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La Grande beuverie
René Daumal – Paraísos artificiais (2.27)
Parte II Les paradis artificiels
terça-feira 1º de julho de 2025
O Professor Mumu me alcançou.
— Pois bem, disse-me ele, conseguiram o coelho vermelho deles! Mas é preciso vê-los, sobretudo, quando lhes dão um homem, a esses canibais falidos. De um único homem, eles fazem mil: homo economicus, homo politicus, homo physico-chimicus, homo endocrinus, homo squeletticus, homo emotivus, homo percipiens, homo libidinosus, homo peregrinans, homo ridens, homo ratiocinons, homo artifex, homo aestheticus, homo religiosus, homo sapiens, homo historicus, homo ethnographicus e ainda muitos outros. Mas no final da cadeia do meu laboratório está instalado um Cientista único em seu gênero. Três mil cérebros em um só. Sua função é reunir todas as observações e todas as explicações registradas pelos Cientistas especializados. Tendo somado tudo, ele está persuadido de que possui em seu entendimento o coelho vermelho ou o homem total e essencial. Aliás, pode vê-lo daqui — finalizou, fazendo sinal a um de seus assistentes que me trouxe um binóculo.
Pelo binóculo, vi de fato, no extremo da galeria, o Onisciente. Era um globo craniano enorme com um pequeno rosto amorfo e amassado, que me pareceu pendurado pelas orelhas nas duas esferas de ébano que encimavam o encosto de um trono elevado. Pendendo sob a cabeça, um pequeno boneco de pano arrastava calças vazias sobre o veludo carmesim do assento. O pequeno braço direito era mantido levantado por um fio de arame e o indicador apoiava-se na têmpora no sinal do saber. Acima do trono, corria uma faixa com a inscrição:
SEI TUDO, MAS NÃO ENTENDO NADA
Tomado de respeito e pavor, apressei-me a baixar o binóculo e perguntei ao Professor:
— Mas o próprio homem, o que acontece com ele depois desse exame?
— O próprio homem, como o coelho vermelho há pouco, é sempre, no meio do caminho, esquecido numa lata de lixo.


Ver online : DAUMAL, René. La grande beuverie. Éd. nouvelle ed. Paris: Gallimard, 1994