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La Grande beuverie
René Daumal – Diálogo laborioso sobre o poder das palavras (2)
Dialogue laborieux sur la puissance des mots et la faiblesse de la pensée II
Estávamos em uma fumaça espessa. A chaminé não puxava bem , o fogo de lenha verde demais se retraía, as velas liberavam um vapor rançoso no ar, e as nuvens de tabaco formavam bancos azulados à altura dos rostos. Se éramos dez ou mil, já não sabíamos. O certo é que estávamos sós. A propósito, a grande voz detrás dos feixes de lenha, como a chamávamos em nossa linguagem de sedentos, tinha-se elevado um pouco. De fato, ela saía de trás de um monte de feixes de lenha, ou de caixas de biscoito — era difícil saber, por causa da fumaça e do cansaço —, e dizia:
— Quando está só, o micróbio (ia dizer: o homem ) clama por uma alma gêmea, como se choramingasse, para fazer -lhe companhia. Se a alma gêmea chega, já não suportam ser dois , e cada um começa a se enfurecer para tornar-se um com o objeto de seus atritos intestinos. Isso não faz sentido : um quer ser dois; dois, quer ser um. Se a alma gêmea não aparece, ele se divide em dois, diz a si mesmo : olá, meu velho, lança-se nos próprios braços, cola-se de maneira torta e se toma por alguma coisa, senão por alguém. No entanto, só há uma coisa em comum: a solidão ; ou seja, tudo ou nada — depende de si.
Achamos que estava bem dito, mas ninguém se preocupava em ver quem falava. Só se falava em beber . Até então, só havíamos tomado canecas de um destilado infecto que nos deixara ainda mais sedentos.
Ver online : DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994
DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994.