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La Grande beuverie
René Daumal – Diálogo laborioso sobre o poder das palavras (4)
Dialogue laborieux sur la puissance des mots et la faiblesse de la pensée IV
Tendo o Araucaniano bebido, fez-se um grande silêncio. Então uma velha senhora gritou secamente:
— Nada de truques de mágica aqui! Queremos explicações. Quem quebrou o violão? E como? E por quê?
— Nada de truques científicos — gritou Otelo com sua voz metálica, espuma nos lábios. Nada de truques científicos, hein? Mas explicações mágicas!
— Bebamos primeiro — pronunciou lentamente o homem por trás dos feixes de lenha. Depois, farei todos adormecerem com um discurso mais ou menos consistente sobre os usos cortantes, perfurantes, contundentes, esmagadores, desintegradores e alguns outros da linguagem humana — e talvez da dos pássaros. Mas primeiro, bebamos.
Nesse momento, aliás, chegaram umas espécies de salsichões quentes, temperados com arrancadores de boca diversos. Era mais uma razão para beber , além do medo de pensar , e Dudule, o Conspirador, que tinha visto isso no cinema, ia de um a outro oferecendo, de um frasco achatado tirado do bolso das nádegas, daquele horrível álcool de madeira aromatizado com limão que os americanos, sob a Lei Seca, chamavam vodka, conhaque, gim, ou simplesmente drink, conforme quisessem parecer mais ou menos interessantes.
Infelizmente, deixei que um poeta (chamavam-no Solo, o brocanteiro) se aproximasse de mim e começasse um longo discurso pelo qual tentava, em vão, fazer -me entender que a Terra era redonda e que havia homens — “os Antípodas, que andam com a cabeça para baixo graças ao uso de uma espécie de hélice de madeira chamada bumerangue em holandês” —, e não sei há quantos quartos de hora ele me falava quando, erguendo a cabeça, vi que todos estavam atentos ao discurso de Totœhabo — um nome chipéwav, ou seja, ininteligível, que se dava ao homem por trás dos feixes de lenha. Corei da minha distração, exsudei uma nuvenzinha de vergonha e me pus a escutar. Eis, mais ou menos, o que consegui captar de suas palavras.
Ver online : DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994
DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994