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La Grande beuverie
René Daumal – Diálogo laborioso sobre o poder das palavras (4)
Dialogue laborieux sur la puissance des mots et la faiblesse de la pensée IV
terça-feira 1º de julho de 2025
Tendo o Araucaniano bebido, fez-se um grande silêncio. Então uma velha senhora gritou secamente:
— Nada de truques de mágica aqui! Queremos explicações. Quem quebrou o violão? E como? E por quê?
— Nada de truques científicos — gritou Otelo com sua voz metálica, espuma nos lábios. Nada de truques científicos, hein? Mas explicações mágicas!
— Bebamos primeiro — pronunciou lentamente o homem por trás dos feixes de lenha. Depois, farei todos adormecerem com um discurso mais ou menos consistente sobre os usos cortantes, perfurantes, contundentes, esmagadores, desintegradores e alguns outros da linguagem humana — e talvez da dos pássaros. Mas primeiro, bebamos.
Nesse momento, aliás, chegaram umas espécies de salsichões quentes, temperados com arrancadores de boca diversos. Era mais uma razão para beber, além do medo de pensar, e Dudule, o Conspirador, que tinha visto isso no cinema, ia de um a outro oferecendo, de um frasco achatado tirado do bolso das nádegas, daquele horrível álcool de madeira aromatizado com limão que os americanos, sob a Lei Seca, chamavam vodka, conhaque, gim, ou simplesmente drink, conforme quisessem parecer mais ou menos interessantes.
Infelizmente, deixei que um poeta (chamavam-no Solo, o brocanteiro) se aproximasse de mim e começasse um longo discurso pelo qual tentava, em vão, fazer-me entender que a Terra era redonda e que havia homens — “os Antípodas, que andam com a cabeça para baixo graças ao uso de uma espécie de hélice de madeira chamada bumerangue em holandês” —, e não sei há quantos quartos de hora ele me falava quando, erguendo a cabeça, vi que todos estavam atentos ao discurso de Totœhabo — um nome chipéwav, ou seja, ininteligível, que se dava ao homem por trás dos feixes de lenha. Corei da minha distração, exsudei uma nuvenzinha de vergonha e me pus a escutar. Eis, mais ou menos, o que consegui captar de suas palavras.


Ver online : DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994
DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994