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Approches de l’Inde

René Daumal – A doutrina da linguagem

Dir. Jacques Masui

segunda-feira 30 de junho de 2025

Antes de tentar seguir os estetas hindues nos últimos mistérios poéticos, onde a operação verbal é a imagem de um trabalho sobre si mesmo, é preciso lembrar a base artesanal da arte hindu. Para o Hindu, a expressão da personalidade não tem nenhum valor artístico. O belo é o poder comovedor do verdadeiro [1]. O artista é antes de tudo um artesão, que tem por tarefa fazer certos objetos segundo certas regras e com um certo objetivo. Deve conhecer antes de tudo a matéria que tem que trabalhar. A arte poética está, portanto, fundada sobre uma ciência e sobre uma doutrina de emprego da linguagem.

Entre as palavras e as coisas, há um mero acordo convencional [2] ou uma apropriação eterna? As duas teses, nas Índias como na Grécia, foram sustentadas. Mas a segunda — exposta por Bhartrihari [3] — não exclui a primeira. Segundo Bhartrihari, existem dois tipos de linguagem. Um é feito de palavras-germes (sphota), ideais, inalteráveis, que são as modalidades do âtman universal, as divisões reais do universo; a palavra-sphota está para o objeto na relação de causa manifestante a efeito manifestado [4]. O outro é feito de palavras sonoras (dhvani), palavras usuais, submetidas às leis naturais, isto é, às regras da fonética e da gramática [5]. Quando Mammata e Viçvanâtha explicam como os sentidos convencionais se associam às palavras (por concomitância de percepções, reflexão ou ensino direto), falam certamente apenas dessa linguagem natural e sensível; isso não quer dizer que neguem a realidade de formas preexistentes às palavras e aos objetos.

A doutrina do sphota certamente não é fácil de entender, e sem dúvida me reserva muitas descobertas. A existência de um pensamento sem palavras mas não sem formas é, porém, necessária, por exemplo, a todo trabalho de tradução. Todo bom tradutor se esforça, sem bem se dar conta, de traduzir primeiro seu texto em sphota, para retraduzi-lo, daí, na segunda língua; mas seria ainda melhor tradutor se se desse claramente conta dessa operação.


Ver online : Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949


[1Nenhuma palavra sânscrita, devo dizer, poderia traduzir «belo» nesta frase. O valor estético de uma obra plástica traduz-se por sua «conformidade aos pramâna», o de uma obra poética por sua «riqueza em rasa». Além disso, uma quantidade de termos (çobka, saundarya, etc.) designam a «beleza» exterior e sensível, que pode pertencer aos objetos naturais tanto quanto às obras de arte, e que, nestas últimas, é apenas um acessório agradável. Uma palavra, porém, nos tratados de poética, define a beleza psicologicamente: camatkâritâ, «o poder de provocar a Admiração (sobrenatural)». Ver adiante, o Sabor.

[2Samketa. É a tese do Kâvya-prakâça, importante tratado de Mammatacarya (século XIII ou XIV de nossa era).

[3Bhartrihari, uma das «jóias» da corte do rei-sol Vikramâditya (início do século V de nossa era?) é sobretudo conhecido por suas Centúrias de tom profano. Mas, adepto do Vedânta, expôs também a doutrina linguística da escola no Vâkyapadîya («Da frase e da palavra»), infelizmente inédito na Europa.

[4Sphota evoca o desabrochar de uma flor, o desenvolvimento de um broto — portanto uma potência germinativa constante e oculta sob as aparências que a manifestam.

[5Há da mesma duas músicas: uma, anâhata, «não produzida por abalo (físico)», é a dos deuses e dos antigos rishi; a outra, âhata, é a música sensível ao ouvido. E dois tipos de dança e de mímica dramática, etc..