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A Fonte da Vida (O Romance da Rosa)
quinta-feira 26 de junho de 2025
A Fonte da Vida ("Sermão de Genius")
A fonte da qual vos falo é um manancial saudável, belo e maravilhoso. Ouvi-me atentamente: suas águas têm um sabor agradável e são boas para os animais melancólicos; surgem claras e vivas de três mananciais admiráveis, que estão próximos uns dos outros e se reúnem em um só. Contudo, ao contemplá-los, ora vereis um, ora três, mas jamais quatro—essa é sua singularidade. Nunca vimos uma fonte como esta, pois ela brota de si mesma, enquanto as outras alimentam veias estrangeiras. Ela se basta a si mesma, não necessita de condutos externos, bases de mármore ou folhagem, pois sua água jamais pode faltar, vindo de uma altura tão grande que nenhuma árvore pode alcançá-la. No máximo, como exemplo, imaginai uma pequena oliveira abaixo da qual corre uma onda: quando a jovem árvore sente as águas frescas que umedecem suas raízes, recebe um alimento tão poderoso que imediatamente lhe brotam mil galhos, enchendo-se de folhas e frutos, tornando-se tão grande e robusta que o pinheiro que vos descrevi jamais poderia igualá-la em altura, em extensão de suas ramagens ou na sombra que projeta.
Esta oliveira, com suas altas ramagens, cobre a fonte com sua sombra, e ali, na suavidade da penumbra, os animais se abrigam, enquanto o roseiral floresce e a erva tenra cresce. No tronco da árvore, está pendurado um rolo com uma inscrição em pequenos caracteres: "Aqui bato a oliveira que dá o fruto da salvação, enquanto corre a Fonte da Vida." Que pinheiro valeria como tal árvore? Dir-vos-ei ainda—os insensatos terão dificuldade em acreditar nisso e outros o tomarão por fábula—que naquela fonte brilha um carbúnculo admirável, superior a todas as pedras preciosas. Ele é completamente redondo e possui três facetas, dispostas de tal forma que podem ser vistas brilhando de qualquer ponto do parque. Nem o vento, nem a chuva, nem as nuvens conseguem obscurecer a intensidade de seus raios, tamanha é sua beleza e magnificência. E saibais que tal é a virtude da pedra que cada uma de suas facetas vale tanto quanto as outras duas, e que duas não valem mais que a terceira. Ninguém é capaz de diferenciá-las, por mais que observe ou analise, pois são dispostas de forma indistinguível, mesmo sob reflexão. Mas nenhum sol a ilumina, pois ela é mais resplandecente que o próprio sol, tanto que faz o brilho do cristal da outra fonte parecer pálido e escuro em sua presença. Que mais poderia dizer-vos? Não existe nenhum sol que irradie luz como este carbúnculo, capaz de iluminar aqueles lugares com uma magnificência que nenhuma estrela do mundo inferior pode igualar. Ele desterra a noite e torna o dia eterno, sem início nem fim. É, na verdade, um sol que permanece perpetuamente no mesmo lugar, sem atravessar os signos do ano, nem ser medido pelas horas do dia; é um sol sem meio-dia nem meia-noite.
O carbúnculo possui um poder tão maravilhoso que aqueles que se aproximam e observam suas facetas refletidas na água podem ver tudo o que acontece no parque, independentemente de onde estejam, e conhecem tais eventos tão profundamente quanto conhecem a si mesmos. E, após terem visto isto, nunca mais serão enganados por ilusões, pois se tornam clarividentes e sábios.
Vou revelar-vos outra particularidade: os raios deste sol não perturbam a visão dos que o contemplam, não os ofuscam, mas, ao contrário, rejuvenescem, fortalecem e dão novo vigor aos olhos. E por essa claridade e calor suave, os mais deliciosos aromas se espalham pelo parque.
Para resumir tudo numa só palavra: quem vir esse jardim encantado julgará que não existe paraíso melhor, e terá razão, pois Adão não foi formado em outro lugar.
Senhores, saibam bem: se levardes uma vida sábia e cumprirdes vossos deveres, bebereis desta fonte. Para isso, deveis seguir os ensinamentos que vos transmiti: honrai a Natureza, servi-a trabalhando em seus próprios fins e, se não puderdes oferecer os bens dispensados ou devidos, tende a firme intenção de fazê-lo quando estiverdes em abundância. Não cometais homicídio, mantende vossas mãos e boca limpas, sede leais e compassivos. Assim, podereis ir ao campo delicioso, seguindo as pegadas do cordeiro eternamente vivo e beber da fonte que vos tornará imortais. Então, ireis jubilosamente rumo à eternidade, cantando canções e hinos festivos, dançando sob a oliveira entre as flores.


Jean de Meung, O Romance da Rosa