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Essais et notes I

René Daumal – Victor Cousin sobre Giordano Bruno (1930)

Chaque fois que l’aube paraît

segunda-feira 30 de junho de 2025

QUANDO SE OUSA DIZER:

« (O verdadeiro conhecimento é) a transformação de si mesmo na coisa e a transformação da coisa em si mesmo. »

« Então cairá toda objeção, então se reconhecerá que o princípio supremo não é nem mais formal nem mais material e que, do ponto de vista da substância, tudo é um. »

« Em seus desenvolvimentos sucessivos, em suas diferentes partes, em seus acidentes e circunstâncias, em suas situações particulares e seus momentos diversos, a natureza não é mais o que é e pode ser; ela não é mais que uma sombra. »... « Toda nossa conhecimento se baseia em analogias e relações e não pode de modo algum aplicar-se ao que é incomparável, incomensurável, imenso e único. »... « No que concerne à substância, descobre-se que nem os peripatéticos, nem os platônicos estabeleceram diferença entre o corpóreo e o incorpóreo. A forma apenas comporta uma distinção desse gênero. »

« Há apenas uma possibilidade absoluta, uma única realidade, uma única atividade. Forma ou alma, é um; matéria e corpo, é um. Um só ser, uma só existência. A unidade é a perfeição; seu caráter é, portanto, o de não poder ser compreendida, isto é, o de não ter limite, nem fim, nem qualquer determinação definitiva. O ser uno é infinito e imenso, eis porque é imóvel. Não pode mudar de lugar, porque fora dele não há lugar. Não é gerado, porque toda existência é sua existência. Não poderia perecer, porque não pode passar nem transformar-se em nada. Não pode nem crescer, nem diminuir, porque o infinito não é suscetível nem de aumento, nem de diminuição... Não é matéria, porque não tem nem pode ter figura nem limite. Não é forma e não dá forma nem figura, porque é ele mesmo toda existência isolada, assim como o conjunto das existências... Não se compreende, não se apreende a si mesmo, porque não é maior que si mesmo. Não pode ser compreendido, apreendido, abraçado, porque não é menor que si mesmo... Como é idêntico a si mesmo, não forma dois seres; não tem dois modos de existência, pois não tem duas maneiras de ser; não tem partes diferentes, não é composto. É da mesma maneira tudo e partes, tudo e um, limitado e ilimitado, forma e informe, matéria e vazio, alma e inanimado... Onde não há medida, não há relações, nem partes distintas do todo. Uma parte do infinito seria o infinito mesmo, e por conseguinte se confundiria com o todo... »

« O espírito divino é a mesma coisa que o que concebe e o que é concebido [1]. »

« Cognitio earum quæ sunt, ea quæ sunt, est [2]. »

EIS O QUE SE MERECE:

No século XVI – « ... No dia 9 de fevereiro último, no palácio do grande inquisidor, na presença dos ilustríssimos cardeais do Santo Ofício, dos teólogos consultores e do magistrado secular, Bruno foi introduzido na sala da inquisição, e lá ouviu de joelhos a leitura da sentença pronunciada contra ele. Nela se contava sua vida, seus estudos, suas opiniões, o zelo que os inquisidores haviam demonstrado para convertê-lo, seus avisos fraternos e a impiedade obstinada que ele havia mostrado. Em seguida, foi degradado, excomungado e entregue ao magistrado secular, com o pedido, contudo, de que fosse punido com clemência e sem derramamento de sangue. A tudo isso Bruno só respondeu com estas palavras de ameaça: “A sentença que pronunciam talvez os perturbe mais, neste momento, do que a mim.” Os guardas do governador o levaram então para a prisão; lá ainda se esforçaram para fazê-lo abjurar seus erros. Foi em vão. Hoje, portanto (17 de fevereiro de 1600), foi conduzido à fogueira... O infeliz morreu no meio das chamas, e creio que foi contar, nesses outros Mundos que imaginara, como os romanos costumam tratar os ímpios e blasfemos. Eis, meu caro, a maneira como se procede entre nós contra os homens, ou melhor, contra os monstros dessa espécie. » (Carta de Gaspard Schoppe, testemunha ocular e, como se vê, devoto ao Santo Sé. – STRUVE, Acta litteraria, V, p. 64.)

No século XIX – « Esse Jordanus Bruno viveu no século XVI. Nasceu em Nola, no reino de Nápoles, de onde às vezes toma o nome de Nolanus. Era um jacobino de muito espírito, mas um pouco visionário e cujas ideias nem sempre são tiradas do senso comum. Existiu, infelizmente para ele, numa época em que se queimavam os homens por muito pouco.

« Li esse livro com atenção e sou forçado a confessar que, se o resto das obras de Jordanus não oferece nada melhor, ele fez uma reputação a baixo custo e que não era o fogo que sua pessoa merecia, mas o chicote. »

(Esta nota de Victor Cousin nos foi comunicada por Roger Vailland, que a encontrou, escrita de próprio punho pelo filósofo eclético, no início de um exemplar, que lhe pertencia, do Céu Reformado de Bruno.)

Em 1930 – Nem fogo nem chicote. Já não se compreende – do sorriso desdenhoso à curiosidade simpática e ingênua.

Já não se acredita que seja perigoso.

Haverá cadáveres bem surpresos...

(René Daumal Daumal René Daumal (1908-1944) , 1930)


Ver online : DAUMAL, René. Essais et notes I. L’Évidence absurde: 1926-1934. Paris: Gallimard, 1993


DAUMAL, René. Essais et notes I. L’Évidence absurde: 1926-1934. Paris: Gallimard, 1993.


[1Giordano BRUNO, De Causa, Principio et Uno.

[2Dionísio, o Areopagita. Bruno havia feito sua essa fórmula.