Página inicial > Ocidente > Fernando Pessoa – No túmulo de Christian Rosenkreuz

Fernando Pessoa – No túmulo de Christian Rosenkreuz

I
Quando, despertos deste sono, a vida  ,
Soubermos o que somos, e o que foi
Essa queda   até Corpo  , essa descida
Até à Noite   que nos a Alma   obstrui,
 
Conheceremos pois toda a escondida
Verdade   do que é tudo   que há ou flui?
Não: nem na Alma livre é conhecida...
Nem Deus  , que nos criou, em Si a inclui.
 
Deus é o Homem   de outro Deus maior:
Adam Supremo, também teve Queda;
Também, como foi nosso Criador,
 
Foi criado, e a Verdade lhe morre...
De além o Abismo, Siprito Seu Lha veda;
Aquém não a há no Mundo  , Corpo Seu.
 
II
Mas antes era o Verbo, aqui perdido
Quando a Infinita Luz  , já apagada,
Do Caos, chão do Ser  , for levantada
Em Sombra, e o Verbo ausente escurecido.
 
Mas se a Alma sente a sua forma   errada,
Em si, que é Sombra, vê enfim luzido
O Verbo deste Mundo, humano e ungido,
Rosa Perfeita, em Deus crucificada.
 
Então, senhores do limiar dos Céus,
Podemos ir buscar além de Deus
O Segredo   do Mestre e o Bem   profundo;
 
Não só de aqui, mas já de nós, despertos,
No sangue   atual de Cristo   enfim libertos
Do a Deus que morre a geração   do Mundo.

CENTENO, Y. K.. Fernando Pessoa e a filosofia hermética. Fragmentos do espólio. Lisboa: Editorial Presença, 1985.