o lugar desse transporte do sentido, enquanto lugar figural e não figural ao mesmo tempo (e tomando também ao mesmo tempo a figura no sentido do traço extensivo, e a figura no sentido do sentido não próprio). Não desconheço o risco: poderia deixar-se insinuar aqui, insidiosamente, uma nova reivindicação "metafísica" (no sentido nietzschiano-heideggeriano) da propriedade e da apropriação. Da mesma forma, não desconheço que o tato pode se carregar das propriedades mais "metafísicas" da visão. "Tocar" se diz em grego haplô. O háptico pode sempre se confundir com o óptico (Descartes dá um bom exemplo). Mas o que está em jogo é talvez precisamente puxar o óptico para o háptico, se este último mesmo é compreendido segundo a conjunção (talvez indecidível?) do próprio e do impróprio, do imediato e do mediato, da presença e da distância – e não é isso o que está em jogo no teatro?


Ver online : LACOUE-LABARTHE, Philippe; NANCY, Jean-Luc. Scène suivi de Dialogue sur le dialogue. Paris: C. Bourgois, 2013


LACOUE-LABARTHE, Philippe; NANCY, Jean-Luc. Scène suivi de Dialogue sur le dialogue. Paris: C. Bourgois, 2013.