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Approches de l’Inde
René Daumal – O Sabor
Dir. Jacques Masui
segunda-feira 30 de junho de 2025
Mas qual é o conteúdo dessa «sugestão», o que ressoa nessa «ressonância» que é o sentido mesmo do poema? Em outras palavras, o que é, em sua essência, a poesia? Depois de ter refutado um certo número de definições propostas por outros autores [1], Viçvanâtha diz: «A poesia é uma palavra cuja essência é sabor» [2]. E explica o que é o «sabor» (rasa): «Uma emoção fundamental, como o amor, manifestada pela representação de suas causas ocasionais, de seus acompanhamentos sensíveis e de seus efeitos, torna-se sabor para aqueles que têm uma consciência.» O Sabor não é, portanto, a emoção bruta, ligada à vida pessoal; é dela uma representação «sobrenatural» (lokottara), é um momento de consciência provocado pelos meios da arte e colorido por um sentimento. Ousaria dizer: uma emoção objetiva? Seria uma noção bem estranha à nossa mentalidade, mas se nos lembrarmos dos momentos de emoção estética intensa que vivemos, nos virá um certo «gosto»: e veem como se impõe essa imagem gustativa. O Sabor é essencialmente uma cognição, «brilhando de sua própria evidência», portanto imediata. É «alegria consciente (ânandacinmaya)... mesmo na representação de objetos dolorosos», pois não está ligada ao «mundo» ordinário; é dele uma recriação em outro plano. É animada pela «admiração sobrenatural». É «irmã gêmea da gustação do sagrado». «Aquele que é capaz de percebê-la a saboreia, não como uma coisa separada, mas como sua própria essência.» É «simples, como o sabor de um prato complexo [3]». Só pode ser apreendida pelos homens «capazes de julgar» [4], tendo um «poder de representação» e exige um ato de «comunhão» [5]. Não é um objeto existindo antes de ser percebido, «como uma jarra que se vem iluminar com uma lâmpada»; existe na medida em que é saboreado. Não é um «efeito» mecânico dos meios artísticos, que apenas a «manifestam». Não está submetida ao nosso tempo (o tri-kâla: passado, presente, futuro). Não é, portanto, «deste mundo». «Só se conhece comendo-a.»
É esse Sabor que o «poder de sugestão» da linguagem tem por função manifestar [6].
A noção de rasa está no centro da estética hindu. Não comentarei as citações que precedem. A ilusão de tê-las compreendido me impediria de trabalhar para compreendê-las, e esse esforço para compreender sempre um pouco mais tem sido para mim dos mais fecundos.


Ver online : Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949
Approches de l’Inde - Tradition et incidences, dir. Jacques Masui, Cahiers du Sud, 1949
[1] Definições incompletas, porque apenas enumeram caracteres exteriores da poesia (ver adiante: virtudes, ornamentos) ou indicam condições necessárias mas não suficientes (como a «harmonia das palavras e dos sentidos», Mammata, Bhamaha); mas não dizem o que é sugerido. O rei Bhoja e o autor do Vyaktiviveka definem também a essência da poesia como sendo o rasa, e essa doutrina é certamente a mais rica de sentido.
[2] Vâkyam rasâtmàkan kâvyam, Sâhitya-darpana, I, 3. — Citações seguintes: ibid., III, 33 sq.
[3] A comparação entre a gustação poética e a gustação de uma preparação culinária já é desenvolvida na Sexta Leitura do Nâtya-çâstra (ver Subodh Chandra Mukerjee, The Nâtya-çâstra of Bharata, ch. VI, rasâdhyâya, tese, Paris, 1926).
[4] Pramâtri. Essa «capacidade de julgar», essa medida interior é, segundo um comentário, «o resultado dos méritos de uma existência anterior». Pode-se saborear a beleza na medida em que se preparou para ela.
[5] O Sabor não pertence pessoalmente ao poeta nem ao ouvinte; ao ator nem ao espectador; mas os une num mesmo momento de consciência.
[6] Embora o rasa seja único, distinguem-se praticamente vários «sabores», segundo o sentimento que o colora: Erótico, Cômico, Furioso, Patético, Heróico, Maravilhoso, Repugnante, Terrífico, aos quais se acrescenta frequentemente o Quietivo («apaziguamento» das emoções, vindo com o desejo da libertação e ligado ao amor religioso) e o Parental (amor materno ou paternel).