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Gadamer: hermenêutica, tradição e razão

Warnke: Gadamer Hermenêutica

Introdução

O Contexto   Filosófico da Finitude e os Limites da Verdade  
  • Observa-se, na produção intelectual recente, uma predominância de obras que abordam a questão dos limites sob diversas perspectivas filosóficas, exemplificadas por livros como Liberalismo e os Limites da Justiça, de Michael Sandel, e Ética e os Limites da Filosofia  , de Bernard Williams, bem   como por estudos desconstrucionistas e historicistas que enfatizam as restrições do conhecimento   textual, científico e pessoal.
  • A ideia central que emerge desse panorama é a inevitabilidade da interpretação  , o que impede o acesso a uma verdade absoluta sobre a justiça, o eu ou a lei moral  , visto que tais noções são condicionadas pela cultura e pelas circunstâncias históricas, exigindo o enfrentamento da realidade   da finitude humana e do caráter contingente de qualquer esforço de compreensão  .
  • Atribui-se a Gadamer   o interesse fundamental por esses limites, pois, ao longo de sua trajetória e especialmente em sua obra magna, Verdade e Método, o filósofo empenhou-se em superar a hubris positivista, rejeitando a admissibilidade de um   saber puramente objetivo sobre os fenômenos estudados.
As Origens da Hermenêutica: De Schleiermacher a Dilthey
  • A hermenêutica, enquanto disciplina distinta, remonta aos esforços do século XIX para formular uma teoria da interpretação, cujas raízes encontram-se nos questionamentos da Reforma sobre a leitura   da Bíblia, especificamente se a compreensão das Escrituras exigiria a aceitação prévia da    católica ou permitiria uma interpretação autônoma e unificada.
  • No início   do século XIX, F. D. E. Schleiermacher, filólogo e teólogo, expandiu significativamente o campo hermenêutico ao deslocar o problema da simples exegese bíblica para a questão mais ampla de como se acessa o sentido   e quais métodos permitem uma compreensão objetiva de quaisquer textos ou enunciados.
  • Seguindo essa tradição  , Wilhelm Dilthey ampliou ainda mais a investigação ao buscar métodos para a interpretação objetiva de estruturas simbólicas gerais, como ações e normas sociais, tentando estabelecer a autonomia da lógica das ciências humanas ou do espírito (Geisteswissenschaften) em relação às ciências naturais, embora mantendo o ideal de uma compreensão neutra e metodologicamente segura.
A Hegemonia do Positivismo e a Crítica   Gadameriana
  • O positivismo de meados do século XX rejeitou a distinção proposta por Dilthey entre a lógica das ciências naturais e a das ciências humanas, impondo que a objetividade em ambas deveria conformar-se à explicação causal, à previsibilidade e à eliminação rigorosa de qualquer intrusão subjetiva, excluindo disciplinas dependentes da imaginação, como a crítica literária, do âmbito cognitivo.
  • Para Gadamer, essa constelação de normas é catastrófica pois ignora que as próprias ciências naturais são produtos de uma tradição interpretativa e que seus critérios de objetividade são preconceitos dessa tradição, não devendo ser   universalizados como medida única de todo   saber.
  • A hermenêutica filosófica de Gadamer inverte a resposta positivista a Dilthey, argumentando que não se deve perguntar como as ciências do sentido podem alcançar a objetividade das ciências naturais, uma vez que tal tipo de objetividade é historicamente constituído e não uma exigência absoluta.
A Condição Histórica da Compreensão e a Relevância Contemporânea
  • A proposta de Gadamer não visa formular um novo conjunto de regras de interpretação, mas sim explicitar as condições de possibilidade   da compreensão em geral, demonstrando que todo entendimento enraíza-se na história   e é condicionado pelo que ele denomina "história efetiva", o que limita consideravelmente a pretensão de uma objetividade transcendente via método.
  • Embora o positivismo rígido dos anos 50 e 60 tenha perdido força   e teóricos contemporâneos como Richard Rorty cheguem a considerar as próprias ciências naturais como hermenêuticas e falíveis, a obra Verdade e Método permanece relevante não apenas pela crítica aos preconceitos da objetividade, mas pela reabilitação de uma concepção dialógica do saber.
  • Compreender, na visão   de Gadamer, significa chegar a um entendimento (Verständigung) com os outros, onde o confronto com perspectivas alheias permite colocar em jogo   e retificar os próprios preconceitos; assim, a historicidade não atua apenas como um limite, mas como um solo que, em diálogo com a tradição e o outro  , possibilita o cultivo da razão e o aprofundamento do conhecimento.

Ver online : Hans-Georg Gadamer


WARNKE, Georgia. Gadamer: herméneutique, tradition et raison. Jacques Colson. Bruxelles Paris: De Boeck diff. Éd. universitaires, 1991.