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Approches de l’Inde

René Daumal – Os poderes da palavra

Dir. Jacques Masui

segunda-feira 30 de junho de 2025

Entende-se que aqui não falamos senão dos usos retóricos e poéticos da linguagem. Na liturgia e na arte encantatória intervêm ainda outros «poderes» da linguagem: virtudes dos timbres, articulações, acentos, metros, modos de recitação, etc., que dependem da ciência dos mantra; esta é reservada a um pequeno número, enquanto a poesia se dirige a todos aqueles «que têm um coração» (sahridaya). Não falamos tampouco da poesia védica, fruto de uma arte «não humana».

Nos textos didáticos, os glossários védicos, os comentários aos textos sagrados, outro recurso da linguagem é ainda empregado. É o nirukta, «explicação das palavras», de que os indianistas tanto gostam de zombar. Traduzindo nirukta por «etimologia», têm belo jogo de chamar essa etimologia de «fantasiosa» e de nela ver apenas trocadilhos pedantes. Ora, o nirukta não tem a pretensão de ser uma «etimologia científica» — se é que pode existir uma etimologia científica. O nirukta «explica» as palavras, desenvolvendo os sentidos contidos em suas partes constitutivas e as associações verbais que podem ajudar a fixar na memória o conteúdo da palavra e os diversos aspectos da ideia que significa. Assim, a etimologia de upanishad pela raiz sad «sentar-se» — «reunião dos discípulos sentados aos pés do mestre» — é «cientificamente exata», mas nos ensina muito menos que a «etimologia fantasiosa» dada por Çankara: «o que corta completamente, rente (o erro)» (Comentário à Katha-up.). Do mesmo modo a explicação de sâman «canto litúrgico» por sâ «ela» e âma «ele», longamente desenvolvida na Chândogya-up., lembra ao cantor que, cantando, realiza realmente em si um casamento entre duas forças, masculina e feminina; e o mesmo texto dá adiante da mesma palavra uma explicação toda diferente, o que prova bem que não se trata de «etimologia científica». Esta digressão me pareceu útil para sublinhar o valor espiritualmente prático (e não intelectualmente discursivo) das elaborações verbais dos Hindus.]]. — A matéria trabalhada pelo poeta é feita de vocábulo (çabda) e de sentido (artha). Uma palavra (pada), é um vocábulo associado a um sentido. O «sentido» da palavra não é uma simples designação abstrata; artha quer dizer «coisa, objeto, valor», mas também «objetivo», pois o conteúdo psicológico da palavra é a intenção de quem fala, é uma modalidade de seu «eu». O sentido é aliás também chamado «fruto» (phala) da palavra, quando se considera seu efeito sobre o ouvinte.

As «palavras» têm três tipos de sentido. Em outras palavras, os «vocábulos» (que são palavras em potência) têm três «poderes»: podem portar sentidos literais, sentidos derivados (figurados, metafóricos) ou sentidos sugeridos. Ao sentido literal, uma palavra designa um «gênero», uma «qualidade específica», uma «substância» (ou ser individual), ou uma «ação» (ou qualidade transitória). O sentido figurado nasce de uma incompatibilidade entre o sentido literal e o contexto («a vaca fala»: «vaca» é aqui um apelido dado às pessoas de um certo país). Esse mecanismo de resolução dos sentidos contraditórios em sentidos derivados é descrito com toda a rigorosa minúcia dos dialéticos hindues.

Esses dois tipos de sentido bastam às necessidades da linguagem ordinária e da literatura didática [1]. Mas se analisarmos um poema (reconhecido como tal por «aqueles que têm um coração»), uma vez enumerados seus sentidos literais e derivados, resta um «excedente de sentido», diferente dos sentidos anteriores, não se deduzindo deles por inferência lógica, e percebido, no entanto, como o sentido verdadeiro do poema por «aquele que o saboreia». Esse sentido, esse novo «poder» da palavra, é chamado «ressonância» (dhvani), ou «sugestão» (vyanjana), ou ainda «gustação» (rasana). Nasce de certas combinações de palavras que a interpretação pelos sentidos literais e derivados não basta para justificar. Aqui também, os mecanismos psico-linguísticos pelos quais o «sentido sugerido» surge dos outros sentidos são descritos e classificados com uma sutileza e uma precisão de análise que dão quase vertigem [2].


Ver online : Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


[1Os adeptos do Nyâya admitem ainda outra função significativa, pertencente, não mais às palavras separadas, mas ao conjunto da frase, da qual asseguraria a ligação lógica. Para nosso autor, que segue o Vedânta, essa função não é nada distinta do próprio ato do discurso, confunde-se com a intenção de quem fala. A primeira tese é uma visão de lógico, a segunda uma visão de psicólogo.

[2A análise do Sâhitya-darpana chega a 5.355 tipos de «sugestões».