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Suassuna (Pedra do Reino) – Mundo

[...] nos meus momentos mais ensolarados de devaneio, o próprio Mundo   me aparece como uma larga estrada sertaneja, um   Tabuleiro seco e empoeirado, onde, por entre pedras, cactos e espinhos, desfila o cortejo luminoso e obscuro dos humanos — Reis, valetes, Rainhas, cavalos  , torres, Curingas, Damas, peninchas, Bispos, ases e Peões. Todo   este meu Castelo e os acontecimentos que nele sucedem para sempre, me aparecem com o elemento festivo e sangrento dos sonhos, como a encenação   de um espetáculo dos que dávamos em nosso Circo, com a dança do chão, a do sol e a do subterrâneo, ao som dos cantos dementes e obscenos entoados por minha Musa macha-e-fêmea, a Gaviã do Carcará que invoquei e invoco a cada instante; Musa da vida   e da morte  , com a face saturnal, sombria e desértica, com a face lunar do sonho   e do sangue  , e com a face ensolarada e gargalheira do real. Por outro lado, eu sabia que tudo aquilo sucede é dentro do meu sangue e da minha cabeça, da minha “memória  ”, onde havia um estrado e uma cortina que, no momento em que se fechasse definitivamente, acabaria o espetáculo, aquele sonho glorioso e grotesco, cheio de rosnados e clarins, de farrapos e mantos de ouro, sujo e embandeirado. Ou, como dizia um Cantador, num “folheto”: “Sabe o Rei que vive um Sonho pois, aqui, de nada   é Dono, que nós surgimos do Nada e a Vida acaba num Sono, pois a Morte é nosso Emblema e a Sepultura é seu Trono!” [Ariano Suassuna  , Pedra do Reino, Folheto XXXVI]


Ver online : SUASSUNA, Ariano. O Romance da Pedra do Reino. Rio de Janeiro : José Olympio, 2012.


SUASSUNA, Ariano. O Romance da Pedra do Reino. Rio de Janeiro: José Olympio, 2012.