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La Grande beuverie

René Daumal – Paraísos artificiais (2.21)

Parte II Les paradis artificiels

terça-feira 1º de julho de 2025

— Os Kirittiks estão bem abastecidos? — perguntei ao enfermeiro depois de me sacudir de toda sorte de pensamentos sombrios.

— Sim. Cada um deles tem pelo menos cinco romances, três ensaios, duas obras filosóficas, setenta e duas coletâneas de poemas, quinze Vidas de homens ilustres, vinte livros de Memórias, trinta panfletos e pilhas de jornais e revistas para absorver até o fim da semana. E é sempre assim. São infatigáveis e insaciáveis. Perderíamos nosso tempo tentando conversar com eles.

— Mas depois de ler, o que fazem?

— Depois de ler, escrevem. A tarefa deles é rastrear entre os escritos que se publicam aqui tudo o que possa, direta ou indiretamente, ser útil a seja o que for; denunciar todas as manifestações do que chamamos saúde e lembrar da doença aqueles que fingem se afastar dela.

— Como exercem esse poder? Que meios de coerção possuem?

— É muito simples. Sabe que um Fabricante de discursos inúteis, se suas palavras não são ouvidas por algum público, elas lhe retornam à garganta e o sufocam com a explosão da víscera doente. O Kirittik então se interpõe entre o Fabricante e o público — esse público respeitoso dos mundos inferiores de que já lhe falei — e lhe diz: leia isto, não leia aquilo. No primeiro caso, o autor pode se aliviar de suas produções e elaborar novas; no segundo, ele sufoca. É uma caricatura do que fazem, no mundo dos bem de saúde e com propósito oposto, os que chamamos críticos; que velam incansavelmente pelas necessidades dos consumidores, percebem num relance do que têm fome e sede e buscam entre os produtores os que podem satisfazê-los; ajudando aqueles a se alimentar, estes a escoar suas mercadorias. Mas aqui, como já notou, é o mundo às avessas.


Ver online : DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994