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L’Entretien infini
Blanchot – A linguagem da pesquisa
quarta-feira 2 de julho de 2025
Uma das questões que se colocam à linguagem da pesquisa está, portanto, ligada a essa exigência de descontinuidade. Como falar de modo que a palavra seja essencialmente plural? Como pode se afirmar a busca por uma palavra plural, fundada não mais na igualdade e desigualdade, não mais na predominância e subordinação, não na mutualidade recíproca, mas na assimetria e irreversibilidade, de tal forma que, entre duas palavras, uma relação de infinitude esteja sempre implicada como movimento do próprio significado? Ou ainda: como escrever de modo que a continuidade do movimento da escrita possa deixar intervir fundamentalmente a interrupção como sentido e a ruptura como forma? Por ora, adiaremos a abordagem dessa questão. Observaremos apenas que toda linguagem onde se trata de interrogar e não de responder é uma linguagem já interrompida, mais ainda, uma linguagem onde tudo começa pela decisão (ou distração) de um vazio inicial.
Mas observaremos também que a escrita – seja a do ensaio ou do romance – corre o risco de se contentar com uma pretensa continuidade que será, na verdade, apenas um agradável entrelaçamento de cheios e vazios. No texto que escrevo neste momento, as frases se sucedem e se ligam mais ou menos como convém; as quebras em parágrafos são apenas quebras de conveniência; há um movimento seguido destinado a facilitar o fluxo da leitura, mas esse movimento seguido não pode pretender responder a uma verdadeira continuidade. Lembremo-nos de que, na literatura moderna, foi a preocupação com uma palavra profundamente contínua que deu origem, primeiro em Lautréamont, em Proust Proust Proust, Marcel , depois no surrealismo, depois em Joyce Joyce James Joyce (1882-1941) , a obras evidentemente escandalosas. O excesso de continuidade incomoda o leitor e perturba, nele, os hábitos da compreensão regular. Quando André Breton abre o espaço de nossos livros ao que chama de "continuidade absoluta", quando convoca quem escreve a confiar no "caráter inesgotável do murmúrio", se perturba então nossos modos de ler, é precisamente porque o espírito, em seu proceder medido e metódico, não saberia enfrentar a intrusão imediata da totalidade do real (real que é justamente a impossível continuidade do "real" e do "imaginário"). Sim, como sempre, a ambição surrealista nos ajuda muito a compreender o que está em jogo nessa partida. A escrita automática quereria assegurar a comunicação imediata do que é; não apenas a assegura; ela é, em sua continuidade substancial, a continuidade absoluta do que é; ela o é imaginariamente; é uma maravilhosa busca de imediação. (Daí, talvez, o mal-entendido que aproximou esse movimento do movimento hegeliano, se não há filósofo mais hostil aos prestígios do imediato que Hegel; resta, porém, que ambos buscam a continuidade: só que, para a poesia surrealista, esta só poderia ser imediatamente dada; para Hegel, só poderia ser obtida: produzida, ela é um resultado.) Mas também se discerne qual postulado tal aspiração à continuidade absoluta parece pressupor. É que a própria realidade – o fundo das coisas, o "que é" em sua profundidade essencial – seria absolutamente contínua, postulado tão antigo quanto o pensamento.
É a grande esfera parmenidiana, é o modelo de universo de Einstein. Donde resultaria que apenas as modalidades de nosso conhecimento, as estruturas de nossos sentidos e aparelhos, as formas de nossas linguagens, matemáticas e não matemáticas, nos obrigam a rasgar ou recortar essa bela túnica sem costura. Mas o que isso significa? Que é preciso ver na descontinuidade um sinal do infortúnio do entendimento e da compreensão analítica, mais genericamente um defeito da estrutura humana, marca de nossa finitude? A menos que devamos nos encorajar até uma conclusão totalmente outra e muito perturbadora, talvez formulável assim: por que o homem, supondo que o descontínuo lhe seja próprio e seja sua obra, não revelaria que o fundo das coisas ao qual ele necessariamente pertence de algum modo não tem menos a ver com a exigência da descontinuidade que com a da unidade? Conclusão perturbadora, problemática também, e que desde já buscaremos precisar acrescentando: quando se fala do homem como de uma possibilidade não unitária, isso não significa que permanecessem nele alguma existência bruta, alguma natureza obscura, irredutível à unidade e ao trabalho dialético: isso está aqui fora de questão. Significa que, pelo homem, isto é, não por ele, mas pelo saber que carrega e antes de tudo pela exigência da palavra sempre já previamente escrita, poderia se anunciar uma relação totalmente outra que colocasse em questão o ser como continuidade, unidade ou reunião do ser, ou seja, uma relação que se excepcionaria da problemática do ser e colocaria uma questão que não fosse questão do ser. Assim, interrogando-nos sobre isso, sairíamos da dialética, mas também da ontologia.


BLANCHOT, Maurice. L’Entretien infini. Paris: Gallimard, 1969