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Chaque fois que l’aube paraît
René Daumal – Recarregadores de palavras
Les limites du langage philosophique et les savoirs traditionnels (1935)
segunda-feira 30 de junho de 2025
Há uma outra realidade social, muito durável e comum a muitos indivíduos, que pode servir de suporte a um ensino mais que verbal: é a própria imagética da linguagem, distinta de sua função puramente lógica. A ciência e a lógica, para seus fins próprios, precisam esvaziar as palavras o máximo possível de seu conteúdo motor ou afetivo, e de seu sentido metafórico; é claro que quando falamos, em geometria, de um "triângulo inscrito em um círculo", é melhor não pensarmos na imagem de uma "tripla angústia gravada dentro de uma coisa que gira", o que seria etimologicamente exato. No limite, a linguagem lógica se torna álgebra e logística, inteiramente despojada de imagens; nesse último estado, ela dificilmente corre o risco de ser tomada por um conhecimento em si mesma. Mas a ilusão subsiste nas formas intermediárias da linguagem abstrata, quando falamos de "espírito", de "corpo", de "Deus", de "matéria" e assim por diante. A linguagem filosófica ordena essas palavras segundo suas relações conceituais, ou seja, segundo os resíduos esquemáticos que restam nelas quando se negam as imagens, as atitudes vitais e os sentimentos que constituíam seus fundamentos originais. O papel dessa abstração não é fazer pensar, mas prever o que se pensará QUANDO se pensar. Aliviadas de suas imagens, as palavras são como as formas dos objetos que o desenhista pode extrair da matéria; elas não estão mais submetidas às mesmas condições de tempo e espaço que os pensamentos e objetos reais. Podemos deslocá-las muito mais rápido, o que explica o terrível: Meliora video proboque, deteriora sequor: é que eu, o seguidor, não sou uma palavra abstrata; estou sobrecarregado de um corpo. O filósofo é cartógrafo da vida humana; assim como o cartógrafo, tendo extraído o contorno de um país de sua substância geológica, pode reduzir essa forma às proporções que lhe aprouver e reproduzi-la em uma pequena folha de papel, assim o filósofo, em um curto espaço de tempo, pode dispor logicamente formas gerais de existência que talvez lhe levassem anos para percorrer; e, se o fizer bem, seu discurso o ajudará certamente em sua viagem, e ajudará seus semelhantes. A filosofia discursiva é tão necessária ao conhecimento quanto o mapa geográfico à viagem: o grande erro, repito, é acreditar que se viaja olhando um mapa.
Quando o problema se coloca de incitar à viagem, pode-se perguntar: pode-se fazer um mapa geográfico servir não mais apenas para guiar, mas para provocar a viagem? — é, em todo caso, o máximo que se pode fazer, pois o mapa nunca fará por mim os esforços necessários para me pôr a caminho. É preciso buscar a resposta junto aos interessados, ou seja, das agências de turismo e das companhias de transporte. A resposta é que se pode, entre outros meios, usar o mapa geográfico, sob forma de cartaz, para incitar às viagens. Mas é preciso então embelezá-lo com imagens: talvez se negligencie a precisão geográfica, mas se pintará aqui, sobre a África, uma palmeira e um camelo; sobre a Itália, uma ruína romana, e assim por diante. Em outras palavras, se reintegra ao esquema abstrato, sob forma de imagens, algo da realidade física da qual ele foi arrancado.
Para me limitar aos dois exemplos que escolhi, sabe-se que uso Sócrates fazia da etimologia. Procedimentos análogos se encontram constantemente em toda a literatura enxertada no Veda. A língua sânscrita, cujas algumas milhares de raízes monossilábicas têm todas um sentido concreto quase sempre diretamente reconhecível, se prestava maravilhosamente a esses exercícios. Aproximações de palavras pelo som ou pela etimologia, uso de uma mesma palavra, ao longo de um mesmo texto, em sentidos diferentes, tudo isso, É. Senart chamava de "filosofia por trocadilhos"; é verdade, exceto pelo valor pejorativo da palavra "trocadilho". Não creio que se possa fazer uma distinção precisa entre uma "etimologia" e um "trocadilho". A "verdade" etimológica é extremamente fugidia. Se me dizem que as palavras "legar" e "legado" não têm nenhuma parentesco etimológico, isso não me ensina nada de útil. Desde que a palavra "legado" se escreve com um g, que muitas pessoas hoje pronunciam, é uma nova palavra, que está realmente aparentada a "legar"; só o sábio pode fazer falsas etimologias; o povo, ao contrário, assim que aproxima duas palavras, as liga realmente, e doravante essas palavras estão unidas por uma conexão nova, como duas árvores que se enxertam. Há, a dizer verdade, no Crátilo por exemplo, ou nos glossários dos Vedas, etimologias eruditas, nem mais nem menos exatas que as nossas, e que podem servir de auxílio-memória (nos glossários védicos, esse parece ser seu papel principal). Mas quando, nos diálogos das Upanishads, os interlocutores decompõem, recombinam as palavras, as casam segundo novos modos e as apresentam sob faces diversas, não o fazem de modo algum com o objetivo vão de encontrar uma "verdade etimológica" impossível. Fazem-no por duas razões principais:
1º Primeiro para carregar a palavra de potência ao mesmo tempo motora, afetiva e representativa, para criar entre ela e o homem vivo relações tão diversas quanto possível, que o engajarão em um ato real, o incitarão a sair de um saber apenas verbal. Tomarei ainda um exemplo, entre cem, na Upanishad que citava há pouco, destinada aos "Cantores de Hinos". A palavra que designa o hino cantado é sâman. Os vínculos concretos dessa palavra parecem ter sido, já na época védica, bastante distantes: ela estava associada a ideias de "mugido" e de "propiciação", mas seu uso litúrgico muito particular a tinha tornado uma palavra quase puramente técnica; é ela que dá seu título ao Terceiro Veda, aquele onde os cantos são notados melodicamente. Para devolver à palavra um valor humano direto, para lembrar ao cantor que o hino que ele era encarregado de emitir não era um ato ritual mecânico, mas uma verdadeira operação sobre si mesmo, eis o que lhe era explicado:
Sâma (nominativo neutro de sâman) é formado de sâ: "ela, esta", e de âma: "ele, aquele". Dois elementos que estão na relação da fêmea com o macho. "Esta" — ou seja, aquela que se estende sob nossos olhos, que é fêmea, ou seja, substância fecunda mas não fecundante — é a Terra. "Ele", o macho, o animador que não cria nada por si mesmo mas sem o qual as produções da Terra permaneceriam inertes, é o Fogo — fogo doméstico que é a alma da casa, ou fogo vital, calor animal que distingue o vivo do cadáver. O sâman, de gênero neutro, é a união da Terra e do Fogo, do corpo e da vida. Depois, da mesma forma, sâ (ela) e âma (ele) são identificados respectivamente aos pares Atmosfera-Vento; Céu-Sol; Constelações-Lua; Luz branca (percebida como estendida) e Buraco negro minúsculo da pupila do olho (é o negro não estendido que percebe, penetra a luz fêmea); palavra e sopro (o sopro é macho, pois, não sonoro, é ele que torna sonoras as palavras, suas fêmeas); Olho e Si (ou seja, a visão e o vidente); Audição e Sentimento (pelo qual percebemos as formas melódicas). E por toda uma série de analogias, "ele" e "ela" se encontram identificados ao duplo aspecto de toda manifestação; enfim, essa visão cosmológica é explicitamente reconduzida a uma visão direta do homem mesmo: quando o cantor pronuncia o sâman, é um casamento que ele deve realizar entre seu corpo (Terra), sua afetividade (Atmosfera), seu pensamento (Céu), e o "Si mesmo" (âtman) que é ao mesmo tempo o calor desse corpo, a força dessa afetividade e o sol desse pensamento. É nisso que ele é um cantor sagrado, e não um cantor de ópera. Um pouco mais adiante, a mesma palavra sâman é explicada de outra maneira [1], o que prova bem que o texto não tem por objeto uma "etimologia", mas uma vivificação da palavra.
2º As especulações sobre as palavras têm ainda outro sentido nas Upanishads. Elas estão ligadas ao fato de que os diálogos ali são apresentados como tipos de diálogos reais, e não como artifícios literários. Assim, acontece ali o que cada um de nós pode constatar em cada uma de nossas conversas: uma mesma palavra pode ter sentidos e sobretudo valores diferentes, muitas vezes opostos, para vários indivíduos. Assim, a palavra âtman (primitivamente "sopro, sopro vital, vida, anima, depois animus" e enfim "a pessoa", "si mesmo") é a fonte de inúmeras confusões, cada um a entendendo como aquilo com o qual tem o hábito de se identificar: corpo, paixões, sentimento, imaginação, intelecto, vontade — exatamente as mesmas confusões que podem fazer hoje os leitores de Platão a respeito do "conhece-te a ti mesmo".
A força de espremer assim a linguagem, o pensamento não pode mais se contentar com o suporte das palavras; ele deve dela jorrar para buscar alhures sua resolução. Esse "alhures" não deve ser entendido como um plano transcendente, um domínio metafísico misterioso; esse "alhures" é "aqui", no imediato da vida real. É daqui que parte nosso pensamento, e é aqui que ele deve voltar; mas depois de que desvios! Primeiro viver, depois filosofar; mas terceiramente reviver. O homem da caverna de que fala Platão deve sair dela, contemplar a luz do sol e, munido dessa luz que guarda na memória, voltar para a caverna. A filosofia verbal é só uma etapa necessária dessa viagem.


Ver online : DAUMAL, René. Essais et notes II. Les pouvoirs de la parole (1935-1943). Paris: Gallimard, 1993
DAUMAL, René. Essais et notes II. Les pouvoirs de la parole (1935-1943). Paris: Gallimard, 1993
[1] Ainda em outro lugar, aproxima-se sâman da raiz so, sâ, "rasgar, destruir; completar"; o sâman é o que destrói a ilusão, e, musicalmente, completa o sentido da estrofe.